Como um profissional

Etnografia (movente), participação e reflexividade na pesquisa em esports desde a Amazônia brasileira

por Tarcízio Macedo

Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Fundação Getulio Vargas
http://orcid.org/0000-0003-3600-1497
tarciziopmacedo@gmail.com

RESUMO

Esport é uma expressão que ganhou popularidade nos últimos anos para se referir aos esportes eletrônicos, uma forma particular de praticar jogos digitais competitivos esportivos mediada por computadores. Sua expansão para um fenômeno global com repercussões locais variadas impulsionou a proliferação de equipes aspirantes e profissionais de jogadores engajados na prática em diferentes países, além de mobilizar uma quantidade significativa de atores envolvidos nesse processo. Este artigo promove uma reflexão retrospectiva sobre uma etnografia de uma comunidade de jogadores semiprofissionais da Amazônia brasileira para quem a (auto)biografia, a participação e a câmera fotográfica se tornaram não apenas uma abordagem de pesquisa, mas um recurso promocional. Examinando as transformações que a participação e experimentação do pesquisador promoveram, tanto na prática do trabalho de campo etnográfico quanto na relação com os jogadores, este trabalho explora o papel central desempenhado pela (auto)biografia, participação e afeto na pesquisa etnográfica em jogos digitais e esports. Ao final, são consideradas algumas das interseções epistemológicas e metodológicas entre marcadores sociais, cultura gamer e cultura profissional nos videogames. Também são abordadas algumas das implicações desses aspectos no registro de experiências científicas sociais em um momento em que a participação é cada vez mais difundida, prazerosa, polarizada e problemática.

Palavras-chave: Game studies; etnografia; comunicação; esports; reflexividade.

Como un profesional: etnografía (en movimiento), participación y reflexividad en
la investigación de los esports desde la Amazonia brasileña

RESUMEN

Esport es una expresión que ha ganado popularidad en los últimos años para referirse a los deportes electrónicos, una forma particular de practicar juegos deportivos digitales competitivos mediados por computadoras. Su expansión hasta convertirse en un fenómeno global con variadas repercusiones locales ha impulsado la proliferación de equipos aspirantes y profesionales de gamers dedicados a esta práctica en diferentes países, así como la movilización de una importante cantidad de actores implicados en este proceso. Este artículo promueve una reflexión retrospectiva sobre una etnografía de una comunidad de jugadores semiprofesionales de la Amazonia brasileña para quienes la (auto)biografía, la participación y la cámara fotográfica se han convertido no sólo en un enfoque de investigación, sino en un recurso promocional. Examinando las transformaciones que la participación y la experimentación del investigador han fomentado, tanto en la práctica del trabajo de campo etnográfico como en la relación con los jugadores, este artículo explora el papel central que desempeñan la (auto)biografía, la participación y el afecto en la investigación etnográfica de los juegos digitales y los esports. Por último, se consideran algunas de las intersecciones epistemológicas y metodológicas entre los marcadores sociales, la cultura gamer y la cultura profesional en los videojuegos. También se abordan algunas de las implicaciones de estos aspectos para el registro de experiencias científica-sociales en un momento en el que la participación está cada vez más extendida, es más placentera, polarizada y problemática.

Palabras clave: Game studies; etnografía; comunicación; esports; reflexividad.

Like a professional: (moving) ethnography, participation, and reflexivity in
esports research in the Brazilian Amazon

ABSTRACT

Esport is an expression that has gained popularity in recent years to refer to electronic sports, a particular form of practicing competitive digital sports games mediated by computers. Its expansion into a global phenomenon with multiple local repercussions has driven the proliferation of aspiring and professional teams of players engaged in the practice in different countries, as well as mobilizing a significant number of actors involved in this process. This article contributes a retrospective reflection on the ethnography of a community of semi-professional players from the Brazilian Amazon for whom (auto)biography, participation, and the photographic camera have become not only research but also a promotional resource. Examining the transformations that researcher participation and experimentation have fostered, both in the practice of ethnographic fieldwork and in the relationship with gamers, this paper explores the central role played by (auto)biography, participation and affect in ethnographic research on digital games and esports. Finally, some of the epistemological and methodological intersections between social markers, gamer culture, and professional culture in video games are considered. Some of the implications of these aspects for recording social scientific experiences at a time when participation is increasingly popularized and also pleasurable, however polarized, and problematic.

Keywords: Game studies; ethnography; communication; esports; reflexivity.

Recibido: 22 de marzo de 2023

Aceptado: 25 de junio de 2023

COMO CITAR ESTE ARTÍCULO: Macedo, T. (2023). Como um profissional: etnografia (movente), participação e reflexividade na pesquisa em esports desde a Amazônia brasileira. Etnografías Contemporáneas, 9 (17), 52-85.

Introdução

A indústria de videogames experimentou algumas transformações significativas na última década. A explosão dos esportes eletrônicos (esports),1 por exemplo, é uma de suas evoluções mais marcantes no mundo. Considerado um fenômeno que alimenta progressivamente a mudança e o avanço dessa indústria e do design de jogos em nosso tempo (Falcão et al., 2020), a atividade esportiva baseada em videogames não apenas mobiliza grandes quantias de recursos ao redor do mundo como também pressiona a indústria a promover um (re)enquadramento da experiência de jogo. Essa atividade esportiva orientada para videogames, que pode ser assistida de forma on-line ou presencial por uma quantidade mutável de espectadores, abrange níveis de gameplay e jogabilidades (playabilities) diferentes, grupos de jogadores, tipos de equipes e uma diversidade de comportamentos, gêneros, modalidades e formatos de jogo (Macedo, 2023).

Hoje, os esports fazem parte da paisagem midiática contemporânea e assumem características de um produto esportivo e de uma mídia de entretenimento (Taylor, T., 2012, 2018). Campeonatos em diferentes proporções e níveis –de torneios locais/estaduais/regionais a eventos nacionais e internacionais de grande escopo– são celebrados não apenas como o ponto alto da indústria, mas aproveitados como eventos de mídia com realce nos aspectos visuais e narrativos. Canais tradicionais de cobertura esportiva negociam entre si para transmitir os principais campeonatos de jogos digitais do mundo, seja no Brasil ou no globo. A transformação do fenômeno em um ecossistema de mídia holístico e multidimensional (Macedo, 2023; Wohn, Freeman, 2020), a partir da infusão entre jogo, esporte, competição, entretenimento, mídia, espetáculo, visualizações, gastos, negócios, tecnologia, live streaming, movimentos de base e uma infraestrutura administrativa (organização, moderação e outros), ampliou os desafios e diversificou as oportunidades para a compreensão dos esports.

Embora nem todos os jogos criados sejam voltados para competições, as ligas de esports permeiam hoje o mercado e a experiência de jogo contemporânea. Com este setor assumindo um protagonismo crescente, sua expansão para um fenômeno global (Jin, 2021) com repercussões locais variadas levou a uma ascensão de equipes profissionais e aspirantes de jogos, além de mobilizar uma quantidade significativa de atores envolvidos nesse processo. Isso inclui desde jogadores profissionais (chamados de pro-players)2 espectadores, patrocinadores, fãs, coachs (técnicos), managers (administradores) a comentaristas, casters (narradores), analistas e toda sorte de atores que integram as comunidades competitivas de base em diferentes países, incluindo aquelas em regiões periféricas.

Inserido nesse contexto, o objetivo deste artigo é problematizar posturas e aspectos epistêmicos e teórico-metodológicos que atravessaram um estudo etnográfico com jogadores semiprofissionais do jogo digital League of Legends (LoL),3 realizado entre junho de 2016 a maio de 2019 (Macedo, 2018; Macedo, Fragoso, 2019). Baseado em fundamentos do campo dos game studies,4 da comunicação e da antropologia, essa pesquisa se concentrou em compreender as dinâmicas sociais de uma equipe, em particular, e do cenário local, de modo mais amplo. O intuito é revisitar um trabalho de campo com uma comunidade competitiva da cidade de Belém, capital do estado do Pará, na Amazônia brasileira, para quem a minha (auto)biografia, participação e câmera fotográfica se tornaram não apenas uma abordagem de pesquisa, mas um recurso promocional útil para a equipe e seus membros.

Examinando as transformações que a minha presença e experimentação promoveram, tanto na prática do trabalho de campo quanto na relação com os jogadores, este artigo explora o papel central desempenhado pela (auto)biografia, participação e afeto na pesquisa etnográfica em jogos digitais e esports. Assim, ao reconstruir o encontro com jogadores e membros da organização com a qual me envolvi, coloco em debate as matrizes epistêmicas e teórico-metodológicas que fundamentaram aquela investigação. Introduzo essas considerações incorporando elementos e aspectos da minha própria experiência pessoal, como pesquisador e jogador, face à alteridade5 que me confrontava durante a pesquisa.

Para desenvolver essa leitura, sigo o pensamento de Ashley Brown (2015), Nicholas Taylor (2016, 2018) e T. Taylor (2012, 2022), que propagam a importância da reflexividade no uso de métodos etnográficos na pesquisa em jogos digitais como uma estratégia para lidar com as emoções oriundas da experimentação e participação no campo. Dentro deste escopo, optei por um caminho que auxiliaria na compreensão de uma série de outros processos mais internos ao cenário local que, para um pesquisador não familiarizado com o jogo,6 seriam de mais difícil assimilação ou até de provável descarte.

A abertura para desestabilização que vivenciei durante as primeiras incursões à comunidade me levou a reconsiderar minha própria postura dentro do campo, assim como as noções de (auto)biografia, participação e afeto como condições essenciais para o desenvolvimento da pesquisa – e a pressentir a relevância que decorreria em trabalhá-las: i) primeiro, para assimilar o que seria uma dimensão central do trabalho de campo (participar, experimentar e ser afetado); ii) seguido de reflexões sobre o modo como estava obtendo minhas informações; iii) depois, para entender o que esse esforço de minha parte implica na compreensão das relações que se enredavam no tecido social ali pulsante; iv) e, finalmente, para repensar a própria natureza da pesquisa etnográfica em jogos digitais.

Com efeito, a experiência de campo com esta equipe e, simultaneamente, minha experiência como jogador e fotógrafo me levaram a colocar em questão a forma como conduzi a pesquisa. Como a efetiva participação de um pesquisador numa equipe altera a compreensão dos jogadores sobre si mesmos e suas práticas de jogo? Como essa interação transforma o andamento da própria pesquisa? De que maneira as subjetividades dos jogadores, as interações comunicativas e o jogo são moldados pela própria experiência e subjetividade dos pesquisadores, e vice-versa, assim como pelo diálogo que estabelecem? Este artigo discute algumas dessas questões por meio de uma consideração reflexiva do meu trabalho de campo, durante uma época em que a cena de esports brasileira e belenense, em particular, estava lutando para conquistar a legitimidade social de suas práticas como jogadores competitivos sérios e para articular o que o jogo profissional implica, como ele poderia ser melhor comercializado e como seus atores poderiam se profissionalizar.

Nesse intuito, realizo uma breve digressão e problematização sobre discussões contemporâneas que perpassam o fazer etnográfico baseado na tradição antropológica, bem como das aplicações, implicações e apropriações da etnografia e do afeto nos game studies em sua interface com a comunicação. A seguir, introduzo minha aproximação no cenário competitivo belenense, a partir de algo que chamei de etnografia movente, e apresento, por fim, a minha reflexividade a partir da vivência etnográfica no universo competitivo da comunidade de esport de Belém. Como resultado, a experiência de campo com esta comunidade me levou a pôr em debate o tratamento paradoxal da (auto)biografia, da participação e do afeto na pesquisa social: em geral ignorados ou negados dos seus lugares na experiência comunicativa.

Abordagens etnográficas e o modo experiencial de estar
em campo nos game studies

Existem muitas concepções do que seja etnografia (Brown, 2015; Peirano, 2014), perspectivas variáveis em múltiplos sentidos, cada qual implicando em um conjunto de normas de condutas e modos de fazer. Particularmente, estou comprometido com a composição de uma etnografia experiencial (Ewing, 1994; Fabian, 2001; Favret-Saada, 2005; Goulet, 2011; Marranci, 2008) e, por outro lado, com uma etnografia aplicada aos jogos digitais (Boellstorff, 2006, 2010; Boellstorff et al., 2012; Brown, 2015; Chee, 2005, 2012; Copier, 2007; Falcão, 2014; Malaby, 2009; Nardi, 2010; Pearce, 2011; Rappaport, 2020; Sünden, 2009; Sünden, Sveningsson, 2012; Taylor, N., 2009, 2015, 2016, 2018; Taylor, T., 2006, 2022; Thornham, 2011). Embora existam numerosas perspectivas para sua abordagem metodológica, Brown (2015) fornece uma definição preliminar útil do que seria a etnografia a partir de um percurso experiencialista: “[a] etnografia pode ser geralmente descrita como um método qualitativo de conhecer um mundo social ao experimentá-lo” (Brown, 2015, p. 78).

Para Thomas Apperley e Darshana Jayemane (2012, p. 8), a aplicação de abordagens ou métodos etnográficos “fornece aos estudos de jogo uma maneira de conectar objetos a práticas e de entender essas práticas em relação às vidas e experiências das pessoas que as representam”. A etnografia, portanto, é uma valiosa abordagem para os game studies, permitindo reconhecer os complexos contextos nos quais o jogo se desenvolve. Além disso, proporciona uma estratégia vantajosa para compreender as distintas maneiras pelas quais um determinado jogo individual pode ser jogado, não somente em termos de execução estrutural do algoritmo, mas em se tratando também de respostas culturais, afetivas e situadas (Apperley, Jayemane, 2012).

Uma ampla obra de estudos etnográficos em jogos digitais resulta na visão de que “o jogar jogos digitais está integrado nas práticas mundanas da vida cotidiana” (Apperley, Jayemane, 2012: 10). De maneira geral, Apperley e Jayemane (2012) defendem que a etnografia proporciona os recursos para uma profunda análise do modo como as pessoas costumam jogar videogames. Além do mais, esse aporte metodológico reivindica um tratamento dos jogos digitais não meramente como experiências e objetos homogêneos, mas como práticas múltiplas que ocorrem dentro e em torno dos jogos.

Ao invés de um olhar de observação das ações dos jogadores com distância, a tradição de pesquisa etnográfica em que fui treinado necessita que os pesquisadores se incorporem nas comunidades, na intenção de conseguir um contexto e uma compreensão dos significados e práticas que são realizados. Essa leitura oferece descrições gradativas das ações dos jogadores em um tipo de jogo determinado, levando o pesquisador a um processo de ser afetado (Favret-Saada, 2005). Dada a diversidade de jogos, seja em termos de gêneros ou de plataformas, a etnografia é um enquadramento especialmente útil para o estudo das comunidades de jogadores, porque permite a nuance (Brown, 2015).

Particularmente, adotei uma proposta defensora de que nenhuma etnografia deve ser livre de valores e que a natureza subjetiva é parte da produção etnográfica e, portanto, do conhecimento. Seguidora de uma epistemologia experiencial de estar em campo, Brown (2015) acredita que a manutenção de um distanciamento e da dualidade empatia e antipatia pelos sujeitos da pesquisa nunca é possível de se manter por completo. Essa leitura é complexificada com a ideia de que, na etnografia, a exclusão do pesquisador do seu trabalho é capaz de inviabilizar e tornar oculta a percepção das relações de poder e hierarquias que perpassam uma pesquisa.

Apesar disso, é necessário sublinhar que as formas para acesso às experiências, epistemologias e teorias (que alguns chamariam de “coleta de dados”),7 em uma pesquisa de videogames que faz uso desta abordagem, por vezes não se limitam estrita e especificamente às próprias ferramentas dessa clássica metodologia de coleta –outras técnicas são frequentemente cruzadas para habitar os mundos digitais de jogos. Nesse escopo, uma oportunidade para obter maior entendimento e apreciação pelo que se sente, especificamente no estudo de jogos digitais on-line, implica em criar um personagem e viver no ambiente do jogo –a experimentação, portanto, é essencial à compreensão de inúmeras questões. Embora se possa descrever uma comunidade apenas ao observá-la do lado de fora –ou mesmo de dentro, de modo silencioso–, para que um pesquisador entenda o significado dessa vivência é fundamental estar lá, interagindo, experimentando.

Essa dimensão da experiência não é uma particularidade dos videogames e do seu campo de estudos, uma vez que é possível rastreá-la em muitos outros campos que dialogam com a metodologia etnográfica. Isabel Travancas (2005) e Janice Caiafa (2019), por exemplo, são algumas das expoentes no Brasil que tratam de endereçar reflexões sobre seu emprego dentro do campo da comunicação. Caiafa (2019), aliás, destaca a pertinência etnográfica como método-pensamento e sua relevância particular para este campo dando ênfase na mesma dimensão experiencial mencionada aqui. Ela aponta, inclusive, que o contato do pesquisador com qualquer pesquisa ou situação só é possível, em parte, pelas experiências anteriores que os acompanham, independente de suas vontades. Na composição do texto que chega ao leitor, contudo, Caiafa (2019) lembra que a variedade de possibilidades que o material etnográfico pode produzir (experimentações, sensações e afetos, por exemplo) costuma ser eliminada, com pontas cortadas e o cenário apresentado de modo muito mais uniforme.

A resposta da etnografia diante da necessidade de explicar as emoções oriundas da experimentação e participação no campo, sem renunciar ao rigor acadêmico, ocorreu por meio de um processo conhecido como reflexividade (Brown, 2015; Caiafa, 2019; Ewing, 1994; Fabian, 2000, 2001; Favret-Saada, 2005; Goulet, 2011; Guber, 2001; Marranci, 2008; Taylor, N., 2016, 2018; Taylor, T., 2012, 2022). O termo remete tanto a uma capacidade quanto a uma linguagem indispensáveis para que se possa justificar os passos teóricos, metodológicos e práticos efetivados durante o registro e análise de experiências, bem como a consciência do relacionamento que um pesquisador possui com o campo no qual se insere.

Rosana Guber (2001) aponta que a literatura antropológica desenvolveu o conceito de reflexividade desde os anos 1980 como uma forma de consciência daquele que pesquisa sobre o lugar que seu corpo ocupa no mundo e dos elementos sociais e políticos –de gênero, idade, etnia, classe social e filiação política, portanto. Ela defende que ao menos três reflexividades devem ser constantes no trabalho de campo etnográfico: “a reflexividade do pesquisador como membro de uma sociedade ou cultura; a reflexividade do pesquisador como pesquisador, com sua perspectiva teórica, seus interlocutores acadêmicos, seus hábitos disciplinares e seu epistemocentrismo; e as reflexividades da população em estudo” (Guber, 2001, p. 19). Em meu trabalho, mobilizo estas três frentes para conduzir a reflexão ao longo deste artigo.

A literatura existente sobre etnografia e jogos digitais é abundante, incluindo contribuições da Comunicação, Sociologia, Antropologia e game studies, por isso destaco aqui apenas os insights mais relevantes à presente discussão.8 Thomas Malaby (2009), em sua descrição das tendências que marcaram o trabalho antropológico no século passado sobre jogos, relata certa surpresa ao perceber que, somente há pouco mais de uma década, os questionamentos sobre o jogo e a brincadeira passaram a ganhar maior abrangência e destaque na Antropologia, ao invés dela ter liderado a trajetória de estudos sobre o tema a longo dos anos. Em seu trabalho, ele argumenta a favor da contribuição que a Antropologia, embora tenha ostensivamente relegado o jogo a um segundo plano, ainda pode oferecer ao repensar o jogo. Para ele, o jogo foi, em grande parte, negligenciado de um projeto crítico pelo seu próprio campo de estudos, estando os estudos antropológicos sobre o fenômeno firmemente dentro de uma tradição moderna, embora, segundo ele, existam poucas e relevantes exceções (cf. Malaby, 2009).

De 2009 para cá o cenário mudou consideravelmente e as críticas de Malaby (2009) parecem ter sido acolhidas. Para mim e para muitos outros pesquisadores, a etnografia tem sido hoje uma metodologia fundamental para investigar a cultura gamer e os ambientes on-line, permitindo compreender a abundância e diversidade dos espaços digitais (Boellstorff, 2006, 2010; Boellstorff et al., 2012; Brown, 2015; Chee, 2005, 2012; Copier, 2007; Falcão, 2014; Malaby, 2009; Nardi, 2010; Pearce, 2011; Rappaport, 2020; Sünden, 2009; Sünden, Sveningsson, 2012; Taylor, N., 2009, 2015, 2016, 2018; Taylor, T., 2006, 2022; Thornham, 2011). Os etnógrafos que atuam nesse campo da mídia, ao habitarem ativamente e jogarem junto com os participantes, forneceram uma rica e abrangente análise que engloba desde a presença on-line até as formas de ação coletiva.

Ao adotarem técnicas etnográficas bem estabelecidas –como o envolvimento profundo e prolongado com os participantes, conversas e aprendizado contínuo e a adoção de um conjunto de práticas para habitar esses espaços–, os etnógrafos desses ambientes ofereceram perspectivas relevantes sobre a vida nos espaços digitais, enriquecendo nosso entendimento sobre diferentes fenômenos e contextos (Taylor, T., 2022). Nossos locais de campo etnográfico, em especial aqueles que trabalham on-line, são formados por fronteiras porosas (Taylor, T., 2022). Muitos etnógrafos de jogos digitais escreveram sobre a posição incômoda em que as tradições positivistas os colocaram (Macedo, 2018; Boellstorff et al., 2012; Brown, 2015; Copier, 2007; Falcão, 2014; Taylor, T., 2006, 2012; Taylor, N., 2016, 2018). A saída que encontraram para descrever os (des)caminhos da pesquisa foi recorrer à noção antropológica de reflexividade.

A prática da reflexividade, ao incentivar uma análise constante das próprias posições em relação ao tema de pesquisa e de como essas posições influenciam a pesquisa e o conhecimento produzido, pode auxiliar os pesquisadores na construção de uma visão confiável e ética do estudo (Berger, 2013). Isso não significa, no entanto, que uma abordagem reflexiva da pesquisa seja facilmente realizada. Nossos posicionamentos nem sempre são claros, o que facilita a criação de cenários de pesquisa complexos. Em uma reflexão crítica sobre sua pesquisa em domínios masculinos de jogos competitivos, como fliperamas, lan houses e torneios de esports, N. Taylor (2018, p. 10) define a reflexividade “como a própria agência do pesquisador em moldar encontros e produzir relatos de culturas digitais”.

Nos game studies esse tipo de reflexividade demanda um reconhecimento por parte pesquisador de quando ele é, ou não, um membro que se incorpora na comunidade pesquisada (Aarseth, 2003; Brown, 2015; Taylor, N., 2016, 2018; Taylor, T., 2006, 2012, 2022). Esta característica remete a uma passagem do antropólogo Johannes Fabian (2001, p. 12), que defende uma perspectiva de que toda etnografia está conectada a uma (auto)biografia. Ele nos lembra que pesquisadores filiados às tradições positivista e interpretativistas cantaram, dançaram ou jogaram raramente com seus interlocutores, uma vez que “suas ideias de ciência e suas regras de higiene fizeram que eles rejeitassem cantar, dançar e jogar como fontes de conhecimento” (Fabian, 2000, p. 127).

Afinal, qual seria todo esse esforço, aqui empreendido, senão o de buscar validar o meu lugar de fala que, a um só passo, também evidencia minha preocupação em estudar situações vividas? Poderia eu investigar o jogo que também jogo? A comunidade na qual atuo? Para uma vertente de pesquisa que se apresenta por meio de uma narrativa (auto)biográfica (Brown, 2015; Falcão, 2014; Taylor, N., 2016, 2018; Taylor, T., 2006, 2012, 2022; Sünden, 2009), o vínculo afetivo com o objeto é uma condição necessária, na qual “a biografia [do pesquisador] legitimaria o [seu] lugar de fala científico” (Martino e Marques, 2017, p. 8).

Ao desenvolver um estudo, o pesquisador geralmente carrega no bolso uma carga considerável de princípios éticos para viabilizar seu trabalho. No processo de adaptação da experiência de campo com os compromissos que leva consigo, não é incomum que a experimentação, as sensações e os afetos, quando existem, sejam relegados aos anexos, às notas de rodapés e aos comentários menores (Caiafa, 2019; Ewing, 1994; Martino, Marques, 2017). Brown (2015), porém, sugere que quanto mais as emoções e experiências do pesquisador também são levadas em consideração, mais perto estamos de obter uma imagem completa da realidade social de uma determinada comunidade.

Assim, parte do aprendizado desenvolvido dentro das ambiências e do em torno dos jogos, aos pesquisadores que se concentram nas pesquisas de jogos em sua acepção digital, envolve reconhecer a humanidade que ali ocorre. Experimentar, praticamente ou de outra forma, entre e/ou similar ao que os jogadores vivem nesses ambientes, oferece uma oportunidade de contextualização e visão únicas para os valores, relações de poder, normas, epistemologias e crenças de uma comunidade determinada (Brown, 2015). E é por uma razão intrínseca, e pela própria natureza do campo e do caráter marcante de seu objeto, que o pesquisador de jogos digitais necessita da experiência de campo: seja em um nível direto, com a prática de jogo, seja pela aproximação, na procura de compreender a experiência dos sujeitos –responsáveis pelos arranjos coletivos e fios sociais que desencadeiam dinâmicas distintas. Thiago Falcão (2014, p. 13) oferece um pensamento semelhante ao dizer que nos jogos digitais “o lugar de espectador não existe, uma vez que ele é por demais limitado, além de não conceber a interação direta daquele que assiste para com o aparato”.

Para compreender algo a respeito do outro, é preciso ser capaz de estar aberto aos seus pontos de vista, a questionar a objetividade na pesquisa científica. É fruto dessa demanda para suplantar as restrições das vertentes positivistas, estruturalistas e interpretativistas, na antropologia social, que pesquisadores responderam a partir da orientação experiencial, uma tradição fundamentada pelo conhecimento do outro que se constitui mediante uma participação profunda no seu ambiente de vida, destaca Jean-Guy Goulet (2011). O pesquisador que se filia a essa proposta cosente, isto é, sente com seus interlocutores, a partir de uma radical experiência intercultural com seu campo (e seus membros) (Goulet, 2011).

Na abordagem experiencial, aquele que investiga cria uma experiência intercultural mais radical com os interlocutores e o universo estudado, e é esta experiência que baseia o diálogo interepistêmico com o conhecimento do outro e a produção do saber científico com este. A experimentação no campo, seguindo este percurso adotado por pesquisadores e pesquisadoras, faz com que se aprenda e compreenda, etapa por etapa, para além do que se espera aprender e compreender sobre uma comunidade ou cultura.

Essa abordagem é defendida por Goulet (2011) a partir da antropologia com atitude (e participativa) de Fabian (2001). O modo experiencial de estar em campo consiste, em linhas gerais, não apenas em produzir conhecimento compartilhado (pensar com) na relação entre aquele que pesquisa e aqueles com quem aprendemos, mas também que este conhecimento se destina aos próprios sujeitos. Essa orientação é, antes, uma maneira de percepção e acercamento diante do campo que propriamente um conjunto de procedimentos fixos e imutáveis. Esse movimento de pensar com os sujeitos implica, necessariamente, em promover um deslocamento das geografias e biografias da razão (Roy, 2016). Leva mais além, como sugere Dernival Júnior (2019, p. 368): “descolonizar as instituições como a universidade e as ciências, e seus representantes como únicos espaços e sujeitos produtores de teoria e metodologia, e leva-nos a pensar como o momento gnosiológico ocorre no mundo real de maneira compartilhada”.

O objetivo é fugir da cegueira epistêmica mencionada por Walter Mignolo (2002), que consiste na incapacidade dos pesquisadores(as) de conceber indígenas, camponeses, trabalhadores e outros estratos alheios ao universo da academia –incluo aqui, portanto, jogadores(as)– como sujeitos produtores de saberes9 em sua pluridiversidade, sejam eles existenciais, históricos ou ambientais. De vê-los e reconhecê-los como produtores de epistemologias, ontologias, metodologias e narrativas que buscam interpretar o seu tempo, ambiente e experiências do lugar que seu corpo ocupa no mundo.

Esse enquadramento é fundamental ao projeto moderno e da geopolítica do conhecimento, porque implica em considerar os sujeitos como simples fontes fornecedoras de rica matéria-prima intelectual fagocitada por certas cosmovisões e devolvidas ao mundo a partir de nossas próprias engenharias epistêmicas (Júnior, 2019). Silvia Rivera Cusicanqui (1987) reforça essa crítica ao que considera uma instrumentalização dos sujeitos não acadêmicos por pesquisadores –agentes externos– que “extraem” livremente certas narrativas, saberes e experiências das comunidades e as utilizam como matéria-prima para as universidades, as indústrias de conhecimento do Ocidente.

De maneira prática, nos estudos de jogos digitais, o percurso experiencial de estar em campo nos encaminha a uma necessidade de jogar e ao engajamento do pesquisador a uma postura epistemológica e metodológica diante do artefato. Isto é, o estudo do jogo deve incluir a própria ação do jogar por parte daquele que investiga. Uma análise completa de um videogame, no entanto, deve também se preocupar com a busca da experiência dos outros, não apenas por ser útil como crucial (Aarseth, 2003).

Se afirmo que é preciso aceitar ocupar um lugar de experimentação na pesquisa em jogos digitais –ainda que não limitado a estes–, em vez de imaginar-se lá, o faço pela razão de que o que ali figura é literalmente inimaginável para quem pesquisa, ainda que se seja o mais habituado a trabalhar com representações. Quando se joga um determinado jogo se é bombardeado por intensidades específicas, que geralmente não são percebidas ou escapam à captura do mais acurado estudioso que somente observa. Esse jogo e as intensidades que lhe são ligadas têm, então, que ser experimentadas. Marinka Copier (2007) oferece um pensamento semelhante a respeito da questão: “Em um estudo etnográfico de um jogo em MMORPGs [um tipo particular de jogo on-line], o pesquisador não possui escolha, ele ou ela precisa se tornar um participante para jogar; portanto, não há uma posição de observação possível” (Copier, 2007, p. 30).

Jogar um jogo, nesse sentido, pressupõe um processo de aprendizagem e de uma hermenêutica dinâmica aplicada, na qual o ir a campo passa pela necessidade de experimentá-lo assumindo a postura de um usuário-jogador. “Enquanto a interpretação de uma obra literária ou cinematográfica exige certas capacidades analíticas, o jogo exige uma análise performativa” (Aarseth, 2003, p. 5). Logo, “o estudo informado de jogos tem obrigatoriamente que envolver o ato de jogar, assim como os estudiosos do cinema e da literatura se confrontam diretamente com as obras” (Aarseth, 2003, p. 3).

Etnografia movente ou que se move: estratégias para um campo em movimento ou como se mover pela comunidade competitiva de League of Legends em Belém do Pará

Uma comunidade em jogos digitais pode ser percebida por relacionamentos adversariais ou amigáveis, simbólicos ou competitivos. Ela é também uma forma de persistência, uma vez que, sem comunidade, há uma variedade de jogadores independentes que percorrem o mesmo ambiente. Lisbeth Klastrup (2003) e Suely Fragoso (2012) já há muitos anos argumentam que as comunidades on-line também são dependentes do compartilhamento de espaço.

Alguns empecilhos técnicos, entretanto, figuravam quando me debrucei com o cenário do jogo escolhido para aquela pesquisa (Macedo, 2018; Macedo, Fragoso, 2019): LoL não é um mundo virtual, segundo a definição de Klastrup (2003), por não dispor, nem os personagens ou o próprio mundo do jogo, de ambientes persistentes – isto é, o jogo não permanece ao se deslogar (fechar o game). A ausência de um mundo virtual em LoL torna um esforço ainda maior contatar seus jogadores. Em outras palavras, estabelecer uma entrada adequada dispõe de um nível elevado de complexidade: o jogo não é suficiente, ele é por demais limitado, uma vez que oferece pouco espaço para estabelecer essa relação para além de um chat ao estilo de serviços de redes sociais.

Há pouco nele que seja responsável por reter o jogador, a não ser no momento que se cria uma partida. E, quando em uma, jogadores dificilmente utilizam o chat para conversar aleatoriamente: há um fim instrumental que precisa de concentração para que possa ser alcançado e qualquer desvio de atenção, como parar para digitar, pode desencadear uma perda de recursos, objetivos ou ainda a morte do próprio jogador.10 Não é à toa que se faz uso de uma comunicação muito abreviada em partidas de jogos competitivos como LoL.

No entanto, a comunidade construída em torno desse jogo compartilha uma forma de espaço representado. O fórum on-line é uma de suas principais representações, a partir da qual seus membros interagem. Klastrup (2003) defende que os espaços sociais não precisam ser localizados no espaço ou mesmo ser persistentes para funcionarem como ambientes para a realização de encontros sociais. Porém, existe a necessidade de alguma forma de local para o atendimento comum espacial para que esses ambientes se tornem comunidades on-line.

Para contornar esse problema adotei uma estratégia de que o acesso às fontes extrajogo (jogadores locais) e às atividades desenvolvidas na cena competitiva poderiam contribuir significativamente para o meu próprio entendimento prático do jogo e do seu tecido social. Passei, então, a realizar uma etnografia pelos espaços nos quais a comunidade se construía. Esse trabalho se deu a partir da participação em grupos on-line do cenário local de LoL e no acompanhamento de eventos presenciais e virtuais divulgados nesses ambientes. Chamei esta etapa anterior ao contato com o time de etnografia movente, cujo período remonta junho de 2016 a junho de 2017. A expressão faz alusão à movimentação pelo cenário competitivo de LoL em Belém, a partir dos seus próprios ambientes de convívio como um primeiro passo para alcançar os circuitos locais que envolvem os esports.

A comunidade competitiva de LoL em Belém, porém, é particularmente fechada. Se até mesmo a indústria de esports, em geral, é reconhecida por sua frequente dinâmica e instabilidade (Taylor, T., 2012; Taylor, N., 2016), é de se esperar que em cenários regionais e locais –dispostos no que poderia ser considerada uma periferia dos esports– essas características sejam ainda mais severas. Na época em que iniciei meu trabalho de campo em Belém, patrocínios para equipes e jogadores individuais eram difíceis de se encontrar, a rotatividade de jogadores e equipes era elevada, a presença de atividades promocionais de desenvolvedoras de jogos era pouco frequente, quando não inexistente, e mesmo campeonatos aparentemente bem financiados surgiam e desapareciam em apenas alguns meses.

Ao longo do trabalho de campo, o diagnóstico do cenário competitivo local com os atores da cena indicava que Belém vivia um momento de ascensão a partir de 2016, graças ao apelo mais amplo de LoL no público local e da expansão do jogo no cenário nacional. Esse período ficou caracterizado pela proliferação de espaços de socialização para membros da comunidade de esports na capital do estado do Pará, na Amazônia brasileira. Belém começava a ganhar ambientes para interação específica de um público consumidor de conteúdos sobre esports. Isso incluía a criação de bares (embora estes sejam casos mais passageiros e gozem de pouca estabilidade), um complexo de entretenimento digital, além de iniciativas privadas neste sentido a partir de parcerias entre organizadores de eventos e universidades particulares do estado. Campeonatos locais mais estruturados começaram a surgir um pouco antes, entre 2014 e 2015, aproximadamente (a despeito de iniciativas amadoras existirem há muitos anos), mas cresceram consideravelmente em 2016, sobretudo em 2017, e isso parecia ser unânime entre os jogadores com quem conversava.

O diagnóstico desse cenário local foi discutido em diferentes momentos com os jogadores, que apontavam expectativas de ampliação para os próximos anos. Um dos interlocutores desta pesquisa, Ian “Ham” Bacellar,11 capitão e posterior manager da equipe que acompanhei, argumentou acerca da comunidade local competitiva de LoL.

Crescendo gradualmente. Ano passado eu só via campeonato muito amador e aí esse ano já têm uns negócios maiores. É a expressão ideal para definir, está crescendo em um ritmo legal até. Só o fato de ter quatro campeonatos para gente jogar esse mês já é uma parada meio que destaca isso, então, está crescendo sim. LoL está com mais destaque porque tem mais jogadores, mas têm outros jogos que também estão vindo com campeonatos [...], mas o LoL sempre tem mais destaque por causa do número de jogadores mesmo.

No entanto, os primeiros meses em campo foram, ao que tudo indicava, estéreis. Se tivesse optado por uma abordagem baseada em uma relação afastada observando, ou seja, mantendo uma distância segura, não encontraria nada de fato para ver. Não teria muito o que dizer para além do que é obtido por meio do limitado procedimento de investigação baseado em perguntas e respostas, ou do que poderia extrair mediante consulta documental na internet.

Ainda assim, durante um ano visitei, com certa periodicidade, uma variedade de torneios, campeonatos e atividades competitivas presenciais e on-line do cenário local. Cobri um total de cinco eventos presenciais ao longo desse período (tanto no âmbito de torneios quanto de transmissões de campeonatos) ocorridos em diversos espaços de socialização da capital do estado (Figura 1). No decorrer desses eventos costumava ter muitas conversas informais com a multiplicidade de participantes que são encontrados em torneios amadores e transmissões de grandes campeonatos. O objetivo dessa aproximação consistia em localizar uma equipe disposta a participar da pesquisa, o que não tardou muito a acontecer. Em um torneio presencial de junho de 2017, encontrei uma organização recém-criada, cuja relação comigo se seguiu formalmente até maio de 2018. Após esse período, no entanto, mantive minha participação na rede de comunicação da equipe até o seu desmembramento, em meados de junho de 2019 (Macedo, Fragoso, 2019).


Figura 1. Cena da transmissão de partidas do Esamaz
Studio Games ChallengerLeague of Legends, um dos eventos visitados durante o campo. Fonte: Tarcízio Macedo, 2017.

Meu trabalho envolveu notas detalhadas em um caderno de campo, entrevistas e conversas informais regulares com jogadores e atores da cena local, ida a eventos presenciais e virtuais, participação em grupos on-line e na agenda de atividades da equipe (incluindo a gravação de suas partidas) e uma série de registros fotográficos que começaram como trocas científicas sociais convencionais e terminaram como material promocional para a organização e seus jogadores.

Like a pro: notas etnográficas de um aprendiz de pro-player

No relato de cunho misto –acadêmico e pessoal– que introduzo a seguir está uma tentativa de superar as noções estabelecidas que prescrevem a (auto)biografia como uma fuga da objetividade etnográfica e o distanciamento como uma norma no contato com os interlocutores (Fabian, 2000, 2001; Goulet, 2011; Ewing, 1994). Considerar, portanto, como os jogadores se apropriaram da minha presença e câmera fotográfica para algo que reconheceram como parte dos jogos profissionais, a partir do seu próprio consumo de esports, é essencial para compreender o papel do meu trabalho na profissionalização dessa comunidade.

Em termos da minha própria relação com o campo, fui confrontado por um duplo processo: de um lado, pertenço a essa comunidade geral de jogadores de LoL; de outro, e aqui está um paradoxo certamente derivado do primeiro, jamais me senti um natural habitante da comunidade de esports em geral, ou de LoL, em particular. Todos os sujeitos com quem conversava ao longo de um ano de duração da etapa que precede o encontro com a equipe sequer, em maior ou menor grau, eram conhecidos.

Outro aspecto da alteridade foi destacado em relação ao assunto da pesquisa: não sou um grande fã de esportes modernos, embora existisse uma experiência mínima acerca destes. Minha aproximação foi muito mais decorrente de um interesse pelo jogo competitivo, pelo domínio técnico e pelo processo de profissionalização de equipes e jogadores de videogames. Meu interesse, portanto, advinha mais por ser jogador do que, necessariamente, fã de esportes. Digo que essa relação é paradoxal, porque era esperado pelos interlocutores mais informados, em especial os jogadores do time que acompanhava, que compreendesse uma série de outras questões específicas que, tanto para um jogador (semi)profissional quanto para um interessado no tema, seriam corriqueiras. Em algumas das atividades da equipe (torneios, treinos ou conversas informais) sentia uma sensação de estranhamento: embora entendesse aquilo que se passava na tela, a familiaridade entre os que ali figuravam me deslocava consideravelmente.

A cada encontro com os membros da equipe era colocado à prova o meu próprio conhecimento acumulado a respeito de LoL, os limites onde havia progredido. Essa situação me levou a questionar até que ponto, afinal, um pesquisador precisa jogar adequadamente para poder discutir esports? O quão profícuo deve ser para dialogar e entender o que seus interlocutores estão falando? Falcão empreende um questionamento similar ao perceber o quanto um problema, até então relativamente menor, alcança uma relevância epistemológica: “ que faculdades são necessárias a um pesquisador, para que ele consiga ter acesso aos códigos internos de uma subcultura, quando esta se relaciona tão intimamente com aspectos técnicos?” (2014, p. 318)

Parte da tarefa dos pesquisadores consiste em compreender o porquê daquilo que os sujeitos (com os quais dialogam) dizem e fazem lhes parece ser conveniente, coerente e razoável. No entanto, outra parcela se reporta em sempre se questionar sobre até onde são aptos a prosseguir e acompanhar o que eles fazem e dizem, e até que ponto possuem condições de suportar a palavra dos interlocutores, as práticas e os saberes daqueles com quem escolhem conviver por um tempo determinado. Em outras palavras, a proposição consiste em compreender o limite no qual um pesquisador é dotado de competências para ouvir o que um sujeito tem a dizer e levá-lo a sério. Em um só tempo, isso constitui a noção ou questão central que orienta os estudiosos seja como princípio, seja também como limitação da própria prática (Goldman, 2008).

Existiam nuances às quais sequer havia atentado durante minha experiência prévia do jogo e isso naturalmente me deslocava e desestabilizava. Quebrar esse distanciamento foi uma tarefa que apenas o tempo, o contato com os jogadores e o compromisso com a progressão e domínio do jogo permitiu superar. Essa leitura me levou a defender uma mudança epistemológica importante na condução do estudo: assim como é preciso aprender a jogar, era necessário aprender a pesquisar o cenário competitivo. Mais que isso, era preciso me engajar com o jogo profissional conjuntamente com os integrantes da equipe, buscando a experiência de pro-players. Aarseth (2003) acredita, por exemplo, que a atitude militante de aperfeiçoamento possui certo mérito, principalmente quando comparada com outras instâncias performativas, como a própria academia, estando frequentemente aproximada de um exercício de formação prática em uma área determinada.

Das implicações metodológicas decorrentes disso, há uma natureza dupla que consiste em um interstício que ora me colocava na perspectiva de um insider, por meio da inclusão de elementos autobiográficos,12 ora como outsider.13 Existe uma dimensão que ressalta uma falta de compreensão de especificidades da comunidade local de esports (sua organização, seus jargões, os principais times e atores do cenário), aspectos que poderiam ser geralmente óbvios para os já iniciados e membros desse coletivo, embora para mim nem sempre o fossem. No entanto, tinha esquemas interpretativos internos que me permitiam inferir algumas dessas questões – não estava em uma perspectiva completamente idêntica à relatada por T. Taylor (2012).14

Quando eram realizadas reivindicações dos meus interlocutores relacionadas a escolhas técnicas, táticas e estratégias em LoL, por exemplo, geralmente tinha plena condição de interpretar o que queriam dizer, e ainda indagar algumas respostas. É necessário sublinhar, portanto, que algumas das nossas observações são provenientes não somente das conversas e vivências realizadas pela ocasião de campo junto aos jogadores, mas da minha própria percepção adquirida no decorrer de quatro anos de experiências, à época, com o jogo. Acredito que por conta desse conhecimento prévio e de uma certa reciprocidade identitária atrelado ao ser gamer (cf. Falcão, Macedo, Kurtz, 2021; Gray, 2014; Johnson, 2018; Murray, 2018; Robinson, 2007), fui incorporado com maior facilidade na rede de comunicação da equipe à medida que aceitava participar da experiência.

No período de convivência com a equipe, um deslocamento revelava uma dinâmica que me chamava a compartilhar as experiências que sentiam. De início, minha aproximação ocorria apenas a partir da presença em treinos e torneios coletivos presenciais, com algumas trocas de mensagens com seus membros. Os organizadores do time pareciam interessados na época, possivelmente por cortesia, mas meus contatos de acompanhamento nas semanas seguintes beiravam a superficialidade –meu trabalho parecia ter pouca relevância para seus objetivos de profissionalização.

Apenas eu pareceria demonstrar interesse pelo tema. Durante um dos primeiros eventos presenciais que acompanhei a equipe, em julho de 2017, e em um cenário que me posicionei mais claramente como pesquisador e a câmera assumia sua função de instrumento de pesquisa, a maioria dos meus interlocutores, antes, reagia evitando entrar em detalhes sobre qualquer assunto, negando ou se abstendo de um diálogo. Suas respostas curtas sugeriram relutância em participar ou nervosismo em ser entrevistado –estavam todos visivelmente ansiosos e desconfortáveis nos primeiros contatos. Ham, por exemplo, o capitão da equipe a quem devo muito pelo apoio e que me ajudou a tatear no campo, confessou suas impressões –em geral receosas– quando da minha chegada repentina até a equipe. Esse diálogo ocorreu após uma partida aleatória, em um momento em que já havia adquirido sua confiança.

No começo eu fiquei muito cabreiro [receoso], porque era muito estranho o cara aparecer do nada [...], eu até fiquei meio receoso contigo aparecendo assim, do nada, mas acho muito legal teu trabalho, ninguém aqui faz isso [...]. Só resta passar essa energia pro pessoal.

Os próprios jogadores, no entanto, provocaram uma mudança no ângulo que estava tomando meu trabalho de campo, tanto técnica quanto teoricamente. De forma recorrente era imediatamente confrontado com um ponto de vista dos jogadores segundo o qual uma verdadeira compreensão do cenário belenense de esports, e consequentemente de LoL, seria indissociável de uma experiência pessoal. Na verdade, eles exigiam que experimentasse pessoalmente, e por minha própria conta e risco, os efeitos de participar de uma rede particular de comunicação que consiste jogar LoL profissionalmente, de ser membro de uma comunidade de emoções (Marranci, 2008) que partilhava suas informações. Decidi que nos encontros com os jogadores ocuparia o lugar de participante que me era solicitado.

Dito isto, era mais gratificante aguardar que determinada situação inusitada acontecesse e, a partir dela, dialogar –em estreita consonância com a perspectiva etnográfica descrita– do que tentar produzi-las, induzir os interlocutores a uma discussão que seria pouco representativa. Caminhei, assim, em uma trilha intuitiva, adentrando na rede de comunicação da equipe inicialmente em um exercício de observação, para registro de experiências, epistemologias, teorias e metodologias –não de dados–, que se repetiu de maneira similar quando entrava no jogo –uma prática que, em muito, convergia o meu papel tanto de pesquisador quanto de jogador (Falcão, 2014). A mudança de postura para um engajamento de participação enquanto jogador, aos poucos, abriu espaço para que fosse possível uma aproximação maior com a equipe e sua rede de relações. A diferença foi perceptível: ao longo da pesquisa meu tempo em campo não apenas se ampliou como os participantes, antes relutantes, pareciam agora despreocupados, até mesmo confortáveis, com a minha presença com uma câmera fotográfica profissional (modelo Nikon D5100). Se antes suas respostas eram curtas, agora faziam contato visual com a câmera e posavam para ela.

Essas experiências foram uma rara oportunidade para observar tanto as realidades quanto as experiências morais, emocionais, físicas, intuitivas, epistemológicas e espirituais dos jogadores em primeira mão. Situações se desenrolavam e marcavam presença de modo espontâneo, surgindo em meio ao acompanhamento de uma atividade da equipe, no jogo, ou em uma conversa qualquer com os jogadores, de forma aleatória: em um dia não específico ou explícito, em um momento trivial qualquer, em um instante de camaradagem desprovido de qualquer comprometimento a uma reflexão séria, nos quais a figura do pesquisador não era proeminente à figura do jogador, surgia uma situação particular que merecia atenção e guardava potencial de discussão. Se subsiste um componente de indisciplina na constituição e desenvolvimento desta pesquisa, cabe, por sua vez, sublinhar que a coleta desses momentos imprevisíveis obedece a um acurado rigor necessário para convivência com os sujeitos.

Ao longo do tempo, na medida em que passei a integrar essa rede, tornou-se relativamente tranquilo estabelecer uma relação de diálogo com os jogadores. Alcancei um nível de intimidade que me permitiu participar de reuniões de análises de replays, construções de estratégias, táticas e manobras na casa dos jogadores e, inclusive, até compartilhar momentos de confraternização da organização em eventos particulares comemorativos às suas conquistas e vitórias.

Todas essas situações ilustram que, diferentemente de T. Taylor (2012, p. 29), alcancei com frequência o “tempo de suspensão mundana” com a equipe de esport com a qual estava convivendo. Consequentemente, conquistei um relativo relacionamento com os membros da comunidade belenense em alguns eventos presenciais. Isso revela que, em muitos momentos, era tomado por um ethos de camaradagem particular à própria comunidade, por esse substrato e sensação que guia o time e mantém uma determinada coesão e identidade grupal. No decorrer de uma etnografia de doze meses documentando as práticas desse grupo de aspirantes a pro-players, não seria exagero da minha parte dizer que me tornei membro dessa camaradagem, de uma comunidade de emoções (Marranci, 2008). Ham e Victor “Darkanon” Gabriel, shot-caller15 da equipe, também protagonizaram vários episódios de confiança e confissão comigo. Durante meu campo, ambos me deram as maiores provas de confiança, partidas de suas próprias iniciativas, ao compartilharem suas contas (o incluía a senha e o login pessoal de cada um) para que eu tivesse acesso ao replay de duas partidas, uma em um campeonato local e outra em um torneio amador nacional, disputadas pela equipe em dezembro de 2017 e fevereiro de 2018, respectivamente.

No entanto, se a comunidade local de LoL é fechada para estranhos, como argumentei, como se aproximar de uma equipe se elas também são de difícil acesso? Como pesquisar quando até o próprio pesquisador é alvo de discriminação16 ao tentar alcançar uma organização engajada no esport? O processo de aproximação com uma equipe competitiva é complexo, uma vez que o papel do pesquisador é estranhado e regularmente questionado, sobretudo em momentos iniciais.17 Parte disso se deve ao pouco engajamento assumido pelos estudiosos dentro de um time competitivo, à medida que sua função é demasiadamente limitada. Limitada porque não acrescenta, a priori, à própria equipe. Há pouco sentido em aceitar que um estranho se aproxime. E existem razões para isso. Em cenários locais e periféricos o receio de que uma pessoa se infiltre apenas com o intuito de obter informações sigilosas é frequente. Falcão (2014, p. 261, grifos do autor) ilustra a dinâmica de discriminação em jogos que é consoante com o que discuto aqui:

Jogos são atividades necessariamente agônicas: a discriminação, neles, não é simplesmente uma questão passageira ou trivial, ela é o que faz diferir um jogador do outro, qualitativamente. [...] Se podemos resumir a problemática em uma frase, o jogador que menos sofre os efeitos da discriminação está mais bem equipado para o jogo.

Afinal, o que ganhariam em troca com a minha presença? Em momentos iniciais do estudo vivenciei inúmeros olhares estranhos e discriminações por parte dos membros da organização com a qual me engajei. Gradualmente, porém, os jogadores passaram a ressignificar e aproveitar minha estadia com eles ao me dar funções específicas, mesmo que de modo inconsciente e não formalizado. Ao realizar aquela pesquisa com uma equipe predominantemente composta por homens heterossexuais, de classe média e com privilégios socioeconômicos semelhantes aos meus, tinha efetivamente pouco a retribuir como pesquisadores. Para trabalhar com eles e justificar minha estadia no grupo era preciso enquadrar meu envolvimento de forma alinhada com suas expectativas e necessidades.

Explorar como os próprios jogadores se adaptaram à minha presença como pesquisador é fundamental para entender o papel que meu trabalho de campo desempenhou na profissionalização dessa comunidade, bem como os impactos que o ato de confissão traz, sobretudo para o pesquisador. Embora minha permanência tenha sido esclarecida e tivesse revelado totalmente meus interesses de pesquisa a todos os membros da equipe, no decorrer do tempo os jogadores consistentemente enquadraram meu envolvimento como uma forma reconhecível de serviço ao time, e não como pesquisa. Eles com frequência me apresentavam como o novo analista/conselheiro18 e fotógrafo da organização, dirigindo-se até mim para solicitar conselhos das mais variadas expertises e alguns dos registros fotográficos que produzi ao acompanhar a rotina de atividades da equipe.

Essa relação não foi acordada desde o início em troca de apoio ao meu projeto de pesquisa, mas ao longo da convivência fui progressivamente chamado para contribuir com quaisquer análises, conselhos, comentários e dados fotográficos que produzisse (Figura 2), bem como pelas minhas habilidades de edição de fotos, fornecendo materiais promocionais para a organização e seus jogadores. Minha câmera fotográfica (usada para o registro do trabalho de campo) e minha experiência biográfica como jogador e fotógrafo me ajudaram a transpor a fronteira entre meus próprios interesses de pesquisa, voltados para documentar a profissionalização de uma comunidade de videogame, e os interesses de um grupo de jogadores para quem a câmera e minha biografia representavam oportunidades para os tipos de construção de visibilidade normalmente associadas com os esports profissionais. De forma efetiva, esses dois elementos me permitiram atravessar a fronteira entre a academia e uma comunidade relativamente privilegiada de jogadores competitivos.



Figura 2. Foto da participação da equipe em um campeonato local.
Fonte: Tarcízio Macedo, 2017.

Ao aceitar essa colaboração, gradualmente os papéis de jogador e fotógrafo conquistaram mais espaço e me possibilitaram adentrar na compreensão de uma rede particular de comunicação. Fazer isso exigia uma apreciação maior daqueles momentos de jogo que os próprios jogadores consideravam significativos – algo que tive que aprender não apenas jogando LoL mais de perto, mas também assistindo aos vídeos de destaque do jogo, replays de torneios e participando da rotina de atividades da equipe. Em outras palavras, precisei me tornar um jogador mais proficiente para cumprir minhas funções como analista/conselheiro e fotógrafo e, em última análise, para entender melhor a comunidade de jogadores competitivos com a qual estava envolvido.



Figura 3. Registros fotográficos de um treino na casa de um dos jogadores.

(Imágenes 1, 2, 3, 4) Fonte: Tarcízio Macedo, 2017.

Alguns dos jogadores com quem estava envolvido notavam essa minha postura de aprendizagem e falavam comigo para me ajudar a evoluir no jogo. Veceid, por exemplo, foi um dos que notou minha inclinação para o aprendizado de uma tática, dentro de LoL, voltada para o controle de visão do jogo a partir do uso de wards.19 Era um momento em que Darkanon, o shot-caller do time, repassava a análise sobre um treino da equipe (Figura 3).

Na função tanto de conselheiro particular quanto de um analista da equipe, os jogadores dirigiam-se até mim para solicitar algum conselho sobre os mais variados temas. Após uma derrota em um torneio local, por exemplo, Darkanon chegou a me procurar para conversar sobre seu sentimento de desmotivação derivado daquela partida. Depois de longa reflexão teórica sobre essas experiências, percebi que, ao projetar meus questionamentos, determinadas catarses de emoções dos jogadores eram ativadas e, com isso, muitos dos seus argumentos silenciados vinham à tona, incluindo as pressões que sofriam em decorrência das funções que acumulavam na equipe ou dos problemas pessoais “extrajogo”, como ocorreu com Ham, Darkanon e outros. Darkanon, por exemplo, verbalizou um desses momentos quando, em uma de nossas primeiras conversas, com duração de cerca de três horas, declarou:

Eu acho que é bom a gente ter essa conversa, porque, faz a gente pensar em umas coisas, entendeu? Tu trazes umas perguntas e aí tu te tocas: “po, ele fez uma pergunta que eu não sei responder muito bem, então o que eu posso fazer?” Posso dar uma estudada mais nessa área. Tuas perguntas ajudam a entender minhas lacunas, o que preciso ou não melhorar e, então, gerenciar.

Em uma das partidas amistosas que joguei com os jogadores da equipe, Ham me informou, posteriormente, a partir da visualização dos dados da retrospectiva da temporada competitiva de 2017, disponibilizados pela Riot Games aos jogadores, que obteve comigo a melhor taxa de AMA20 entre todos os jogos que ele havia disputado ao longo daquele ano (Figura 4).

Eu estava olhando as estatísticas que saíram hoje, quando tu entrares no LoL, se tu já não entrou, tu vais ver a retrospectiva do ano. Eles deram as estatísticas de tudo que tu jogaste durante o ano. E aí, no final, tem uma estatística dos teus melhores duos [jogo em dupla em determinada fila de LoL]: tem o duo que deu mais assistências, que no meu caso foi o Veceid, tem o duo que deu o melhor AMA [...], e foi tu que vieste no meu melhor duo de AMA. [...] Está 5,7 o AMA e isso é bem alto, na verdade.

Ao longo das conversas, com o passar do tempo, os jogadores expressavam facetas das suas subjetividades responsáveis por inseri-los, segundo seus próprios julgamentos e critérios, na categoria de semiprofissionais. Talvez, pelo fato de ser jogador e ter conhecimento do jogo, havia a intenção, por parte deles, de que eu participasse e interagisse com os desabafos que estavam fazendo, de modo a validar ou refutar o que diziam. Ham e Darkanon, por exemplo, acreditavam que nossos diálogos eram relevantes e também estimulavam um processo de aprendizado para eles. “Muito bom papear com gente mais experiente [...]. Muito obrigado pelo papo, às vezes eu preciso disso para mexer os dedinhos”, disse-me o primeiro. A mesma frase, com uma ou outra alteração, foi proferida por diversos jogadores com quem conversei. Ham, em outra oportunidade, afirmou algo que aponta tanto para o nível de participação que alcancei quanto para a fruição consequente da mudança epistemológica e metodológica realizada: “se um dia a gente virar um time profissional e de sucesso, tu vais ser uma peça chave de tudo isso”.


Figura 4. Estatística de melhor duo com taxa de AMA de Ham, capitão e
manager da equipe, com o autor desta pesquisa (no meio).

Fonte: Print screen de Ham da tela do jogo League of Legends (BR) em 19/12/2017.

De maneira frequente, portanto, era incluído na rede de comunicação dos meus interlocutores, por exemplo, quando algum evento de experiência de jogo que também possuía era mencionada em dada conversa; quando minhas análises críticas eram apropriadas por eles; ou quando os registros fotográficos eram solicitados para compor documentos em busca de patrocinadores ou como conteúdo para alimentar as páginas da organização na internet. É o caso, por exemplo, da Figura 5, em que registrei o exato momento de reações dos jogadores após a vitória em um torneio local contra uma das principais equipes belenenses do cenário de LoL. A imagem foi usada para compor o documento “Uma equipe, um sonho em comum: profissionalismo em e-Sports”, voltado para buscar patrocínio e apoio de empresas locais da cidade. A Figura 6, por outro lado, foi utilizada para uma publicação nas páginas da equipe na internet. A todo instante os jogadores me designavam um lugar dentro de sua própria experiência social.

Meu próprio envolvimento na qualidade de conselheiro/analista e fotógrafo pode não ter simplesmente coincidido com as tentativas da organização de ser profissional; pode ter impulsionado ativamente esses esforços, na medida em que meu trabalho de pesquisa com a equipe (incluindo o fotográfico) emulava funções e enquadramentos presentes em outras organizações profissionais de esports. Para os jogadores minha contribuição com registros fotográficos e as pesquisas acadêmicas que desenvolvo sobre os benefícios educacionais e sociais dos jogos, assim como as expectativas de visibilidade que esses trabalhos poderiam trazer no futuro, pareciam ter relevância junto aos seus objetivos na construção do perfil da organização e na legitimação de seus status como jogadores competitivos sérios do cenário local. Meu trabalho, de algum modo, ofereceu uma forma de reconhecimento dentro de uma comunidade que coloca muito valor à visibilidade e audiência.21


Figura 5. Foto da comemoração da equipe após uma vitória em um torneio local.

Fonte: Tarcízio Macedo, 2017.


Figura 6. Imagem dos integrantes da equipe, após venceram um torneio local, publicada nas páginas da organização na internet.
22

Fonte: Tarcízio Macedo, 2017.

Ainda assim, os obstáculos para a profissionalização de equipes na periferia dos esports se impõem e revelam o quanto as amarras e imperativos espaciais e coloniais são ainda insuperáveis (Macedo, Fragoso, 2019; Macedo, Kurtz, 2021; Mussa, Falcão, Macedo, 2020). Pouco depois de concluir meu trabalho de campo a equipe que acompanhei deixou de existir como organização e os jogadores passaram a se concentrar no ensino superior. Em razão das muitas responsabilidades e demandas que jogadores assumem ao longo de suas trajetórias, consideradas frequentemente como mais sérias e responsáveis por requisitarem maior tempo dos jogadores (como a família, os estudos, relacionamentos etc.), é comum que equipes sejam encerradas de forma abrupta. Todas essas atividades, além dos possíveis problemas de gerenciamento e convivência entre jogadores, prejudicam o compromisso e engajamento com a progressão competitiva no esport. Como argumenta T. Taylor (2012), um jogador que aspira o profissionalismo ainda tem sua atividade residindo em algum lugar entre a subcultura e a ocupação.

Considerações finais

Este artigo explorou algumas das preocupações epistemológicas e teórico-metodológicas levantadas por um trabalho de campo desenvolvido com um grupo de jogadores competitivos, onde gradativamente atuei como pesquisador, conselheiro/analista e fotógrafo para a equipe e seus jogadores. Discuti como as preocupações etnográficas convencionais em torno da (auto)biografia, da participação e do afeto foram transformadas a partir do meu duplo papel como etnógrafo e jogador/fotógrafo nesta comunidade.

A tradição de pesquisa etnográfica em que fui treinado evita as abordagens convencionais – caracterizadas pela “extração de dados” de sujeitos, a partir do uso de técnicas de questionamento formalizado – em favor de trocas dialógicas mais abertas. Nesta tradição, enraizada no trabalho experiencial de autores como Ewing (1994), Fabian (2000, 2001), Favret-Saada (2005), Goulet (2011) e Marranci (2008), são produzidas trocas recíprocas de narrativas e reflexões por meio das quais o conhecimento é coconstruído ao invés de obtido.

As conversas e entrevistas que realizei com os jogadores foram guiadas por um tipo de relação baseado em preocupações de reciprocidade e retribuição, seguindo a tradição etnográfica mencionada. Elas foram realizadas tanto para beneficiá-los, em suas tentativas de se estabelecerem em uma rede mais ampla de pro-players de LoL, quanto para avançar minha própria compreensão dos jogos competitivos. Para alcançar esse objetivo, no entanto, precisei performar o profissionalismo ao me modelar a partir da experiência de pro-players e de um estilo fotográfico promocional –em enquadramentos e ângulos– frequentemente usado na cobertura dos esports.

Onde minhas expectativas iniciais sobre o que enquadrar na câmera foram moldadas pelas tradições etnográficas, as expectativas dos jogadores sobre as possibilidades e prescrições (Latour, 1992) de uma câmera fotográfica em suas atividades foram moldadas por gêneros de vídeo que promovem jogadores e eventos de esports profissionais, produzidos e difundidos pela desenvolvedora de LoL (Riot Games) e outras organizações de esports. No convívio com os jogadores, e à medida que minha compreensão das habilidades e competências corporais e comunicativas necessárias para o jogo profissional se aprofundava, a conquista da confiança permitiu criar um terreno comum aos encontros e uma situação interativa de comunicação que me possibilitou o contato, o diálogo e a convivência – saber quem são, quais são suas práticas, conversar com eles.

Também prestei atenção às maneiras como meu próprio papel, atos de confissão e prioridades em mudança dentro desta comunidade –não apenas meus deveres como analista/conselheiro e fotógrafo, mas minha crescente apreciação pela habilidade e dedicação dos participantes– modificaram a forma e o modo que e como aprendi sobre o processo de profissionalização de equipes e jogadores de jogos digitais na periferia dos esports. Ao fazê-lo espero ampliar o rico trabalho etnográfico de pesquisadores dos game studies (Brown, 2015; Copier, 2007; Falcão, 2014; Taylor, N., 2016, 2018; Taylor, T., 2006, 2012, 2022; Sünden, 2009) que atentam para os modos como sua própria posicionalidade e reflexividade moldaram suas interações com os jogadores. Ao seguirem esse caminho esses estudos revelam as complexas relações entre participantes, pesquisadores, contextos virtuais/físicos e tecnologias a partir das quais o conhecimento etnográfico é produzido e revitalizado.

A respeito das características distintas das interações em ambientes digitais (ou híbridos: presencial/virtual), Brian Ekdale (2017) destaca que as tecnologias de mídia digital e social promovem maior abertura e reciprocidade, tornando visíveis as representações dos pesquisadores e dos participantes perante o público on-line. Isso cria relações de pesquisa mais permeáveis, permitindo que os membros da comunidade participante aprendam mais sobre o pesquisador.

É provável que a efetiva entrada no campo pela via fotográfica, da autobiografia e pela prática de jogar de forma comprometida possa ser uma particularidade de grupos de jogadores competitivos voltados ao jogo profissional. Isso significa, em termos práticos, que esses elementos assumem uma característica específica dentro dessas comunidades, mas talvez não sejam significativos às etnografias sobre jogos digitais de maneira geral. No entanto, ainda que o processo de análise de jogos e da cultura dos jogadores dependa essencialmente de quem são os pesquisadores e dos seus objetivos, mais relevante do que essas capacidades é a ética da investigação. Autores como Aarseth (2003), Copier (2007), Falcão (2014) e T. Taylor (2006, 2012), por exemplo, ressaltam a existência de uma ética de pesquisa a quem pretende desenvolver comentários sobre comunidades de jogadores, jogos ou utilizá-los em suas análises estéticas ou culturais: o dever de jogar esses jogos, ao menos para que os comentários postos correspondam, em um nível mínimo, aos do grupo no qual cada pesquisador se reconhece e filia. “Como estudiosos de jogos e de comunidades de jogadores, temos obviamente a obrigação de compreender o jogo; jogando-o é a melhor forma e, por vezes, a única de se o conseguir” (Aarseth, 2003, p. 22).

O uso da reflexividade neste artigo, entretanto, não busca tratá-la como um tipo de inovação ou diferencial dentro dos game studies, haja vista seu longo histórico na prática etnográfica (Caiafa, 2019; Ewing, 1994; Fabian, 2000, 2001; Favret-Saada, 2005; Goulet, 2011; Marranci, 2008), mas como um exercício de autocrítica a um estudo onde a objetividade científica me levou a eliminá-la em grande parte da versão final do texto. E, particularmente, como um convite para que essas questões apareçam nas pesquisas desenvolvidas sobre esports – sejam elas etnográficas ou não.

Na construção do texto que chega ao leitor é comum que nós ocultemos as dificuldades enfrentadas em nossos trabalhos de campo e as situações com as quais lutamos. Nossos esforços, em alguns casos, permanecem presos em uma caixa fechada, em blocos de anotações e em notas de rodapés dos cadernos de campo sobre os quais acabamos escrevendo. Enquanto isso, outros pesquisadores podem estar enfrentando dilemas sobre os quais acreditam que aparentemente ninguém jamais viveu. Ao revisitar o trabalho etnográfico construído anteriormente (Macedo, 2018; Macedo, Fragoso, 2019), e num esforço de endereçar uma autocrítica a ele, decidi que ao invés de esconder as lutas necessárias para completá-lo as colocaria sobre a mesa como parte do que também moldou meu trabalho – integrando sua composição metodológica, narrando os modos como enfrentei esses obstáculos e quais estratégias segui para tentar levar adiante a pesquisa e lidar com suas situações.

Há ainda fortes indícios de que a etnografia descrita neste artigo só foi possível por ter sido desenvolvida por um homem, jovem e competidor (com algum histórico relevante no universo dos videogames competitivos).23 Esses marcadores sociais permitiram com que pudesse acessar uma cultura profissional que é, como argumentam Falcão, Macedo e Kurtz (2020), T. Taylor (2012) e N. Taylor (2015, 2016), muitas vezes misógina e de uma natureza profundamente privilegiada, apenas rompida, em grande medida, por quem seja um ávido jogador e fã. Um fator preponderante para essa leitura é o entendimento convencional da identidade de jogador como sendo associada a uma demografia específica –homem, branco, cisgênero, heterossexual e de classe média (Falcão, Macedo, Kurtz, 2021; Gray, 2014; Johnson, 2018; Murray, 2018; Robinson, 2007)–, cuja representação é parte fundamental das estruturas de poder moldadas na cultura dos videogames por décadas (Braithwaite, 2016). O marcador de gênero e idade me permitiram certa abertura por ser um jogador e minimamente conhecedor do universo em questão.

T. Taylor (2012), uma pesquisadora que se articula com os game studies e para quem a etnografia é parte relevante de sua trajetória acadêmica, por exemplo, não dispôs da mesma abertura ao campo que experimentei. Ao longo do seu próprio trabalho, T. Taylor (2006, 2012, 2022) escreveu sobre as várias maneiras pelas quais seu gênero, idade, raça, classe e sexualidade moldaram seu trabalho de campo, às vezes abrindo possibilidades, às vezes fechando-as. Sua postura reflexiva e ética a levou a omitir o termo etnografia do seu texto ao considerar que o estudo realizado na comunidade de esports não era suficientemente etnográfica, mesmo que tenha sido projetada para tal e utilize métodos associados a abordagem.

Para ela, isso provocou uma ruptura fundamental em sua própria prática de pesquisa porque o tipo de acesso ao qual teve no campo era distinto do modo experiencial que estava acostumada em seus trabalhos etnográficos anteriores sobre mundos virtuais e jogos on-line (Taylor, T., 2006). T. Taylor admite que “sempre esteve bastante fora” do que estava estudando e nunca se sentiu uma “habitante natural da comunidade de esport” em virtude de seu status de “[...] uma não competidora, mulher e um pouco mais velha” do que seus participantes de pesquisa (Taylor, T., 2012, p. 29).

No entanto, apesar de muitos pesquisadores de jogos digitais terem fornecido ricas informações sobre como lidam com sua condição de estranhos em relação às culturas que estudam em termos de marcadores de gênero, idade, sexualidade, raça e as múltiplas interseções desses sistemas de diferenciação (Gray, 2012; Sünden, 2009; Taylor, T., 2012, 2022), há pouca reflexividade semelhante por parte dos pesquisadores de jogos identificados como homens. As pontuais exceções, pelo menos que eu saiba, são os trabalhos de N. Taylor (2018) e Robin Johnson (2010).

N. Taylor (2018), por exemplo, aborda as tensões enfrentadas sobre ser um homem branco pesquisando comunidades dominadas por homens, ao mesmo tempo em que é treinado em metodologias etnográficas feministas. Para os participantes de sua pesquisa, N. Taylor era considerado um membro do grupo, um insider –um jogador também branco, do sexo masculino e habilidoso que estudava jogos competitivos–, o que facilitou sua entrada e integração no grupo pesquisado –algo muito similar ao que experimentei. Porém, sua própria identificação como feminista trouxe desafios significativos durante o trabalho de campo, como exemplificado por um incidente de objetificação sexual de uma modelo feminina pelos participantes do evento de jogos que ele participou.

Essa percepção de mediação dos marcadores na pesquisa social ilustra ainda os frequentes desequilíbrios de poder enfrentados pelos pesquisadores que estudam comunidades de jogadores, decorrentes do gênero, idade, experiências anteriores ou quaisquer outros aspectos que sejam aparentes –e não raro eles compõem parte integrante da experiência de jogar dentro de uma comunidade específica. Essas relações de poder, especialmente no que se refere ao gênero, afetam frequentemente a experiência de pesquisa, assim como seus resultados, informam os trabalhos de Brown (2015), T. Taylor (2012) e N. Taylor (2018). Em desdobramentos futuros, pretendo abordar as questões implicadas e os dilemas enfrentados ao ser um homem, branco, periférico, de esquerda, amazônico conduzindo pesquisas em comunidades dominadas por homens e um pesquisador treinado em metodologias etnográficas decoloniais.

Quando aplicada a estudos de esports e jogos competitivos, a articulação em torno de uma participação, experimentação e posicionamento responsável e reflexivo pode apoiar na construção de entendimentos mais sutis da interação coconstitutiva encenada entre jogadores e pesquisadores. O estudo de um pequeno grupo de jogadores semiprofissionais que relatei aqui, e as questões práticas e epistemológicas envolvidas em experimentar e retribuir a essa comunidade, pretende tanto reafirmar quanto problematizar preocupações em torno da reflexividade e do uso da (auto)biografia, da participação e do afeto, sob condições sociotécnicas contemporâneas onde as recompensas da pesquisa científica social são muitas vezes, e cada vez mais, unilaterais.

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1 A abreviação é usada em referência à expressão inglesa electronic sports para designar o fenômeno da profissionalização e esportificação dos jogos digitais. Mais informações em Macedo e Falcão (2019) e Macedo (2023).

2 Acrônimo do termo em inglês professional players, é empregado para se referir aos jogadores profissionais de videogames.

3 Criado em 2009 pela desenvolvedora Riot Games, é um jogo on-line no qual dois times de cinco jogadores se enfrentam em um campo de batalha com a finalidade de destruir a base adversária. É um representante do gênero Multiplayer Online Battle Arena (MOBA), arena de batalha on-line para vários jogadores em livre tradução. Cf. Macedo (2018).

4 Game studies é um termo internacionalmente utilizado para se referir a uma linhagem de estudos que aborda os jogos. A nomenclatura surgiu inicialmente em 2001, acompanhada da primeira publicação científica da área, o Game Studies - the international journal of computer game research, e recebeu uma considerável expansão desde o início dos anos 2000.

5 O conceito é aqui compreendido a partir da percepção de que a identidade do sujeito é reconhecida a partir da experiência de conhecer o outro para conhecer a si mesmo (Fabian, 2001; Goulet, 2011)

6 Na metodologia proposta por Espen Aarseth (2003), um dos pré-requisitos necessários à produção de uma pesquisa sobre jogos digitais está o conhecimento prévio do videogame. Ao invés de um problema ou empecilho, esse fator anterior de relação e conhecimento habilitaria o pesquisador a compreender dinâmicas mais intrínsecas que passariam ao largo e despercebidas por estudiosos sem essa competência.

7 Aqui opto pelo uso da expressão “experiências, epistemologias e teorias” em contraponto a “dados”, com base em uma proposta que, individual e coletivamente, estou construindo nos últimos anos. Meu intuito, com isso, é conferir não apenas humanidade aos meus interlocutores, buscando não objetificá-los, mas, principalmente, reconhecê-los como sujeitos de conhecimento com rica diversidade epistemológica, teórica, filosófica e metodológica. É também uma forma de me posicionar contra a ideia de ciência e seu estatuto moderno que ainda baliza muitos dos campos científicos e da produção de conhecimento hoje (Cusicanqui, 1987; Júnior, 2019; Mignolo, 2002; Roy, 2006). Faço isso também como um exercício de decolonização baseado em algumas das pistas sugeridas por Edgar Gómez-Cruz, Paola Ricaurte e Ignacio Siles (2023), em sua rica proposta descolonial para o estudo da cultura digital e dos algoritmos na América Latina.

8 Para uma revisão do uso do aporte etnográfico nas pesquisas em jogos digitais, cf. Apperley e Jayemane (2017), Boellstorff et al. (2012) e T. Taylor (2006, 2022).

9 Aqui compreendido pelo conjunto de variadas formas de conhecimento disponíveis no mundo.

10 Ao digitar um jogador desativa o uso dos comandos que acionam as habilidades de um personagem, tornando-se vulnerável a ataques inimigos.

11 Em conversa com os integrantes do time, foi sugerido e até incentivado que eu utilizasse, na divulgação das falas de cada um, uma forma padrão usada por eles, e demais membros do cenário competitivo, para se reportarem aos jogadores e a si mesmos. Essa formatação consistia na escrita do primeiro nome seguido, entre aspas, do nome do jogador no jogo (nickname) e, por fim, do sobrenome (ex.: Fulano “nickname” de Tal). Ainda que tenha sido uma decisão dos jogadores, na pesquisa optei por endereçá-los somente por seus nicknames. Acredito que parte dessa proposta deriva da ideia de que o estudo poderia, na medida do possível, beneficiar a equipe e alguns dos participantes profissionalmente, embora não tenha deixado isso evidente para não resultar em uma expectativa não correspondida. Devo admitir que, à época, esta foi a escolha mais provável para evitar conflitos e problemas futuramente – e foi, particularmente, uma das recomendações feita pela banca que avaliou e aprovou a pesquisa. Como algumas questões estavam carregadas ou estariam condicionadas a alguns conflitos de qualquer ordem, acreditava que a proteção geral da privacidade dos participantes da minha etnografia suplantaria os possíveis e incertos benefícios em decorrência de uma identificação individual de cada jogador. Hoje, porém, reconheço que deveria ter seguido a indicação deles para ser justo ao tanto que me ofereceram (como uma forma de retribuir seu apoio inestimável ao meu projeto) e, também, garantir a eles o direito de anonimato apenas nas informações que julgassem necessárias, após a leitura do texto final. Faço, agora, essa mea-culpa e retratação, chamando os jogadores, na primeira ocorrência, pela forma como gostariam de ter sido identificados na pesquisa.

12 Minha própria trajetória individual me levou a realizar aquele estudo, assim como o pré-conhecimento e participação, de certa forma, na cultura estudada.

13 Instância na qual o pesquisador não pertence ou se reconhece como parte de um determinado grupo ou comunidade.

14 É importante que se reconheça que nem sempre jogar é uma opção para quem pesquisa por inúmeros marcadores sociais. Na experiência de campo de T. Taylor (2012) com equipes de esports, o gênero e sua idade foram fatores de discriminação (na acepção latouriana do termo) (Latour, 1992) que a impediram de se aproximar de muitos pro-players.

15 O termo é usado para se referir a um jogador responsável por desempenhar uma função de liderança estratégica ao criar as chamadas (“calls”) para jogadas (táticas, manobras, macro plays) e objetivos em uma partida. Ele assume um papel de “capitão” e estrategista da equipe, em quem o time deve tanto obedecer quanto depositar grande confiança. O shot-caller (lançador de chamadas, em livre tradução), entretanto, não é necessariamente quem inicia as team fights (lutas de equipes), mas sim quem dá a “ordem” para fazer aquilo, quem organizou e lançou a chamada para a jogada. Na necessidade de tomada de decisões no jogo, o shot-caller surge como um dos jogadores mais essenciais em um time (semi)profissional.

16 A noção de discriminação é aqui usada no sentido latouriano do termo (Latour, 1992). Ela se apresenta, majoritariamente, ao expor obstáculos e inaptidões que a tecnologia imprime (neste caso, os videogames), sejam elas humanas (dinâmicas operacionais avançadas dentro do jogo como rotação, posicionamento, combos e conhecimentos culturais sobre linguagens e estruturas sociais, por exemplo) ou não-humanas (quando o jogo ou alguma funcionalidade interna a seu sistema deixa de funcionar corretamente, bugando). Formas de incompatibilidade em jogos, baseadas na desenvoltura com a qual um jogador lida com o jogo, são reconhecidas como quebra a uma dinâmica de prescrição (na acepção latouriana, códigos, regras e deixas comportamentais e de uso, programas de ação) (Falcão, 2014). Relações de prescrição em curso limitam, em algum sentido, aqueles que podem fazer uso de suas facilidades. Se um pesquisador que se aproxima de uma equipe de esport não possui o conhecimento prévio do jogo e do cenário profissional, dificilmente sua participação será aceita. Esses atores são, de acordo com o jargão latouriano, discriminados. Uma ampla literatura sobre esports dentro dos game studies traz inúmeros exemplos discriminatórios relativos a estratégias de prescrição experimentadas por pesquisadores (Macedo, 2018; Falcão, 2014; Taylor, N., 2016; Taylor, T., 2012).

17 O trabalho vídeo-etnográfico de Nicholas Taylor (2016) em uma comunidade de jogadores competitivos no Canadá relata de maneira similar como interlocutores ressignificam a presença de pesquisadores durante o trabalho de campo.

18 Essa era uma função ausente e necessária à equipe, cujo papel consiste, resumidamente, em analisar as partidas, estudar o jogo e assistir aos jogos e treinos do time e dos adversários a partir de uma visão crítica, no intuito de coletar o máximo de informações relevantes sobre o desempenho de cada jogador e auxiliar estes e o coach durante os treinos. Meu trabalho enquanto pesquisador, de alguma forma, parecia compartilhar certa semelhança com essa função.

19 LoL é um jogo de estratégia em tempo real que utiliza de uma mecânica chamada “névoa/neblina de guerra”, o que significa que as ações e o território dos oponentes de um jogador são ocultados, inicialmente, e as informações acerca das estruturas são reveladas gradualmente aos jogadores quando determinadas unidades, como aliados, o próprio jogador, minions e wards são dispostos e/ou exploram o mapa do jogo. Nesse sentido, ward é um tipo de item em LoL que permite aos jogadores conseguirem a visão temporária em uma parte oculta do mapa.

20 O índice de AMA é uma estatística métrica utilizada para avaliar o desempenho em competições de jogos competitivos como LoL. Sua aferência é feita por meio de um cálculo de três variáveis (abates, mortes e assistências – AMA). Segundo Ham, o cálculo para chegar a essa estatística é simples: trata-se de uma soma da quantidade de abates e assistências pela divisão do número de mortes.

21 O debate sobre o valor da visibilidade e da audiência no cenário competitivo de esports (global e local) tem sido documentado por alguns autores que discutem a espectatorialidade (Taylor, T., 2012; Taylor, N., 2016) e a dimensão do trabalho (Macedo, Kurtz, 2021) dentro dos esports. Esforços posteriores devem explorar esta via, uma vez que ela se apresenta como uma das mediações centrais para compreensão do fenômeno.

22 Meus interlocutores foram convidados livremente a assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no qual não apenas nos autorizaram como nos incentivaram a registrar imagens e conteúdos audiovisuais de sua equipe para fins acadêmicos – e, posteriormente, também profissionais. Além disso, as imagens que reproduzo aqui são consideradas públicas pela própria reflexividade dos jogadores com quem conversei. Portanto, isso não impede que elas sejam veiculadas neste artigo.

23 N. Taylor (2018) também discutiu sobre os privilégios de pesquisar enquanto hétero, branco e homem em jogos. Minha experiência é bastante similar ao seu relato.