Forças armadas e a perpetuação de estigmas na tentativa de reconstruir a nação haitiana
por Luciana Maria de Oliveira Cortinhas y Juliano Da Silva Cortinhas
Luciana Maria de Oliveira Cortinhas
Universidade de Brasília
https://orcid.org/0000-0001-7615-1575
lucianamaria@unb.br
Juliano Da Silva Cortinhas
Universidade de Brasília
https://orcid.org/0000-0003-4529-6813
jcortinhas@gmail.com
RESUMEN
El artículo analiza ideas y expresiones específicas sobre Haití y los haitianos que han sido construidas por agentes que actúan internacionalmente desde una posición de poder. A partir de ahí, examina cómo tales ideas y expresiones, convertidas en estigmas, influenciaron las discusiones que llevaron a la decisión brasileña de comandar la Misión de las Naciones Unidas para la Estabilización de Haití (MINUSTAH). Después de la independencia de Haití, las potencias coloniales impidieron que los ideales libertarios haitianos se extendieran a otras colonias, tratando de aislar a ese país del resto del mundo mediante el uso de diferentes instrumentos, incluidos los estigmas. La hipótesis del artículo es que estos estigmas fueron importantes en la decisión brasileña de comandar la MINUSTAH, lo que llevó a Brasil a alejarse de su tradicional posición diplomática. En última instancia, al comandar la operación de la ONU, Brasil contribuyó al mantenimiento de una relación colonial con Haití. En resumen, los autores sostienen que la estigmatización influyó en la percepción de los brasileños sobre Haití, permitiendo al gobierno justificar la decisión de ordenar la intervención militar.
Palabras clave: Estigmas, Raza, Percepción, Poder colonial, Haití.
Brazil and the MINUSTAH: armed forces and the perpetuation of stigmas in the intent to reconstruct the Haitian nation
ABSTRACT
The article discusses specific ideas and expressions about Haiti and Haitians that have been expressed by agents who act internationally from a position of power. From there, it examines how such ideas and expressions, turned into stigmas, influenced the discussions that led to the Brazilian decision to command the United Nations Stabilization Mission in Haiti. After Haiti’s independence, the colonial powers prevented Haitian libertarian ideals from spreading to other colonies, trying to isolate that country from the rest of the world through the use of different instruments, including stigmas. The hypothesis of the article is that these stigmas were important in the Brazilian decision to command the United Nations Stabilization Mission in Haiti, which led Brazil to distance itself from its traditional diplomatic agenda. Ultimately, by commanding the UN operation, Brazil contributed to the maintenance of a colonial relationship with Haiti. Finally, the authors argue that stigmatization influenced Brazilians’ perception of Haiti, allowing the government to justify the decision to command the military intervention.
Keywords: Stigmas, Race, Perception, Colonial power, Haiti.
RECIBIDO: 30 de enero de 2024
ACEPTADO: 1 de junio de 2024
CÓMO CITAR ESTE ARTÍCULO: de Oliveira Cortinhas, L.M., Da Silva Cortinhas, J. (2024). O Brasil e a Minustah: Forças armadas e a perpetuação de estigmas na tentativa de reconstruir a nação haitiana. Etnografías Contemporáneas, 10 (18), 206-228.
O artigo visa compreender de que modo o Brasil, ao tomar a decisão de assumir o comando da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), partiu de estigmas sobre o Haiti e, ao fazê-lo, assumiu uma postura colonial com relação ao país. Em particular, examinaremos o discurso dos legisladores que apoiaram a decisão e de militares. A decisão, em última instância, contrariou a tradição diplomática brasileira e gerou efeitos negativos para brasileiros e haitianos.
O artigo será iniciado pela construção de um recorte analítico sobre o conceito de estigmatização. A partir daí, será demonstrado como a prática contribuiu para a construção de imagens sobre o Haiti no âmbito internacional e para a percepção dos brasileiros sobre os haitianos. Examinaremos, então, como a estigmatização foi utilizada para legitimar a decisão brasileira de comandar a MINUSTAH. Defenderemos que, ao assumir tal postura, o Brasil ocupou o papel de colonizador no Haiti, pois nossos governantes entenderam que, apesar da situação precária de segurança e serviços sociais no seu próprio país, poderiam impor soluções a outro Estado, sem que a população local fosse consultada durante o processo. Trata-se, portanto, de uma postura que está em desacordo com o que é afirmado por analistas que veem a cooperação sul-sul como característica fundamental da política externa do presidente Lula Da Silva (Vigevani e Cepaluni, 2007). Apesar de ser um país periférico e que também foi colônia, nesse caso específico, o Brasil não atuou a partir de uma visão decolonizada e descolonizadora da cooperação sul-sul (Caixeta e Santos, 2022) para encontrar formas mais horizontais de se relacionar com outro país do Sul Global.
Importante mencionar que este artigo não pretende analisar aprofundadamente o processo decisório que levou o Brasil ao comando da MINUSTAH. O texto apenas examina algumas das posições que fundamentaram a decisão como um estudo de caso que objetiva ilustrar o argumento que embasa a análise: o Brasil, apesar de criticar outros países que assumem tal comportamento, também adota, em determinados momentos, posturas coloniais a partir da construção de estigmas sobre populações estrangeiras. Esperamos que, ao demonstrar como isso ocorreu no caso específico, possamos trazer uma contribuição importante para repensar a imposição de uma possível nova Missão da ONU no Haiti e, indo além, para que o próprio Brasil avalie de modo mais crítico um possível engajamento em novas Operações de Paz das Nações Unidas.
O processo de estigmatização é construído na interação entre indivíduos e grupos sociais (Diehl, 2016, p. 92). Compreender como são formadas as imagens de um determinado indivíduo ou grupo com relação ao(s) outro(s) requer, portanto, examinar a origem do discurso proferido, seu conteúdo, as ferramentas utilizadas em seu processo de difusão e os interesses por trás da estigmatização, a partir da análise dos ganhos potenciais do agente difusor do estigma.
O termo estigma, de origem grega, referiu-se inicialmente aos sinais visuais corporais com os quais se procurava evidenciar algo de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem apresentava determinada característica. Goffman (1963) explica que ele também é aplicado para associar culturas, religiões, conhecimentos tradicionais ou outras ideias a desastres ou condições desfavoráveis de determinadas sociedades, extrapolando a associação do estigma apenas com a aparência corporal. No caso do Haiti, como se verá, os estigmas envolvem muitos aspectos, mas o debate do artigo estará mais concentrado na questão racial, pois é aquela que mais tem recebido a atenção de autores que se debruçam sobre o conceito.
Achille Mbembe (2014, p. 11), por exemplo, afirma que, ao reduzir o corpo e o ser vivo a uma questão de aparência, de pele ou de cor, euro-americanos fizeram do negro e da raça duas versões de uma única figura, a da loucura codificada. Aníbal Quijano (2005, p. 117), indo além, afirma que tais associações geram padrões de poder que, ao nível internacional, passam a construir classificações sociais da população mundial de acordo com a ideia de raça.
Durante vários séculos, o conceito de raça, advindo da esfera animal, foi utilizado pelos colonizadores para nomear as humanidades não europeias (Mbembe, 2014, p. 39). Na ordem colonial, a distinção de raça permitiu classificar os seres humanos em categorias supostamente dotadas de características físicas e mentais específicas (Mbembe, 2014, p. 105; Anievas et al., 2015). A partir daí, o mito da superioridade racial dos brancos ocidentais foi desenvolvido, facilitando que o rol de costumes desenvolvidos no Ocidente, como os rituais diplomáticos, as leis da guerra, os direitos de conquista e as técnicas do comércio e da religião, entre outros (Mbembe, 2014, pp. 27-28), fossem tidos como naturais e internacionalizados, processo que se deu com base na força e a partir de estigmas.
Segundo Quijano (2005, p. 117), toda a ordem colonial foi embasada na criação de, ao menos, duas ideias que geraram consequências materiais profundas: a) a codificação das diferenças fenotípicas entre conquistadores e conquistados na ideia de raça, ou seja, uma suposta estrutura biológica distinta que inferiorizava os conquistados; e b) a articulação de todas as formas históricas de controle do trabalho, de seus recursos e de seus produtos, em torno do capital e do mercado mundial. Ambos os elementos, raça e divisão do trabalho, naturalizaram diferentes funções socioeconômicas, criando dicotomias entre brancos e negros, colonizadores e colonizados, desenvolvidos e subdesenvolvidos, por exemplo.
Barth (1969, p. 27) destaca que a estratificação se baseia em uma noção de escalas e no reconhecimento de um nível centrado no que o autor chama de Ego, que valoriza as “pessoas que são como nós”. Assim, na divisão racial do trabalho, coube aos não brancos a escravidão, a servidão e a impossibilidade de receber salários ou de produção independente.
Para além da era colonial, o sistema capitalista continuou a reforçar as diferenças raciais (Quijano, 2005; Seguy, 2009) com base na criação e na constante reprodução de estigmas. O argumento da diferença de capacidade funcional entre as raças e culturas é tautológico, pois parte da superioridade de um grupo simplesmente porque ele tem as características que tem. Mesmo assim, essa lógica irá se impor por toda a modernidade (Dussel, 2009; Seguy, 2009). Como se verá abaixo, essa lógica da estigmatização marca, de forma muito especial e profunda, a história do povo haitiano. Ainda hoje, o reforço de estigmas é utilizado para legitimar a presença estrangeira naquele país.
A percepção de que determinadas características podem ser vistas como típicas de uma determinada cultura somente é possível se os valores e comportamentos daquela localidade forem comparados com os de outras. Porém, quando tais comparações são realizadas entre sociedades europeias e do Sul Global, parte-se de dinâmicas excludentes. Segundo Oyěwùmí (2002), enquanto tradicionalmente os indivíduos europeus são retratados como racionais, todos os “diferentes” são tidos como seres dominados pelos instintos.
O negro haitiano é um caso típico porque é percebido como “outro diferente” em grande parte do mundo. A sociedade é amplamente formada pela combinação de diferentes culturas dos pretos que foram trazidos de várias regiões da África. Essas populações se miscigenaram no Haiti e criaram uma cultura própria a partir da combinação de suas experiências anteriores, o que gerou, inclusive, um idioma próprio, o creóle.
Trouillot (2020) reforça a ideia de que o Haiti é um país singular, diferente e especial e que, por isso, é vítima de pesados preconceitos provenientes do exterior, ao mesmo tempo em que sustenta um orgulho nacional. Essa singularidade, denominada de “excepcionalismo haitiano”, é resultado de uma sociedade que promoveu uma revolução histórica e bem-sucedida, mas que é vista a partir de ideias preconcebidas e colonialistas que a depreciam (Neiburg, 2019). Tal combinação peculiar acaba por influenciar, para o bem e para o mal, decisões políticas internacionais sobre o país (Trouillot, 2020) e até a forma como sua sociedade é estudada.
Em grande medida, a cultura do Haiti é avaliada a partir de padrões do dominante, que entende o país como tão diverso de todos os demais que seriam legítimas as intervenções para normalizá-lo. Essa concepção pejorativa da excepcionalidade haitiana, porém, omite que grande parte das mazelas do país é decorrente dos efeitos nefastos da imposição pela força da racionalidade ocidental (Santiago, 2022, p. 20). Esse processo, ao longo dos anos, foi também corroborado por diversos escritores que usam o excepcionalismo para justificar a necessidade de intervenções no país. A lógica é perversa, pois “quanto mais o Haiti parecer estranho, mais fácil será esquecer que ele representa o mais longo experimento neocolonial da história do Ocidente” (Trouillot, 2020, p. 4).
Há, porém, um outro lado da moeda. Se, de fato, o Haiti é excepcional, os haitianos deveriam ter a oportunidade de construir instituições e um governo sob medida, concebidos por eles e não por determinações estrangeiras. Quando isso foi tentado a partir de uma revolução impensável (James, 2000) os haitianos foram silenciados, reconsiderados e empurrados para dentro de narrativas que fizessem mais sentido para os observadores e leitores ocidentais (Trouillot, 2016, p. 160). Assim, foram relegados também ao segundo plano da história os três temas com os quais a revolução estava relacionada: racismo, escravidão e colonialismo.
Feitas essas observações gerais, é necessário entender dois processos mais especificamente. Primeiro, como a estigmatização da revolução haitiana contribuiu para invisibilizar um evento que poderia ter desencadeado outras revoluções semelhantes no continente. Segundo, de que modo estigmas continuam contribuindo para legitimar intervenções estrangeiras no Haiti.
A Revolução Haitiana (1791-1804), quando não silenciada, foi tratada como “revolta”, “rebelião” ou “insurreição” (Trouillot, 2016, pp. 164, 174). Declarações oficiais racistas provenientes da maior potência do continente podem ser encontradas, por exemplo, desde o terceiro Presidente dos Estados Unidos. Thomas Jefferson, conhecido pela promoção dos ideais revolucionários republicanos, solicitou que o Congresso dos EUA suspendesse o comércio com o Haiti logo após a revolução, afirmando que os haitianos eram “canibais” e que “se algo não for feito, e feito logo, nós seremos os assassinos de nossas próprias crianças” (Dandicat, 2004). De acordo com Reynolds e Kendi (2020, p. 63), as brutais afirmações e as contradições ideológicas de Jefferson podem ser relacionadas com o fato de que ele era proprietário de pessoas escravizadas e, portanto, sentia-se ameaçado pela revolução antiescravista no Haiti.
Trata-se do primeiro país, em todo o continente americano, a fazer uma revolução verdadeiramente popular, que preconizava a independência, a abolição da escravatura, o confisco de terras e a expulsão dos colonizadores europeus (Mbembe, 2014). A Revolução Haitiana, pelo que representou, espalhou medo entre os proprietários de pessoas escravizadas de todo o continente.
Uma das formas de minimizar a possibilidade de que suas ideias se espalhassem foi constantemente estigmatizar o Haiti, concebendo seu povo como inferiorizado e desumanizado (James, 2000; Trouillot, 2016; Seguy, 2009). Eduardo Galeano (2011), indo além, afirma que a revolução fez a Europa se sentir humilhada e que o Haiti “continua ainda a expiar o pecado da sua dignidade”.1 O país, por um século e meio, “pagou à França uma indenização gigantesca por ser culpado da sua liberdade, mas nem isso chegou. Aquela insolência negra continua a ferir os amos brancos do mundo” (Galeano, 2011).
A Revolução Haitiana foi, de fato, um episódio heroico, em que os haitianos escravizados derrotaram o exército poderoso de homens brancos de Napoleão Bonaparte (James, 2000; Seguy, 2009). Para Mbembe (2014, p. 36), essa revolução ousou mais que a Americana, porque a nova Constituição do Haiti não pretendia somente abolir a escravidão, mas autorizava o confisco de terras dos colonizadores franceses, abolia a distinção entre nascimentos legítimos e ilegítimos e defendia a igualdade racial e a liberdade universal.
Em termos gerais, o evento foi consequência da apropriação dos ideais de liberdade, dignidade, justiça e igualdade que o próprio colonizador criara, embora a teoria política não vislumbrasse qualquer aplicação desses valores para as pessoas pretas escravizadas. A invisibilização (Trouillot, 2016) e a “demonização” da cultura africana e de seus valores religiosos (Galeano, 1996) foram proporcionais à preocupação que o evento causou nos europeus e estadunidenses.
Para além da revolução haitiana, o processo de construção de estigmas continua contribuindo para legitimar intervenções estrangeiras no Haiti. A invisibilização e a demonização reaparecem em todos os momentos em que os EUA intervieram no país (Seguy, 2009). Muitas desses intervenções são narradas por Andrade (2016), que descreve que, durante a ocupação militar que ocorreu a partir de 1914, cartas e reportagens recolhidas dos militares brancos dos EUA apresentam o povo haitiano com termos muito pejorativos: porcos, macacos, animais sem cérebro, selvagens, irracionais, imaturos e irresponsáveis como crianças, fisicamente pequenos e famintos (Andrade, 2016, p. 183-184). Para além dos militares, atores políticos também são extremamente preconceituosos, Andrade (2016, p. 184) menciona especificamente dois Secretários de Estado dos EUA que deram declarações racistas e que se referiam a suposta incapacidade de os haitianos formarem bons governos.
Galeano (2011) relata que, na atualidade, a estigmatização também se aplica à religião haitiana. A passagem da fronteira entre a República Dominicana e o Haiti foi chamada de “mau passo”, termo associado com o “mundo negro”, da “magia negra” e da “bruxaria”. Desde as primeiras intervenções armadas no país, foi desencadeada uma campanha contra a popular tradição/religião vodu, tendo sido confiscados instrumentos musicais, locais de cerimônias e objetos sagrados, bem como aprisionados sacerdotes (Andrade, 2016, p. 182-183). Até hoje, as crenças que as pessoas escravizadas trouxeram da África são vistas com preconceito (Hebblethwaite, 2015). No olhar dos donos da civilização, o vodu é “coisa de pretos”, ignorância, atraso e superstição pura (Galeano, 2011).
Fanon (2001, pp. 32-34) aprofunda as explicações sobre esse processo de estigmatização e invisibilização do que provém do Haiti. O autor afirma que existe uma contradição elementar entre colonizadores e colonizados, pois suas ações são baseadas em visões de mundo alternativas. Os negros vivem no mundo dos brancos de forma absolutamente contraditória, condição inerente ao próprio imaginário e não necessariamente na presença ou ausência de brancos em países negros ou vice-versa. Categorias racistas e colonialistas continuam a ordenar as experiências pós-coloniais.
Em resumo, os estigmas criados sobre o país são, ao longo da história haitiana, instrumentos relevantes para legitimar a constante interferência estrangeira no país caribenho. Todas as intervenções políticas realizadas no Haiti foram baseadas em uma justificativa racista: os haitianos são incapazes de se governar e conservar a civilização deixada pelos franceses, especialmente por serem negros (Galeano, 1996; Schuller, 2012; Beckett, 2014; James, 2010).
A partir de concepções diferentes, mas igualmente excludentes, as intervenções estrangeiras continuam alijando a sociedade haitiana das decisões sobre sua própria existência. Nas últimas décadas, não mais a raça ou a religião, mas os altos índices de violência e a instabilidade interna do Haiti foram alegados como ameaça para a segurança internacional e motivo para a ONU empreender operações de paz no país. O pretexto da excepcionalidade foi substituído pelo pretexto da insegurança, mas a busca pela paz continua sendo utilizada para silenciar as perspectivas haitianas (Santiago, 2022, pp. 100-121).
O conceito de segurança empregado pelas grandes potências para o Haiti é construído a partir de premissas tradicionais, que ignoram a grande ampliação do termo que vem se desenvolvendo na academia (Malik, 2015). Há, na atualidade, muitos analistas que consideram essencial que processos de paz valorizem perspectivas locais (Macginty e Firchow, 2016) e que deem maior ênfase às questões como gênero e raça (Howell e Richter-Montpetit, 2020; Sylvester, 2010). Ao optarem por desconsiderar os interesses dos negros haitianos, potências estrangeiras, em nome da ONU, impõem a eles, mais uma vez, formulações coloniais.
Por não considerarem a mencionada ampliação do debate de segurança, os esforços internacionais para impor a estabilidade no Haiti estão inseridos no contexto do “problema do negro” (Silva, 2021, pp. 68-69). Como já afirmado, a noção de raça é uma produção discursiva, uma ficção portadora de estatuto de verdade, que tem como objetivo culpabilizar as pessoas negras pelas condições adversas de vida que lhe foram historicamente impostas. Guerra (2018, p. 16), por exemplo, denuncia a lógica inerente às operações de paz contemporâneas, atravessada por uma “linha de cor global”, em que o racismo está presente em categorias centrais da narrativa internacional para resolução de conflitos e construção da paz em Estados supostamente falidos.
As Operações de Paz sempre são revestidas pelo discurso civilizador ocidental e pela ideologia do desenvolvimento (Seguy, 2009), mas sua contínua imposição, no caso haitiano, traz repercussões negativas para a soberania do país. Nos últimos 30 anos, foram realizadas 5 Operações da ONU no Haiti.2 Em 2023, foi autorizada mais uma intervenção no Haiti pela ONU por meio da Missão Multinacional de Apoio à Segurança no Haiti (MSS), que conta com o apoio do Brasil. Desde sua aprovação, em meados de 2023, a MSS ainda não foi instalada, pois o Quênia, que centralizaria o envio de policiais, passa por um intenso debate sobre o tema (Marra, 2024). O Brasil estaria disposto a treinar policiais daquele país, o que pode gerar um aprofundamento dos estigmas. O fato é que, mesmo após diversas missões de intervenção estrangeira no país, a situação do Haiti continua grave, o que indica que o modelo que vem sendo adotado ao longo de décadas não tem funcionado.
Esse intervencionismo constante impede que países receptores possam ser caracterizados como Estados-nação modernos (Oyěwùmí, 2002), pois não podem ser considerados independentes e com uma sociedade livre para participar dos processos políticos. O Haiti é um dos poucos exemplos de um país que passou, em um curto espaço de tempo, por uma descolonização real. Essa descolonização, porém, foi derrotada pelas repetidas intervenções que historicamente foram impostas pelos EUA (Quijano, 2005, p. 134). Melo Rosa (2006, p. 18) destaca que existem dois processos distintos de emancipação colonial: um que luta para expulsar os colonizadores e outro que busca reestruturar a nação descolonizada rumo a um modelo societário de negação do racismo e do colonialismo. A primeira etapa foi realizada com grande sucesso no Haiti, mas a segunda está distante, o que decorre também da estigmatização.
Não bastassem todos os problemas enfrentados pelo país, potencializados por intervenções externas constantes, isolamento, embargo e abandono mundial, o Haiti é propenso a terremotos. O último grande abalo, em 2021, vitimou 2.189 pessoas, deixando 12 mil feridos e 32 desaparecidos, além de centenas de desabrigados. Em 2010, o país já havia ocupado a mídia internacional por seu pior terremoto, que deixou 300 mil mortos, centenas de milhares de feridos e mais de 1,5 milhão de desabrigados3. Tais tragédias, por vezes, também são utilizadas para reforçar estigmas quando são conectadas à ideia de castigo divino. Seitenfus (2015, p. 73) relata que esses estigmas já foram usados no Brasil, em especial quando George Samuel Antoine, apesar de ser à época Cônsul haitiano em São Paulo, culpou o vodu pelo terremoto em declaração dada ainda em 2010. Outro exemplo foi o posicionamento, também logo após o terremoto, do comentarista Arnaldo Jabor, que, em rede nacional, questionou: “como democratizar um país miserável, analfabeto, com raízes tribais africanas bárbaras dominado por ditaduras corruptas que tiraram tudo do país?” (Jabor, 2010).
A estigmatização é uma prática recorrente quando há problemas sociais e crises humanitárias envolvendo populações negras: o descaso e a criminalização surgem como respostas automáticas (Murdocca, 2020). No Haiti, mais especificamente, a prestação de auxílio humanitário teve como condição o aceite à imposição de mais segurança militarizada no país, o que ampliou o medo das populações locais (Mullings et al, 2010, pp. 283-285).
Para Seitenfus (2015, pp. 65-66), todos os supostos parceiros de missões no Haiti buscam alcançar um único objetivo: congelar o poder e transformar os haitianos em prisioneiros na própria ilha, evitando a fuga dos balseiros (ou boat people) para outros países. Segundo o autor, cinco dimensões embasam a estratégia de reação do ocidente colonialista e racista a cada crise severa no Haiti:
(1) estabelecer um cordão sanitário impedindo ao Haiti estabelecer e manter contatos internacionais; (2) enfraquecer o Estado haitiano, tornando o país ingovernável; (3) criar condições culturais e psicológicas no Ocidente fazendo com que tudo que venha do Haiti seja percebido como um mal em si; (4) perceber o Haiti como uma sociedade que ameaça os fundamentos das relações internacionais; (5) alimentar um pavor temeroso e covarde frente ao Haiti. (Seitenfus, 2015, pp. 65-66 – grifos nossos)
O conceito de estigma pode ser diretamente associado com a 3ª, a 4ª e a 5ª estratégias referidas pelo Seitenfus. Em grande medida, essas estratégias de silenciamento e distanciamento têm relação com a própria experiência histórica do Haiti e, portanto, o conceito de estigmatização tem importância fundamental para a compreensão do que tem ocorrido no país desde sua origem. Trataremos, a partir de agora, das consequências do processo de estigmatização dos haitianos para a percepção dos brasileiros sobre eles, de modo a possibilitar o exame de como a decisão de liderar a MINUSTAH foi fortemente influenciada pelos estigmas historicamente desenvolvidos sobre o Haiti.
Em 2004, segundo ano do primeiro governo de Lula Da Silva, e em meio a discursos de que o Brasil construía uma política externa “ativa e altiva”, com foco na cooperação sul-sul (Amorim, 2015), o país decidiu oferecer, ao Secretário Geral da ONU, as tropas brasileiras para comandar a recém aprovada Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH). A decisão foi justificada, em grande medida, por dois conjuntos de estigmas. O primeiro foi a internalização dos estigmas negativos construídos historicamente sobre a população haitiana e a sua incapacidade de se autogovernar. O segundo foi um estigma positivo sobre o militar brasileiro.
Antes de tratar dos estigmas, porém, observamos que o debate sobre o envio de tropas no Congresso Nacional, que daria a palavra final sobre o tema, parece ter sido uma mera formalidade. Vários parlamentares denunciaram que o debate não tratou das possíveis repercussões que tal decisão traria e o que ela significava. Essa percepção se associava ao fato de que a consulta somente ocorreu depois de o Presidente já ter oferecido as tropas à ONU, o que ficou claro na própria Exposição de Motivos Interministerial n° 121/2004 MRE/MD, enviada a Lula e assinada pelos ministros das Relações Exteriores, Celso Amorim, e da Defesa, José Viegas:
Conforme instruções de Vossa Excelência, o Secretariado das Nações Unidas foi informado de que o Brasil estaria disposto a participar com contingente de 1200 militares, o que nos tomaria o maior contribuinte da operação e asseguraria o comando da Minustah para o Brasil. (Brasil, 2004, p. 21935)
Além disso, o debate no Congresso que tratou da Mensagem Presidencial n° 205/2004, que encaminhou a EMI n° 121/2004 MRE/MD ao Legislativo, foi precedido pela mobilização de tropas. Quando os congressistas iniciaram os trabalhos, os militares brasileiros que iriam para o Haiti já tinham se despedido de suas famílias, deixado o Rio Grande do Sul utilizando capacetes azuis e muitos blindados já haviam sido pintados de branco. Toda a movimentação foi transmitida por canais de televisão com o intuito de pressionar o Legislativo. Por fim, outro aspecto reduziu a profundidade do debate sobre o tema: a partir de um acordo dos líderes dos partidos, a votação sobre o envio de tropas ao Haiti foi fechada, o que diminuiu a pressão sobre quem aprovasse uma medida intervencionista do Brasil.
Os problemas de forma talvez tenham contribuído para o elevado nível de discordâncias em torno do tema, como se pode observar pela transcrição da sessão extraordinária da Câmara dos Deputados em que a Mensagem Presidencial foi discutida (DETAQ, 2004, pp. 711-783). Houve, inclusive, pareceres contrapostos: da Comissão de Relações Internacionais e Defesa Nacional (contrário) e da Comissão de Constituição e Justiça (favorável). Uma análise esclarecedora sobre os posicionamentos divergentes foi realizada por Okado (2017), que afirma que a participação na MINUSTAH foi aprovada por 69,1% dos Deputados, enquanto 30,6% foram contrários (Okado, 2017, p. 96).
Como a votação foi secreta, só é possível conhecer as posições favoráveis e contrárias à MINUSTAH que foram declaradas em discursos no plenário, o que foi realizado por somente 18 deputados. Durante a sessão, 11 deputados se posicionaram contra o envio de tropas: Chico Alencar (PT/RJ), Fernando Gabeira (sem partido/RJ), Antonio Cambraia (PSDB-CE), Sr. Babá (sem partido/PA), Roberto Freire (PPS/PE), Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), José Carlos Aleluia (PFL/BA), Ivan Valente (PT/SP), Luciana Genro (sem partido/RS), José Thomaz Nonô (PFL/BA) e Paulo Afonso (PMDB/SC).
Em sua fala, o Deputado José Thomaz Nonô (PFL/BA) apontou que, de favorável, a Operação traria o adestramento das tropas e o contato com outras nações, enquanto os gastos estariam entre os principais problemas. Afirmou, ainda, que “o único argumento realmente ponderável” para o envio seria “colocar mais uma perna na cadeira de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU” (DETAQ, 2004, p. 714). Houve o uso de estigmas, inclusive, entre os que foram contra a decisão: em seu discurso, o Deputado Ivan Valente (PT/SP) argumentou que “existe um caos político-institucional no Haiti, cujo maior responsável são as forças norte-americanas. E mais do que isso, não há interlocutores na sociedade civil, nem partidos políticos, tampouco movimento organizado. Sabe-se como entrar, mas não se sabe como sair” (DETAQ, 2004, p. 781). O Deputado Chico Alencar (PT/RJ) foi mais equilibrado, mas ainda assim contundente, ao afirmar que o Congresso teria de acompanhar o desenrolar dos fatos de perto para entender se a MINUSTAH atenderia aos interesses dos haitianos ou se seria “mais uma peça no jogo hegemonista do Império americano” (DETAQ, 2004, p. 598). De fato, a preocupação com a falta de consulta à população haitiana era visível entre os deputados contrários à MINUSTAH, como fica claro na manifestação do Dep. Ivan Valente (DETAQ, 2004, p. 565), que afirmou: “não temos nenhuma segurança de que as forças em conflito e o povo haitiano nos considerarão rigorosamente de paz. Não é hora para o envio de tropas”.
Diversos congressistas que foram contra a participação apontaram que o Brasil estaria cedendo aos desmandos imperialistas dos EUA, que objetivava consolidar o novo regime proveniente do golpe recém dado contra Jean-Baptiste Aristide. Entre tais deputados, podemos mencionar Fernando Gabeira, Roberto Freire, Tarso Genro e Paulo Afonso (DETAQ, 2004, pp. 718-752). Como o golpe havia tido o apoio estadunidense, o Brasil estaria assumindo postura intervencionista que contrariava a tradição diplomática. Deputados contrários à missão, como Luiz Carlos Hauly (DETAQ, 2004, p. 735), alertavam que a utilização das Forças Armadas brasileiras para realizar segurança pública no Haiti abriria um grave precedente para que o mesmo ocorresse no Brasil. Isso de fato ocorreu, principalmente a partir dos governos Temer e Bolsonaro (AFP, 2021).
Em termos gerais, as falas mais estigmatizadas sobre o Haiti vieram dos deputados que se manifestaram favoravelmente à Operação, que foram 7. Entre eles, estavam os Deputados Jair Bolsonaro (PTB/RJ), Beto Albuquerque (PSB-RS), Arlindo Chinaglia (PT-SP) e Renildo Calheiros (PCdoB/PE). Chama a atenção, por exemplo, a manifestação do Deputado Eduardo Valverde (PT/RO), pois carregada de estigmas ao afirmar que as Forças Armadas estariam contribuindo “com as Nações Unidas para promover a paz em país conturbado, miserável, secularmente governado por ditaduras” (DETAQ, 2004, p. 726). Um ponto em comum entre todas as manifestações favoráveis ao envio de tropas ao Haiti é que elas utilizavam estigmas negativos como pressuposto analítico, mas tinham os interesses nacionais brasileiros como principal justificativa para a aprovação do envio de tropas. Entre os argumentos apontados pelos parlamentares para justificar a decisão, estava a entrada do Brasil como membro permanente no Conselho de Segurança, utilizado por Beto Albuquerque e Eduardo Valverde (DETAQ, 2024, pp. 715 e 725). Além desse, também houve o argumento de que a MINUSTAH propiciaria o aprimoramento das Forças Armadas e o aumento dos salários dos militares, como afirmou Jair Bolsonaro (DETAQ, 2004, p. 733). Nenhuma das manifestações declaradas de apoio ao envio de tropas mencionou a necessidade de verificar o interesse da população haitiana. É interessante observar, desse modo, que os únicos parlamentares que apontaram preocupações com a população haitiana foram aqueles que se manifestaram contrariamente ao envio de tropas.
Todo o debate transcrito acima foi realizado em um dia muito simbólico, o dia 13 de maio, data que marca a assinatura da Lei Áurea. No mesmo dia em que o Brasil, ao menos legalmente, encerrou a escravidão como regime de trabalho, nossos legisladores aprovaram, com base na utilização de estigmas, uma missão de intervenção militar que utilizaria a força em um país negro e que havia sido pensada e decidida pelos países do norte global escravocrata, sem consulta à população local. Importante mencionar, ainda, que o Brasil aboliu a escravidão somente em 1888, ou seja, 84 anos após a independência Haitiana, o que também demonstra quão pioneira foi a revolução.
Tendo sido aprovado o envio de tropas ao Haiti, e na medida em que os militares brasileiros se inseriam no cotidiano do país, ficou claro que eles também tinham visões extremamente estigmatizadas da população local, como demonstra a seguinte manifestação do primeiro comandante militar da MINUSTAH, o General Augusto Heleno:
A capital tem 2,5 milhões de habitantes, mas além dos problemas de segurança em Cité Soleil, Telé, Rota Nacional, problemas de sequestro, que nós não podemos negar, aqui tem um problema de neurose da população haitiana em relação à segurança. Além das forças de segurança teríamos que ter forças psicológicas pra trabalhar com a população do Haiti e mostrar que uma cidade com 2,5 milhões de habitantes não vai jamais ter uma segurança perfeita. Nenhuma capital do mundo tem uma segurança perfeita. (Heleno em Baccocina, 2005a)
Se hoje conhecemos melhor o histórico de manifestações estigmatizadas, racistas e discriminatórias desse General, o haitiano já sofreu, ao longo dos primeiros anos de MINUSTAH, o efeito negativo do empoderamento político daquele militar.
O desconhecimento de nossos militares sobre a realidade haitiana era tanto que um dos principais responsáveis pela preparação dos militares da Marinha do Brasil para a MINUSTAH, menciona que, ao ingressarem no Haiti, “nossas tropas não tinham pleno conhecimento das armas menos letais, nem o conhecimento do idioma, costumes, e religião do Haiti” (Barbosa Junior, 2019, p. 79).
Castro e Marques (2019) retratam a visão homogênea e estigmatizada dos generais brasileiros que comandaram a MINUSTAH durante os 13 anos de Missão. Para os autores, a similitude de percepção entre os Generais sobre o Haiti provinha de três fatores principais. Primeiramente, por pertencerem a uma mesma geração de militares, tanto em termos etários quanto de experiências profissionais anteriores (Castro e Marques, 2019, p. 10). Em segundo, por não terem se familiarizado com as especificidades do país, como afirma o próprio General Heleno:
eu não era expert [...] cada área daquelas da ONU foi me passando as informações que eles queriam e mais um monte de livros. Se eu tivesse lido os livros que eu recebi nesse roteiro que eu fiz lá, eu estava até hoje, eu não teria assumido a missão. Eu guardei tudo, uma boa parte eu larguei no hotel. (Castro e Marques, 2019, p. 19)
Terceiro, pela crença na existência de um “jeito” especial e harmonioso de o brasileiro fazer Operações de Paz, com um suposto componente emotivo, de flexibilidade ou de “jogo de cintura” (Castro e Marques, 2019, p. 11). Este último ponto será desenvolvido mais abaixo.
Em verdade, o aparato militar não possuía instrumento para solucionar a insegurança da população haitiana, já que os riscos para sua sobrevivência estavam mais relacionados com a fome, as más condições sanitárias e a ausência de perspectivas socioeconômicas. Combater as gangues de criminosos era uma tarefa importante, mas insuficiente para transformar as condições locais. Até hoje, a mesma precariedade continua a ser observada no Haiti, um país empobrecido pela dominação internacional (Maissonnave, 2021; Santiago, 2022).
Para além dos estigmas negativos com relação à população haitiana, os debates sobre o comando da MINUSTAH foram marcados pela construção de um estigma positivo sobre o militar brasileiro. Maíra Gomes (2014) demonstra como as Forças Armadas brasileiras procuraram, ao longo de sua história, construir a imagem de pacificadores, de que nossos militares teriam perfil compreensivo, descolado do perfil violento da sociedade brasileira.
Alguns autores, como Aguilar (2008), que tratam do desempenho brasileiro em Operações de Paz e corroboram com a crença, chegam a defender, sem qualquer embasamento empírico, que o peacekeeper brasileiro atua com base no profissionalismo, na horizontalidade, na confiança e na imparcialidade, entre outros elogios. Essas análises acabam por reforçar visões de alguns diplomatas brasileiros de que o país pautaria suas atuações nesses ambientes por princípios como a solidariedade, a cooperação centrada nas demandas, a não condicionalidade e a não interferência (Abdenur e Call, 2017). Essas visões geraram o conceito conhecido como Brazilian Way of Peacekeeping, que se tornou instrumento de propaganda das próprias Forças Armadas. O termo é associado, em alguns artigos, ao aspecto cordial do brasileiro, desenvolvido por Sérgio Buarque de Holanda e que é mal interpretado por militares brasileiros que mencionam a ideia de “combatente cordial” (ver Ferreira, 2019, p. 218). Em outros trabalhos, a associação é com a miscigenação da sociedade brasileira (Oliveira, 2020). O estigma do militar bondoso fica claro em diversas passagens no texto do Coronel Oliveira, mas em poucas se torna tão evidente como na seguinte: “a hospitalidade, a solidariedade e a bondade genuína, enquanto características do povo brasileiro, [...] são transferidos, em certa medida, para o emprego das tropas brasileiras nas Operações de Manutenção da Paz da Organização das Nações Unidas” (Oliveira, 2020).
Esses estigmas são claramente desconectados da realidade. Autores como Alsina Jr. (2017) e Cazumba (2022) fazem críticas muito contundentes a essa visão idealizada do militar brasileiro. Para Cazumba (2022, pp. 88-95), há três agrupamentos de estudos que defendem a tese do Brazilian Way of Peacekeeping, sendo que o primeiro enfatiza características dos militares brasileiros como cordiais e pacíficos, o segundo argumenta pela lógica de que o Brasil é o país do poder brando e da cultura da paz e o terceiro relaciona a tese com o fato de que os peacekeepers brasileiros sabem realizar concomitantemente, a partir de experiências no próprio país, operações militares e humanitárias.
O então deputado Jair Bolsonaro também utilizou esse estigma para defender a MINUSTAH. Em seu discurso no Plenário, ele chegou a afirmar que:
o Exército sempre respeitou os povos e os exércitos contra os quais combateu como, por exemplo, na 2ª Guerra, o bravo e destemido soldado alemão, que preferia se entregar ao militar brasileiro, porque sabia que iria ser tratado com dignidade e respeito e nenhuma convenção ou tratado seria desrespeitado. (DETAQ, 2004, p. 732)
Para além de a hipótese não ter qualquer fundamento empírico e ser difícil de acreditar que os militares provenientes de um dos países mais violentos do mundo seriam excepcionalmente pacíficos, o próprio General Augusto Heleno Pereira já afirmou que o militar brasileiro, em diversas operações, só respeita as regras quando isso lhe é imposto. Ao se referir sobre a MINUSTAH, mais especificamente, ele menciona que:
Havia uma séria discordância em relação a esse emprego da força, e algumas vezes tive de ser duro para que os limites por mim impostos para tal emprego não fossem ultrapassados, até porque sabia que nós estávamos sendo observados; não só o contingente brasileiro, mas principalmente todos os contingentes sul-americanos, cujos países possuíam histórico, na maioria dos casos, de regimes militares de exceção e, também por isso, estavam sendo acompanhados seriamente pela imprensa e pela opinião pública mundial no que tange ao emprego de violência. (Pereira, 2019, p. 82)
Como se vê, há entre os próprios militares relatos contraditórios acerca de seu profissionalismo e de seu preparo para atuar no Haiti. Além disso, apesar dessa tentativa constante de construir o estigma positivo de que os militares são brasileiros especiais e desconectados do perfil violento da sociedade, há diversos relatos de abusos e massacres cometidos pelos militares do Brasil no Haiti (Lee e Bartels, 2020; Patrick, 2017; Baccocina, 2005b; Fernandes, 2019).
Os estigmas foram instrumentos importantes para que o Governo brasileiro construísse o discurso que legitimou a decisão de assumir o comando da MINUSTAH. Além disso, foram utilizados para minimizar o debate interno sobre o tema, que girou somente em torno dos interesses nacionais e invisibilizou a história do Haiti e as necessidades da população haitiana. O estigma histórico de que os haitianos não eram capazes de se auto gestar e o estigma do militar brasileiro como pacificador e cordial serviram como pressuposto para que o comando da MINUSTAH fosse vendido como uma decisão natural, levando somente alguns poucos legisladores a protestar contra os argumentos apresentados pelo Poder Executivo. A sociedade brasileira ficou ausente do debate.
Após anos de pouco debate na imprensa sobre a MINUSTAH, em 2010 a Operação voltou a dominar as manchetes e o interesse do público. O grande fluxo migratório de haitianos iniciado naquele ano reacendeu o debate interno sobre o acolhimento de migrantes (Cavalcanti et al, 2017; Diehl, 2016; Joseph, 2017; Joseph e Joseph, 2015; Mamed, 2017; Bersani e Joseph, 2017). Com o aumento da migração, os estigmas negativos voltaram com força, com “manifestações de seguimentos da opinião pública embebidas de xenofobia e racismo” (Sant’ana, 2022, p. 90). Tratou-se do maior fluxo migratório de haitianos ao nosso país, que se deu em razão da insegurança pública, política, socioeconômica, alimentícia, educacional, entre outros problemas agravados pelo já mencionado terremoto ocorrido em 12 de janeiro de 2010 e que fez centenas de milhares de vítimas (Joseph, 2017; Bersani e Joseph, 2017). O terremoto é essencial para entender porque o fluxo migratório se deu naquele momento, sendo sua causa direta. A decisão de comandar a MINUSTAH e a forte presença de brasileiros no Haiti, porém, é peça chave para explicar por que o Brasil foi um destino tão relevante para os haitianos.
A visão no Brasil de que imigrantes de países periféricos são uma ameaça já era manifestada muito antes e em diferentes dispositivos legais, tendo sido somente agravada a partir do aumento repentino do fluxo a partir de 2010. O Estatuto do Estrangeiro, de 1980, estava calcado no conceito de segurança nacional do regime militar. A legislação consolidava a visão de que “elementos ´alienígenas´ carregariam o potencial de perigo ao regime” (Sprandel, 2015, p. 147).
Até 2010, apenas 306 haitianos eram considerados imigrantes no Brasil, mas no final de 2015, esse número passou para 81 mil (Cavalcanti et al., 2017, p. 51). O fenômeno ocorreu em um ambiente já historicamente hostil, mas a chegada dos haitianos foi especialmente difícil porque ocorreu quando grupos de extrema direita ascendiam politicamente, trazendo consigo xenofobia e preconceitos raciais.
O fluxo gerou reações negativas na população brasileira e vários casos de preconceitos contra os imigrantes haitianos emergiram (Rocha, 2021; O Joio e o Trigo, 2021; Jornal Hoje, 2014). Segundo Paulo Sant’Ana (2022, pp. 90-91), chefe da Divisão de Imigração do Itamaraty na época, atores da política brasileira “chegaram a dar declarações de que, ao receber haitianos e nacionais de países da África e do Oriente Médio, o Brasil se estaria abrindo à ‘escória do mundo”. De fato, a imagem positiva do Brasil como país de acolhimento em uma sociedade multirracial nunca traduziu a realidade. A análise das histórias de estrangeiros de países periféricos que migram ao país revela uma história diferente, pois os imigrantes continuam vistos como risco (Sant’ana, 2022, p. 74).
Para os haitianos que necessitaram fixar residência e procurar emprego no Brasil, a receptividade foi e ainda é condicionada a trabalhos não ocupados por brasileiros e até por outras nacionalidades. A concentração maior de haitianos se encontra em São Paulo e região sul. Eles estão empregados, sobretudo, em atividades da construção civil, frigoríficos, restaurantes e limpeza (Sant’ana, 2022, p. 93). Em que pese muitas vezes não estarem inseridos no mercado de trabalho formal brasileiro, dados apontam que, a partir de 2013, os nacionais do Haiti passaram a ocupar o primeiro lugar entre as nacionalidades com registro de trabalho e, em 2016, 25.782 haitianos possuíam autorização de trabalho concedida pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg) ou pela Coordenação-Geral de Imigração (CGIg), ambos vinculados ao Ministério do Trabalho (Cavalcanti et al, 2017, pp. 38, 80). Entretanto, pesquisas revelam que a população haitiana foi alocada em serviços com condições de trabalho insalubres e perigosas (Joseph e Joseph, 2015; Mamed, 2017).
A realidade permite verificar preconceitos de gênero, raça e nacionalidade. A nova condição do haitiano migrante no Brasil traz à tona questões que são abordadas por Handerson Joseph e Rose-Myrlie Joseph (2015), como a diminuição do status social, profissional e moral dos migrantes (que acabam não trabalhando nas suas áreas de estudo ou onde almejavam). No Brasil, o migrante haitiano passou a se perceber como negro em um país majoritariamente branco e estruturado no preconceito de cor, ficando também evidentes muitas outras situações relacionadas com a mudança de lugar nas relações sociais. As situações adversas encontradas pelos haitianos em nosso território, fundamentadas na relação de poder baseadas no estigma da superioridade racial, nacional e de origem (Bersani e Joseph, 2017), são a consequência mais visível, ao menos na atualidade, das estigmatizações que a população haitiana sofreu ao longo da história. Seus efeitos na percepção negativa dos brasileiros sobre o povo haitiano impactam na continuidade do fluxo migratório dos haitianos, que hoje têm saído do Brasil rumo a terceiros destinos, como Guiana Francesa, Costa Rica, México e Estados Unidos (Sant’ana, 2022, p. 94).
Ao longo de sua história, a utilização de estigmas “demonizou” as culturas e valores do povo haitiano com o intuito de manter o poder colonial sobre o Haiti. Em que pese terem se tornado o primeiro país independe das Américas, o poder colonial, baseado na ideia de raça como instrumento de dominação, ainda é muito atuante no Haiti, prejudicando a capacidade de aquela população decidir seu próprio rumo e, por consequência, construir o Estado.
Depois de tantas intervenções externas, a situação no Haiti continua grave e os estigmas permanecem, tendo sido uma nova Operação da ONU no país aprovada recentemente, mais uma vez com pouca atenção às peculiaridades locais. Os estigmas perpetuados por gerações, além de impedirem a construção de uma nação independente no Haiti, também legitimam e facilitam a construção de novos processos de intervenção que retroalimentam a invisibilização da população local, cujos interesses e valores são constantemente deixados de lado.
O Brasil, a partir da decisão de comandar a MINUSTAH, inseriu-se de modo bastante negativo nesses processos, pois aceitou se tornar um instrumento de propagação desses processos coloniais que são potencializados pela estigmatização do povo haitiano. A inserção de militares brasileiros no Haiti reproduziu uma lógica histórica de presença colonial e uso da força naquele país, mas dessa vez o colonizador passou a ser representado por nacionais de outro país colônia. O Brasil, país que ainda não conseguiu reparar seus próprios problemas de desigualdade e inserção de minorias internamente, passou a entender que poderia fazê-lo em outra realidade, bastante diferente da nossa.
Ao longo do tempo, as consequências negativas da MINUSTAH para o Haiti passaram também a ser sentidas no contexto doméstico brasileiro. Como previam alguns deputados durante o breve e inócuo debate sobre a decisão de comandar a MINUSTAH no Legislativo, o uso de militares para pacificar o Haiti acabou por, anos depois, reforçar o estigma positivo sobre os militares, levando grande parte da população brasileira a acreditar que eles poderiam oferecer soluções para o Brasil, tanto por meio de sua inserção na segurança pública quanto na política. Não é coincidência que, dos 11 generais brasileiros que comandaram a MINUSTAH, 7 assumiram cargos políticos depois de retornarem ao Brasil. Como 2 faleceram durante o comando, somente 2 decidiram permanecer distantes da política.
Tanto para os haitianos que permaneceram em seu país quanto para os que migraram ao Brasil, os estigmas negativos foram extremamente prejudiciais, já que legitimaram mais uma intervenção que prejudicou o Haiti e, ao mesmo tempo, porque os haitianos que se inseriram no Brasil sofrem constantes casos de preconceitos.
Ao analisar o histórico de estigmatização da população haitiana e como esse processo influenciou a decisão brasileira com relação à MINUSTAH, percebemos que os estigmas tiveram papel relevante. Fundamentalmente, foram instrumento de legitimação da intervenção política que o Haiti sofreu, pois, como a repetição do estigma negativo sobre os haitianos ocorre há séculos, poucos tomadores de decisão discutem alternativas à intervenção proposta. O pressuposto de que os haitianos não podem se autogovernar foi aceito quase naturalmente.
Ao contrário do que afirmam os estigmas, porém, a população haitiana é plenamente capaz de assumir o protagonismo de seu desenvolvimento. As causas de sua condição precária, em grande medida, estão atreladas às constantes intervenções que o país sofre desde que heroicamente conquistou sua independência.
Apesar do discurso pacifista e da ênfase de Lula Da Silva na cooperação sul-sul construída de modo horizontal, o Brasil, ainda no primeiro mandato daquele presidente, se inseriu de forma muito negativa no complexo cenário haitiano, tornando-se mais um dos países que historicamente adotaram uma postura colonial sobre o Haiti. Ao aceitar o comando de uma missão que utilizou a força em um território estrangeiro, sem que a população local fosse consultada, o Brasil se afastou de suas tradições diplomáticas e do princípio da não-intervenção que tradicionalmente embasa suas posições internacionais. Tratou-se, além disso, de uma decisão que ignorou a nossa própria história de país colonizado e que continuará repercutindo por muito tempo, tanto no Haiti quanto no próprio Brasil. Espera-se, desse modo, que a mesma postura estigmatizante e colonizadora seja evitada no futuro.
Os autores agradecem aos revisores da Revista Etnografias Contemporâneas pelos seus importantíssimos comentários e sugestões. Acreditamos que o texto foi muito aprimorado graças aos seus apontamentos. Agradecemos, também, aos debatedores que discutiram versões prévias do artigo no 9º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais (07/2023) e no XX Congresso da Federación Internacional de Estudios sobre América Latina y el Caribe (09/2023).
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1 Versão traduzida para português disponível em: https://www.geledes.org.br/haiti-pais-ocupado/. Acesso em: 13 ago. 2023.
2 Essas operações foram as seguintes: Missão da ONU no Haiti (UNMIH), entre 1993 e 1996; Missão de Apoio das Nações Unidas no Haiti (UNSMIH), entre 1996 e 1997; Missão de Transição das Nações Unidas no Haiti (UNTMIH) de 1997 a 2000; Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), de 2004 a 2017; e Missão das Nações Unidas para o Apoio à Justiça no Haiti (MINUJUSTH), entre 2017 e 2020.
3 Dados disponíveis em: https://brasilescola.uol.com.br/geografia/o-terremoto-no-haiti.htm. Acesso em: 13 ago. 2023.