Histórias, sentidos de vida e relações de trabalho
A trajetória e o cotidiano de um balconista de padaria
Por Antônio de Salvo Carriço1
O trabalho de um homem, afirma Hughes, é uma das coisas pelas quais ele é julgado e se julga. Se uma certa ideologia impele os indivíduos a buscar o melhor tipo de ocupação profissional possível, o trabalho se apresenta como uma das partes mais importantes da identidade social, do self e mesmo do destino de cada um (1971: 338-339). Cada atividade representa, desta forma, um ponto em uma complexa teia que envolve não apenas relações de oferta e demanda, mas que é permeada fortemente por elaborações simbólicas. Há aquelas que são consideradas como de alto prestígio e que conferem àquele que a exerce, pessoalmente inclusive, condição igualmente elevada na hierarquia da divisão social do trabalho. Por outro lado, as ocupações mais “humildes” refletem aquilo que é execrado pela sociedade de sua representação ideal (o autor usa exemplos como a faxina e o guarda da prisão, a relação próxima com a sujeira ou o lixo).
Se mantivermos em vista a distinção proposta por Hughes entre ocupações “orgulhosas” e “humildes”, a trajetória que veremos aqui diz respeito, em um primeiro momento, a uma queda nas hierarquias sociais. Afinal, o sujeito em questão, Marcos,2 passou por dois extremos do mundo do comércio: foi dono do seu próprio negócio, no setor de confecção e vendas, e atualmente é balconista de uma padaria. Durante esse percurso, que incluiu ainda um longo período como gerente de um restaurante, passou, portanto, de uma posição de comando a um lugar de subordinação - não obstante, viu seus rendimentos serem reduzidos.
Apesar do sentido descendente que os marcadores “objetivos” de sua trajetória apresentam, não é desta forma que Marcos a concebe. Como veremos, quando narra sua história ou reflete sobre sua condição atual, não se trata para ele de um movimento degradante e vergonhoso, tampouco uma posição de desprestígio (econômico, inclusive). Trata-se, em seu discurso, do oposto: uma trajetória de sucesso e até mesmo, em certo sentido, de ascensão social.
O termo blinder foi utilizado por Hughes (1971) para chamar atenção de dispositivos discursivos que camuflariam o que estaria efetivamente em jogo na relação entre trabalhadores de um mesmo setor e entre diferentes tipos de ocupação. Embora pudesse se infiltrar nas próprias categorias do pesquisador, o blinder diria respeito, também, às sutilezas e idiossincrasias pelas quais um trabalhador procuraria elaborar discursivamente sua atividade de modo a torná-la mais prestigiosa, seja através de eufemismos que contornassem os aspectos pouco valorizados, seja pela ênfase em outros mais bem cotados. Seria preciso, dessa forma, desvendar o blinder para adentrar no que de fato interessaria ao pesquisador: o drama social do trabalho, os arranjos sociais que se elaboram por meio das interações de indivíduos em suas atividades e as atitudes que se desenvolvem em função da demarcação desses papéis.
A proposta desse artigo consiste em dois eixos que se complementam, embora possam parecer contraditórios à primeira vista: por um lado, se insere no contexto de uma pesquisa3 que tem por objetivo, de certo modo, operar essa iluminação do drama social do trabalho, isto é, compreender as relações em que Marcos se insere no cotidiano de sua atividade profissional para além de suas tentativas de enobrecer sua posição. Por outro, trata-se de compreender os próprios mecanismos pelos quais ele busca dar sentido a sua trajetória, a seu trabalho e a si mesmo. Espero demonstrar que esses não são pólos contraditórios: a busca pela superação do blinder rumo às relações atuantes no balcão levará necessariamente a um retorno ao contexto de interações característico dessa atividade –interações fugazes, entrecortadas, múltiplas, sucessivas e simultâneas, porém rotineiras– e, portanto, a esse trabalho narrativo que se conforma como aspecto fundamental para compreender o tema analisado.
A pesquisa que baseia este texto teve início em setembro de 2012, quando decidi produzir minha tese de doutorado inspirada em autores como Simone Weil (1979), Robert Linhart (1983) e Donald Roy (1953), isto é, tomando parte eu mesmo como trabalhador de uma padaria. Carregava comigo a formação no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) como “padeiro”, fruto e semente da minha pesquisa de mestrado, onde pude realizar uma etnografia da qualificação profissional a partir da minha inserção em um de seus cursos.4
Com o passar dos meses, porém, vi-me cada vez mais distante desse objetivo. Meu currículo não impressionava; minha figura era estranha aos olhos de patrões e gerentes, e os cursos do SENAI, meus grandes trunfos, não lhes pareciam ter senão um efeito negativo, confirmando minha pouca aptidão para o trabalho pesado que eu procurava. Se mencionava a pesquisa como forma de quebrar a estranheza, enfim, as portas pareciam se fechar definitivamente.
Mantive meus planos de me empregar em padarias por cerca de um ano, até que os prazos institucionais me fizeram perceber, enfim, que não conseguiria realizar minha proposta. Ao longo desse período, porém, após o entusiasmo das primeiras entrevistas (e recusas) de emprego ter se arrefecido, ampliei meu leque de estratégias para obter dados sobre aquele mundo.
A idéia de frequentar diariamente em algumas padarias se mostrou bastante fortuita. Eram pequenos lanches, um café e um “pão na chapa”, um “pingado” e um “minas quente”, mas que me permitiam trocar algumas breves palavras picotadas com clientes e funcionários. Mais importante, a manutenção desse hábito me tornava uma figura conhecida, a quem os balconistas passavam a reconhecer, cumprimentar e antecipar pedidos. Sabiam meu nome, após algum tempo, e eu sabia o de alguns.
Há quem diga que não somos nós quem escolhemos nossos informantes, mas o contrário.5 Tive a sorte, aqui, de encontrar uma pessoa receptiva não à pesquisa em si, mas a mim, sem motivo aparente.6 Não me considero uma pessoa especialmente hábil em relação a conversas com estranhos, e não sabia exatamente qual a melhor maneira de puxar assunto com os balconistas. Marcos (Marcão), no entanto, me incluía nas suas conversas com seus colegas ou algum cliente, oferecendo lampejos de impressões sobre seu trabalho e sua vida. Sempre sorrindo, tornava minhas manhãs bastante produtivas. Não era capaz de escrever páginas de diários após cada conversa –a bem da verdade, havia dias em que nada se falava–, mas podia obter pequenas migalhas que lançavam luz a uma série de questões.
Conforme o conheci melhor, e conforme pude perceber alguns aspectos relativos ao trabalho do balcão, a sorte em ter alguém disposto a falar espontaneamente se revelou ainda mais oportuna: além da abertura à conversa, Marcão revelava uma história curiosa e especialmente produtiva analiticamente: ao longo de sua vida, havia passado de gerente a balconista –teve seu salário reduzido e passou de um cargo de comando para um de subordinação–. Apesar dessa impressão inicial que as palavras e os números frios promovem, ele não narra sua trajetória como uma descendente. Pelo contrário, sua posição hoje é trazida como um auge, e sua trajetória é narrada de modo a enfatizar um enredo bem-sucedido.
Este artigo está dividido em torno de temas que me parecem relevantes para iluminar a questão proposta: são eles o gosto pela brincadeira, o lugar do casamento, a valorização do esforço e a concepção de uma hierarquia interna aos funcionários do balcão. Embora elucidar o aparente paradoxo que paira sobre sua trajetória seja o foco do capítulo, não darei conta aqui dos “estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas que uniram o agente considerado ... ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontado com o mesmo espaço dos possíveis”, como gostaria Bourdieu (1996: 190). Pelo contrário, irei trabalhar pelas ilusões7 (biográficas também, mas não apenas elas, já que muitas vezes não se trata exatamente do formato-biografia) que Marcão imprime a sua vida e pelas quais se constrói como pessoa (e) em relação com seu trabalho. Para isso, procurarei trabalhar o caráter contextual da narrativa, isto é, apresentar o trabalho no balcão tal como ele se apresenta a este pesquisador e ao balconista, com suas oportunidades específicas de produção de um certo tipo de discurso e narrativa. Um discurso sempre fragmentado pelo ritmo constante e intenso com que têm de lidar os balconistas, a todo momento alvo de demandas e solicitações que devem ser atendidas o mais rápido possível.
“Aqui é muito movimento, não pára! Não deu nem pra amarrar as botas!”. Marcão me mostra o sapato desamarrado. “Se eu abaixo aqui vem logo uns dois!”. Ele olha ao seu redor e, observando que não havia mais ninguém esperando ser atendido, se abaixa e dá os nós. Quando se levanta, vê outro cliente à sua frente. “Aí, tá vendo? Bom dia...”. Marcão se afasta de mim e põe-se novamente a atender o fluxo de fregueses. Estes, numerosos e espalhados ao longo do balcão, disputam a atenção dos poucos balconistas, que devem atender todos o mais rápido possível.
“Ó, de lá pra cá tem onze metros. Se a gente for duas vezes em um minuto –na verdade é muito mais, mas vamos botar, vai, duas vezes por minuto, por baixo. Já dá quarenta e quatro metros por minuto...”– Marcão pega um guardanapo, tira sua caneta do bolso do uniforme e nos pomos a fazer contas. Dois mil e seiscentos metros por hora, vezes nove horas “dá uns trinta quilômetros”, aproximamos.
Na verdade é muito mais, porque sobe, vai ali fora pegar um jornal, vai lá dentro, e se tem movimento fica pra lá e pra cá o tempo todo. Ainda tem que pegar ônibus, andar mais uns vinte minutos... Pior que depois eu chego em casa fico no sofá, ligo a TV e durmo. Minha esposa ainda reclama! Mas cansa, né, a gente ta acostumado mas cansa, o ritmo é forte aqui. O corpo sente. Mas é bom, a gente corre, chuta os outros (risos). [Ele muda o tom e se diverte com Denis, que passava por trás, dando-lhe um chute de leve. Dali a uns instantes, volta ao assunto].
Preocupado em expandir minhas informações para dentro da produção, meu objetivo naquela etapa da pesquisa, pergunto se na padaria se anda menos.
É, é mais tranquilo. Aqui tem que atender rápido, o cliente quer um café um pão na manteiga, aí pede outra coisa, eu vou lá correndo pegar... Tem que ser rápido, tem cliente que não gosta de esperar, não tem tempo. Aí [se for rápido] fica melhor pra todo mundo, né, pra ele, pra mim... Fora que não é só isso, a gente prepara o café, o leite, tem que tomar conta pro leite não subir, se não tem ninguém mais vai lá fazer sanduíche...
Marcão se volta a outro cliente e peço mais um café a Valter, balconista que se aproximava. “Que isso aí?”, ele aponta para o pedaço de papel onde fizemos as contas. “Trinta quilômetros? É muito mais!” “Isso aí é por baixo”, explico. “Chega em casa e dorme.”, ele se queixa, esboçando um sorriso. “E as pernas, agüentam isso tudo?”, eu pergunto, observando seu peso mais avantajado. Ele respira, me olha... “Agüenta... Tô com bico de espora, tendinite, distensão... etc etc etc. Meu pé ta inchado, ó só. Deixa eu ver se ainda tá inchado.. Tá sim”, ele diz e me mostra. “Mas tô aí, todo dia. Não tem como parar. Nem tô tomando remédio, com o tempo passa.”
“Nunca quis ir lá pra dentro não?”, eu perguntei a Marcão, novamente a meu alcance, em reação ao comentário de que na produção “é mais tranqüilo” no que se refere a essa corrida constante. O balconista, no entanto, se apropriou de outra forma da minha questão:
Cara, eu trabalhei muito tempo de supervisor das lojas, teve até uma vez que eu montei pra minha esposa um negócio ali na Rua ... - ela é ciumenta, né, aí já viu, eu falei, 'tá, a gente trabalha junto'. Mas não dá, não acontece nada, tem hora que dá uma agonia, uma ansiedade, não acontece nada, ninguém entra, entra um cliente depois fica vazio um tempão... Não aguento não. Aqui tem sempre gente chegando, saindo, conversa com um, com outro. Sente falta disso. A gente gosta.
A questão do tédio é recorrente na fala de vendedores de lojas pequenas pela cidade, inclusive entre balconistas de lanchonetes e padarias menores, que se queixam muito mais do sono e da falta de assunto que do movimento excessivo –as dores mencionadas são na cabeça, não nas pernas–. O caso de Marcos, no entanto, revela um componente mais complexo, pois envolve algo mais que a oposição entre ritmos distintos: se na loja citada ele era, além de vendedor, o “dono do negócio”, na Padaria Serrana ele é apenas um balconista. Uma mudança que não se restringe ao local de trabalho ou ao setor do comércio, mas que se refere a relações diferentes com as empresas, tanto no que tange à sua posição na distribuição dos rendimentos quanto à relação com o quadro de funcionários.
“Eu passei catorze anos como gerente de restaurante”, me contou em outro momento.
Aquela coisa, escritório, mesa, sempre aquilo... Aí chegou um dia que eu não aguentava mais, um dia eu dei as chaves e disse que não vinha mais abrir a loja no dia seguinte. Não compensa, chega uma hora que não compensa. O que, cento e cinquenta, duzentos reais a mais? Você fica naquilo, fechado, estressado, cheio de preocupação. Aqui a gente brinca, fala merda, xinga os outros, ri... (risos)
As possibilidades de brincar aparecem diretamente relacionadas a essa posição mais baixa na hierarquia, e faz da própria relação de subordinação o tema do riso. É o caso, por exemplo, de comer salgadinhos escondido do gerente e, mais que isso, comentar o que achou com os colegas. Embora na Padaria Serrana a proibição de comer os pequenos salgadinhos não seja tão rigorosa na prática, desde que com pelo menos alguma preocupação com a discrição (e beber dos refrescos seja feito abertamente, sem escrúpulos),8 o ato parece adicionar um tempero diferente quando feito às escondidas. Vale ressaltar que o gerente não dispõe dessa possibilidade: pelo contrário, ele pede, de fora do balcão, como se fosse um cliente, para que lhe sirvam um pedaço de linguiça, um café, uma vitamina ou um salgadinho. Não me recordo de ter visto um gerente divertir-se ou desfrutar com a mesma intensidade que os balconistas ao experimentar os produtos da padaria.
Se a explicitação da subordinação constitui um dos elementos da brincadeira no balcão, o outro diz respeito à horizontalidade (ou não) entre os próprios balconistas. Trata-se, por exemplo, de apelidos dados a recém-chegados, da troca proposital de seus nomes e jogos de provocação que devem ser jogados da maneira esperada. Fofocas e especulações quanto a outros colegas integram ainda seu repertório humorístico.
O terceiro pólo em que se explicita essa possibilidade de brincar no balcão se refere à relação com o cliente, sobretudo aquele que freqüenta o local com alguma regularidade. Essa relação assume a forma de pequenos jogos como a antecipação de pedidos (no meu caso, por exemplo, alguns balconistas me serviam um “pingado” ao me ver chegando, antes mesmo de qualquer comunicação) ou provocações rituais de cumprimento, que podem incluir times de futebol, características físicas ou qualquer outro atributo que se tenha construído como marcante entre os envolvidos. Os clientes são importantes ainda como cúmplices ou testemunhas dos jogos e brincadeiras internas aos balconistas, provocando junto ou apenas rindo das piadas. Esse é um ponto de suma importância, e voltarei a ele no final do texto.
Também quando Marcos fala de suas experiências anteriores, o lugar da diversão no trabalho é exaltado. “Eu queria saber fazer pão, me arrependo”, me disse certa vez, enquanto lavava copos, após me mostrar no celular fotos de salgados que fazia em casa.
Não aprendi... eu ficava ali no balcão, né, com catorze anos, eu ajudava lá. Aí ficava de noite com o padeiro, mas era por causa da capoeira que eles brincavam. Aí eu falava pro patrão que queria ficar lá aprendendo, mas eu aprendia era capoeira! (risos). Até hoje ele me chama de capoeira... “E aí, Capoeira?”. Gente boa ele... Mas eu era inocente, sem noção. Às vezes eu largava o balcão e ia tocar violão na padaria. Aí o cara falava, né, “vai longe com esse violão, heim?” (risos). E eu achava que ele tava me elogiando, mas ele tava ó: [bate uma das mãos, fechada, na outra, aberta, indicando o oposto de um elogio] ... Aí eu saí com dezessete, dezoito anos, quando casei. Passei por uns apertos, né, quando saí de casa, mas me ajeitei...
“...Ele não atende não, toca, toca e não atende! Pô, eu fiquei até preocupado, tocou e desligou, pô!” A conversa já estava em curso quando me aproximei do balcão para pedir um café. “Não sabia quem era”, dizia Marcos, “mas reconheci pelo tom de malandro: 'Alô, fala aê!'“, ele enfatiza um estilo diferente de falar. O balconista Denis se vira para mim e para outro cliente ao meu lado e nos inclui na provocação ao colega: “Não atende nem da mulher!”.
“Não, senão a mulher fica controlando, tem que dar satisfação... (risos) Ela já sabe que eu não atendo mesmo, aí nem liga mais. Pô, trinta anos de casado, eu vou ficando esperto agora... (mais risos)”. Ele termina de servir o café e prossegue: “E liga só pra comprar, gastar... Inventa umas receitas, 'ah, traz queijo ralado, traz creme de leite', e é só trinta reais aqui, cinquenta ali... melhor não atender mesmo”, diz sorrindo.
Denis já está longe e o outro cliente se entretém com um pastel. Marcão apóia os braços no balcão e continua, em tom mais baixo.
Aqui no serviço não dá pra atender. E eu fico com vergonha de falar em certos lugares, né, eu digo só o que é mesmo necessário. Você vê, tem gente que tá no ônibus, toca o telefone e grita... Pô, você ouve tudo! Diz em detalhe, 'to passando por tal lugar, indo pra num sei onde...'
Pergunto se sua esposa trabalha: “trabalha, ela é costureira, trabalha por conta própria.” Ele vai para os fundos do balcão.
Tentei prolongar a conversa sobre sua esposa, mas não consegui retomar o assunto na ocasião. Vez ou outra, no entanto, ela aparece como personagem nas conversas, como na cena a seguir:
“...Aí ela tava juntando moedinha, né? Eu vi que ela tinha um vidro e meio [faz um gesto indicando o tamanho do recipiente], aí eu resolvi ajudar, botar umas lá também. Tá com trezentos reais”, ele se vangloria, e diz que quer usar para pagar uma viagem de avião. “Você nem sente que paga. Vai trocando aos poucos, de dez em dez, aí vai depositando. Mas aí, né ela vem e fala que 'eu juntei' (risos). 'Você, é?'. Eu enchendo ali de moeda... Aí decidi que ia juntar as minhas também, não ia dar pra ela não. Aí ela pergunta 'tem moedinha aí?' E eu digo 'não, tem não'. Aí pego a mão cheia de moeda... (risos)”
“Com a minha eu faço diferente”, interrompe Denis: “perguntei 'que que tu prefere, pagar todas as contas ou fazer as compras? Escolheu as compras. Então tá, eu pago tudo que é conta, telefone, luz, gás, e ainda deixo um crédito na quitanda (risos). Aí ela vem chorar comigo? Ah não...” Ele vai atender um cliente e eu pergunto a Marcos o que a mulher dele faz. “Facção. Mas pra mim nem faz diferença não, se ela trabalha ou não... Quando a gente sai sou eu que pago tudo mesmo...” Outros clientes riem, narram também histórias semelhantes e reforçam a opinião de que é o homem quem paga tudo para as mulheres, que apenas gastam e não contribuem. Denis mostra o braço, enfatizando seu “muque”: “Ó só, no espelho fica até maior!”. “É academia...”, Marcão entra na brincadeira e também se exibe: “É só arroz, feijão, angu e pastel! (risos)”.
Se novamente tenho dificuldades em aprofundar o tema de sua esposa e sua relação com ela, isso se deve não apenas ao ritmo entrecortado das conversas no balcão, mas também devido ao papel que ela assume como personagem naquele contexto. Mais que um foco de atenção e investimento narrativo próprios, sua esposa aparece como um mote para trabalhar temas vigentes nos diálogos e se apropriar de maneira adequada a um lugar concebido ao homem e a armadilhas do casamento.
Associado ao casamento aparece o dinheiro, que ele traz invariavelmente como domínio seu, e a possibilidade de desenvolver outras atividades remuneradoras: fabricação de salgados em casa (ele exibe sua pequena produção em fotos armazenadas no celular), reaproveitamento de restos e retalhos de confecção e costura... Essas atividades não chegam a se estabelecer como “segundo emprego” e variam de acordo com a sua “empolgação”, nos seus termos, mas contribuem para uma “graninha a mais”.
A disciplina para gerir a renda (que é inclusive mencionada por clientes em outros momentos) é apontada como uma qualidade distintiva de Marcos, responsável por permitir que ele exiba um nível de vida superior ao esperado de um balconista. Marcos costuma me mostrar em seu smartphone registros de passeios que fez com sua esposa, seu filho e amigos do casal, fotos tiradas em sítios de algum deles, em hotéis fazenda, durante almoços, de visitas a pontos turísticos e parques da cidade. Essas fotos marcam não só as pessoas em pose, mas também os detalhes da paisagem e da arquitetura dos lugares: lagos, pisos trabalhados, lustres ornamentados, móveis...
Se sua esposa atua como um mecanismo narrativo para elaborar a questão do dinheiro e tudo que o envolve, seu filho é trazido também como marcador de uma posição de ascensão, a partir do investimento na educação superior. Formado em administração e membro da marinha, ele aparece principalmente quando vem à tona a minha própria relação com a universidade.
“Você trabalha fora, Antônio?” - é ele quem me pergunta. “Mais ou menos... eu faço faculdade, né... de Antropologia. To fazendo doutorado.” Ele pergunta o que é isso exatamente e eu me enrolo para explicar, como de costume. Esboço uma comparação com um censo, enfatizando a preocupação maior com o cotidiano que com dados estatísticos. Parece entender, como de costume (todos parecem entender...).
Meu filho faz administração... [vai até o outro lado do balcão e volta] É bom ter psicólogo, você vê... gente de nível mais baixo tem os pensamentos muito errados, invertem as coisas, fala uma coisa e entendem outra. Eu que subi um pouco - trabalhei muito, né, mas subi um pouco - eu vejo, assim, a diferença. [Ele se vai novamente por uns instantes, e retoma a conversa enquanto eu tomo um gole de café].
Eu tenho um amigo que fez faculdade de pão, alguma coisa assim. Tá na Inglaterra, ganha dez mil. Todo ano ele vem visitar e passa aqui. É pães finos só que ele faz. Aí ele fala que padaria aqui só usa farinha pronta, né, só jogar fermento e água. (risos)
Diversos estudos indicam que a via escolar é uma estratégia adotada pelas chamadas “classes populares” (mas não só por elas) para promover a ascensão social através de seus filhos, buscando alternativas ao tipo de trabalho que seria dispensado a pessoas daquele meio (por exemplo, Beaud e Pialoux, 2009). Não tenho como afirmar, no momento, se é este o caso aqui, embora a associação pareça ser produtiva. O que aparece de maneira mais explícita é o outro lado de uma atitude ambígua em relação ao estudo: a desconfiança e a resistência em relação à entrada de pessoas com ensino superior dentro de relações de trabalho marcadas por um ethos da valorização do “sacrifício” ou, em termos mais coloquiais, da “ralação”.
“E a faculdade, como é que vai, já acabou?” Digo que estou terminando, no meio do doutorado. “vinte e cinco anos de estudo, né? (risos)” Ele zomba de mim, mas tenho que concordar. “O Rodolfo faz engenharia”, ele aponta com a cabeça para outro balconista.
Tem condição melhor, pai e mãe, mas aí, tem que ver que ele aqui não é melhor que ninguém, não tem isso, tem que trabalhar igual. Não tem essa de “não vou lavar copo”, a gente tem que mostrar pra eles como é que faz, porque aqui o trabalho é pesado, é muito pesado mesmo. Pega quatro e meia da manhã, acorda às três e vai até duas da tarde assim, nessa correria. Se o cara tá acostumado com outra coisa, tem mais condições, não dá conta, tem que ver que é diferente aqui. A vida lá fora é outra coisa, aqui tem que ralar muito, lavar chão, lavar copo. Você viu outro dia, ele ali “ah to conversando com...” eu pedi o sanduíche, não tem essa, tem que ter alguém ali na chapa. Tá acostumado com outra coisa, tem que mostrar como é que é aqui. (...) Não parece mas é pesado. Muito pesado. Às vezes vem um com pai e mãe em condições melhores, aí acha que aqui dentro vai ser assim também, vai ser tratado diferente.
Não pude deixar de me identificar com a descrição e refletir sobre as razões do meu fracasso, até então, em me empregar em uma padaria a partir do ponto de vista de seus trabalhadores.
“Lembra daquele rapaz que veio aqui pedir emprego?”, me pergunta Marcão enquanto eu tomava um café. “Já largou...”. Demonstro surpresa. “Não queria trabalhar não... mandava lavar louça e ele não queria, dizia que não ia... Não aguentou não, muita pressão.” Aproveito para zombar também do rapaz: “era um cara fortão, chegou se achando, né?”. Ele concorda: “Não é? Chegou aqui cheio de marra... Eu disse que era pesado, cê lembra, muito trabalho, e ele, 'não, que eu to acostumado e tal'...” “Pra quem quer trabalhar não falta emprego”, recupero ironicamente uma frase dita enfaticamente pelo rapaz na ocasião. “Vê só...”
Às vezes é um pepino aqui... O bicho pega. Chega quatro e meia, pega de quatro e meia às duas. Muita gente que entra aqui e fica dois dias e vai embora. Teve um que deu duas horas [de serviço] e desistiu, “não é pra mim não”. É muita pressão, quando a coisa aperta.
A demonstração de um estilo de vida de nível mais alto, se contribui para a construção que Marcos faz de si, não exclui o lado penoso de um serviço bastante fatigante. “O corpo acostuma”, mas reflete a jornada intensa através das dores: nos olhos, nos joelhos, nas pernas... Não é de se espantar o desajuste apontado por Marcos:
A gente fica alterado. O sono fica alterado, a fome fica alterada... às vezes tá com fome e não pode comer, tem que segurar a onda que não dá pra sair aqui, aí quando em que tomar um café o estomago não tá direito, tá sem fome, aí força um pouco. Não dorme direito, fica cansado...
“É doído, às vezes é doído aqui...”, ele acabava de repreender um colega recém-chegado ao balcão e desabafava comigo.
E dói. Tem dias que acorda às três horas da manhã e não quer levantar... mas tem que... Ensinar os novatos aí, treinar, pra dividir o serviço com a gente, que eu to cansado. De às vezes chegar em casa e desmaiar. Só querer levantar no dia seguinte. São trinta e dois anos nisso... Não parece, mas é pesado...
Fico mais um tempo ali, peço outro pingado e Marcos continua, na medida do possível:
Desde os doze anos que eu tô nessa. Eu cuidava do negócio do meu pai, né. Mas tive muita dificuldade quando eu era criança, tinha que ralar muito. Aí qualquer dinheiro que entrava eu falava: 'vou levar pra casa'. Guardava, é o jeito. Queria fazer minha casa com vinte e cinco anos. Comprei terreno, vendi terreno, carro também, comprei, vendi, casei, morei de aluguel, comprei, vendi aí comprei o terreno que eu to agora...
Nesse momento, Denis passa por trás de Marcos apontando a garganta (o “papo”, “gogó”) para mim, sinalizando como se tudo fosse mais ficção que realidade. Eu percebo e rio. Ele olha para trás, e seu amigo desconversa. “Tá coçando aqui”, brinca, e eles se divertem chutando de leve um ao outro.
A dureza de seu trabalho seria talvez um daqueles aspectos dos quais os balconistas tentariam se distanciar ou camuflar em seus discursos sobre sua atividade e suas representações de si, se pensarmos nas preocupações de Hughes mencionadas anteriormente. O que aparece nas conversas no balcão, no entanto, é justamente o contrário, a apropriação positiva das dificuldades do trabalho pesado como marcadoras de uma distinção individual; a ênfase na capacidade de suportar a pressão e o ritmo intenso como uma virtude de um trabalhador.
“...pegava quanto, Marcão [na academia]? Cinco quilos?”. A espera pelo meu almoço me permitia acompanhar a conversa de um casal com o balconista, “Nem isso, já foi ficando pesado. Tentei três, continuava, pesado, aí tirei tudo. Só os braços já tavam pesados! Aí parei... (risos). Não, falando sério agora, fiquei com dor na coluna, sério”. “Mas tinha gente te acompanhando?”, a mulher pergunta. “Tinha, tinha cinco!” “Dois segurando de cada lado!”, eu me intrometo na conversa, e todos riem. Ele se apropria do assunto para enfatizar sua raça, virtude apresentada como indispensável para se trabalhar lá.
Aqui é tudo assim, desde pequeno a gente já pegava pesado, já carregava pedra. Com nove anos eu já ajudava meus tios, “dá uma pedrinha aqui, que eu ajudo”, e ia subir o morro. O Denis jogava bola, era o maior jogador do Palmeiras, ah lá! É tudo assim, tem que vir de dentro, aqui já vem de dentro, tá no nosso DNA, é raça mesmo, é raça. (...) Assim, eu olho pra trás e vejo que valeu a pena. Quer dizer, valeu a pena não, era o único jeito (risos). Se você quer ser faixa preta, ou corredor, é muita exigência, né, muita dedicação.
A valorização da força e da resistência, aspecto importante para compreender as questões trazidas aqui, não pode ser tomada em abstrato, fora de seu contexto. Ao longo do tempo em que vêm trabalhando juntos na padaria – há cerca de seis anos, enquanto escrevo este artigo –, Marcos e Denis acompanharam a entrada e saída de incontáveis funcionários - por diferentes motivos e circunstâncias, alguns em um ano, outros em alguns dias (há quem não tenha completado o primeiro dia de trabalho no balcão, e não foram casos isolados), mas apropriados pela ótica da falta daquelas qualidades - enquanto mantiveram-se empregados.
Já foi [Denis faz um gesto de “bebedeira” para me responder sobre o paradeiro de uma balconista que entrara há uma semana]. Aqui não para ninguém. Trabalhou três dias e já faltou na sexta. Deu dois dias ligou dizendo que tava com pneumonia. Mas o pessoal aqui já disse que ó: foi bebedeira [repete o gesto]. Tem que ter muita disposição. Eu falei com ela, “tu não vai durar uma semana”. Tava certo, acertei. Não dura. Não aguenta. Tem que ter muita disposição... Força de vontade. Acordar quatro e meia todo dia... O trabalho nem é tão pesado, mas o horário que é muito grande. Não é só força de vontade não. É raça, tem que ter muita raça.
[Marcos conversa comigo]...fica assustado, é muita gente mandando ao mesmo tempo, não dá conta. Hoje de manhã tinha dois ali, dois sentados ali, mais um... Aí pedi dois pão na manteiga veio um só. E cada um pede uma coisa, ao mesmo tempo, e todos querem ser atendidos. Aí não compreendem às vezes. Isso é normal aqui, não foi só ele não. Toda hora passa um aqui que fica um dia e não volta.
A percepção de que esses membros individualmente efêmeros (alguns mais, outros menos) constituem um contingente perene que os acompanha promove um contraste em relação à sua participação contínua no balcão. A estabilidade relativa com que concebem seus empregos (ou melhor, o fato de se perceberem enquanto empregados em oposição a uma instabilidade muito acentuada), enfim, mescla-se a um sentimento de superioridade em relação a esse outro conjunto.
A pessoa que ingressa no balcão da Padaria Serrana geralmente o faz individualmente, não em grupo. Neste momento, ela é indicada a alguma função específica por um gerente, de acordo com a necessidade: fazer entregas, ficar na lanchonete ou no balcão de pães ou organizar os produtos expostos pela padaria. Ao longo de sua permanência na padaria, no entanto, ela se vê desempenhando cada uma dessas atividades, seja em um mesmo dia, seja em períodos mais longos, de modo que nenhuma das funções passa a integrar de maneira importante a definição de si enquanto trabalhadora.
Se a divisão de tarefas não se impõe como um aspecto identitário importante entre os funcionários do balcão, tampouco o termo balconista adquire algum peso maior em si mesmo nas suas falas, reflexo talvez do pouco prestígio que a posição desfruta em relação a outras como padeiro, confeiteiro e mesmo gerente, cada qual com seus atrativos. As clivagens que efetivamente parecem moldar as relações nesse setor da padaria são aquelas que distinguem os mais experientes e mais antigos no local daqueles recém-chegados: uma elite e os novatos.
Pô, outro dia o subgerente ali queria que eu varresse aí fora, eu falei que eu sou da elite aqui, eu não faço isso não! Tem que mandar um desses aí [se referindo a Lucas], a gente é da elite, né? [passa a se dirigir também a Denis, que se aproximava]. Aí eu falei “a gente é da elite, ganha mil e oitocentos9 não é pra varrer não”, e o menino já arregalou os olhos, achando que ia ganhar mil e oitocentos reais (risos). Falou em mil e oitocentos, o olho dele ó [arregala os olhos]. Tá certo? A gente é da elite, pô, num é pra fazer essas coisas não.
Outra ocasião, esta que eu mesmo pude acompanhar, permite ver mais explicitamente como diferentes princípios de hierarquização se relacionam no cotidiano da padaria. Um outro balconista, Rodolfo, traz uma encomenda da cozinha para a frente do balcão: “18 A e B!”, gritam da cozinha, anunciando que dois pedidos de almoço estavam prontos. No caminho, ele pergunta a Marcão sobre um pedido que este lhe havia feito: “minas quente?” Ele confirma. “Seu Jairo, 18 A e B!” - Rodolfo avisa ao gerente que os pedidos estão prontos para serem encaminhados à entrega e fica por lá, conversando com ele em voz baixa. Alguns instantes depois, vejo Marcão passar pela área da chapa, onde Lucas lavava louça e Jaqueline selava embalagens com calor. Percebo que comentam algo entre si e riem. Marcão se volta pra Rodolfo, ainda rindo, mas aos poucos assumindo um ar mais sério: “Cadê o minas quente? Rodolfo, minas quente, não falei?!” Rodolfo indica que está conversando com Seu Jairo e lança um olhar como quem quer dizer “ele tem prioridade, pois é o gerente e você um balconista como eu”. Marcão parece interpretar a situação da mesma forma que eu, e o repreende quando ele se aproxima: “Quem manda aqui sou eu! Vai responder? Vai responder? Quem manda aqui sou eu, não é ele não, eu falei você obedece, só.” Se vira para mim, rindo com um quê de ironia: “É mole? Esses novatos...”
É possível aproximar o modelo de hierarquização proposto por esses balconistas mais experientes àquele modelo clássico de relações entre estabelecidos e outsiders desenvolvido por Elias e Scotson (2000). Tal como na comunidade de Winston Parva, analisada pelos autores no final da década de 50, há aqui a percepção de dois grupos que poderiam muito bem passar como um só a um observador externo mais apressado ou apegado apenas a marcadores sociológicos como profissão, cargo, renda ou classe social. Lá como cá, o que confere a um destes grupos uma percepção de distinção em relação ao outro se baseia no tempo, na antiguidade no local - na padaria, o tempo de residência se configura em tempo de resistência frente aos inúmeros desafios que constituem o cotidiano do balcão. A relação característica de interdependência é evidenciada no seguinte comentário de Marcão, que identifica na atitude pessoal de Lucas, em suas primeiras semanas no balcão, marcas próprias de sua posição inferior.
Olha só esse aí, como ele anda. [Marcão comenta com Denis e comigo, por tabela] Parece que tá carregando um saco de cimento. Não tem brilho, alegria de atender o cliente. [Denis sai para atender um cliente e ele passa a se dirigir a mim] Eu sou muito observador, sabe, eu fico vendo esses jovens aí, pede pra varrer, não querem, não sabem nada, só querem ficar no balcão, ser estrela, sabe? Aparecer. Mas tem que trabalhar pro grupo, ajudar o grupo. Pô, até pra aprender a se defender do gerente, pro cara não vir chamar atenção, né... não emperrar, deixar entulhar de louça, pô, tem que lavar louça, varrer, saber preço, né? Aí você vê. tem dois caras experientes e novato quer botar eles pra lavar enquanto ele brilha no balcão? Não dá, se eles têm experiência, você vai ajudar como? Ali, lavando, vendo como pode ajudar as pessoas que sabem fazer o que elas sabem bem. Não chegar já se achando. Que que acontece, não dá três meses e vai embora.
Ao se contrapor aos novatos em termos de um pertencimento a uma elite, Marcos se apropria de todo um conjunto de fatores que, a seu ver, confere a determinados funcionários um estatuto diferente dos demais. Nesse sentido, raça, determinação, força de vontade e experiência se apresentam como atributos natos que os tornam capazes de enfrentar todo o esforço exigido no expediente da padaria, e, com isso, nutre um sentimento de distinção em relação a esse outro grupo concebido. A carga depreciativa contida na categoria novato constitui, para quem a mobiliza, uma maneira de se colocar acima daquele que é o seu alvo.
Analisar uma vida, ou mesmo fragmentos de uma vida, implica não simplesmente descobrir e ordenar fatos de modo a conformar uma versão “verdadeira” ou definitiva. É preciso que se leve em conta o contexto em que esses fatos são narrados: como, quando, por quem, para quem... A literatura antropológica está repleta de análises que problematizam a complexa relação entre um presente narrativo e um passado narrado ou elaborado.10 É justamente nesse sentido que procuro observar, pela maneira como Marcão concebe cada momento de sua trajetória profissional e, por consequência, pela maneira como vê cada uma das posições possíveis dentro desse mundo do comércio, aspectos de um trabalho de elaboração sobre seu presente como balconista. A partir de sua elaboração narrativa de fatos passados ou do contexto mais amplo em que se insere (a família, por exemplo), é possível depreender alguns traços marcantes do cotidiano de trabalho na padaria.
Marcão deixa claro em suas falas que o trabalho como balconista, apesar de toda a dureza característica, tem seus atrativos. Dessa forma, ele traz a passagem da gerência ao balcão como uma opção sua, e não como uma decadência profissional, ainda que isso implique em abrir mão, por exemplo, de um salário maior. No entanto, quando lidamos com uma pessoa durante um período mais extenso, o presente a que se refere todo o trabalho de construção narrativa se vê em constante mudança: se comporta como um fluxo, e não como um ponto estático. Ao analisar uma vida em andamento, portanto, algumas contradições e reviravoltas aparentemente incompatíveis com o que conhecemos da pessoa em questão surgem em certos momentos e desafiam aqueles esquemas que construímos para compreendê-la.
“Recebi uma proposta...”, ele fala baixo, bastante discreto:
Sabe a Padaria Alemã, ali na rodoviária antiga? Tem um pessoal que eu conheço que vai comprar lá e tá me chamando pra tomar conta. Aí vamos ver, né... Aí ofereceram uma participação ali na porcentagem... eu tô ficando velho, tenho que aproveitar. Trabalhei vinte e um anos ali do lado tomando conta, mas a pica é grossa. Falta um a gente cobre, tem que resolver tudo, nesse ramo é difícil ter a equipe completa, né? Aí eu pedi cinco salários mínimos. R$ 3.600. Não é assim, não é um salário alto que não dê pra pagar, mas também é um que dá pra viver mais ou menos bem, né? Não vou fazer isso pra ganhar mais ou menos, pra ganhar mais ou menos eu fico aqui que já ganha. Eu tenho que pensar no meu futuro, né? Não dá pra ficar assim, eu já não aproveitei quando era jovem, agora tem que aproveitar, né...
Dias depois, Marcão retomou o assunto.
Você estudou esse negócio de pão... né? Pô [ele bota o guardanapo na frente para o gerente não ver do que falávamos], esse pessoal aqui do lado me chamou, né, ali naquela padaria alemã, sabe onde é? Eles querem que eu vá pra lá, aí a gente já acertou “de boca”, né, aí segunda vamos assinar os papéis lá. Vão me dar uma porcentagem... pequena, né, mas é muito dinheiro que rola nesses negócios grandes assim. Aí vou ver lá com eles, de repente te botar lá também, ajudar lá nos pães.
Esperei algum tempo pela concretização da proposta, mas problemas de documentação com a padaria mencionada pareciam atrapalhar os planos dos novos donos. Eu já estava trabalhando na própria Serrana, alguns meses depois,11 quando Marcão encerrou definitivamente a questão. Se a oportunidade parecia desafiar uma série de hipóteses e conceitos formados, meus e dele, a negativa voltava a corroborá-los.
Não deu em nada, tem ação na justiça, trinta e cinco mil cada… aí eu tava até falando com a mulher, foi melhor assim… Eu trabalhei vinte e um anos com eles, e ia ser escravo de novo. Dinheiro não é tudo. Eles falavam que iam chegar seis horas e chegavam às nove. A minha mulher ficava com o carro esperando, né, porque seis horas ainda dá pra pegar um cineminha, namorar... aí eu até falava, é, amor, hoje não vai dar não, vai pra casa... (risos) Aqui eu sei que saio às duas, sempre...
Trouxe até aqui aspectos que participam do esforço de Marcão em seu trabalho de produzir sentidos de si, elaborações pontuais sobre seu lugar no mundo e sua atividade no balcão. Foram eles o gosto pela brincadeira, a relação com a esposa e o dinheiro, a valorização do esforço e, por fim, a concepção de uma hierarquia entre os funcionários na qual ele ocuparia o posto mais alto. Deslocando o foco para fora do trabalho, apropriando-se de forma positiva dos aspectos depreciativos do cotidiano de sua atividade profissional ou trazendo para o âmbito das relações internas os marcadores legítimos de sua posição, ele compõe narrativas de si de modo a construir uma imagem positiva a partir de elementos que poderiam ser relacionados de outra forma. Sua posição atual como balconista é apresentada de forma prestigiosa, e os aspectos que ele enfatiza ao contrastá-la com o período quando ocupava cargos de gerência contribuem para consolidar essa representação.
Quando Hughes se preocupa em elucidar o drama social do trabalho, ele busca superar, em primeiro lugar, o caráter enviesado que compõe a visão que se obtém das elaborações dos próprios envolvidos. O melhor informante, ele se lamenta, é justamente aquele que está mais imbricado nessas valorações (1971: 339). Ao nos depararmos com uma atividade como a do balcão de uma padaria, no entanto, a linha entre o caráter limitador e enganoso da elaboração discursiva e suas virtudes (e mesmo sua imposição) como dado de pesquisa se torna bastante tênue.
Para quem espera um discurso bem-acabado e articulado de seus informantes, as conversas no balcão podem parecer muitas vezes picotadas, incompletas, com a compreensão do que é falado mais assumida que efetiva. O conteúdo varia, e talvez não importe tanto em si mesmo, mais valendo o jogo de palavras, o ritual e a construção de um hábito, de uma duração que parece algo mais que a soma desses pequenos eventos, embora baseada neles. Mais que os temas em si, no entanto, chama atenção a própria possibilidade de elaborá-los. O fato de que se conversa no balcão, longe de ser uma mera condição ou pano de fundo de onde um pesquisador pode extrair dados para sua pesquisa, é ele mesmo um dado, e precisa ser problematizado.
A conversa, em primeiro lugar, não deve ser vista como um aspecto acessório ao comércio, mas como parte integrante desse processo, que conforma um determinado tipo sociabilidade associando consumo e comunicação. Consumir pequenos lanches ou um almoço no balcão da padaria é inserir-se de alguma maneira em uma trama de relações. Se o cliente é frequente, ele passa a ser reconhecido e a reconhecer os balconistas, compartilhar com eles assuntos e conformar um tipo particular de ritual de cumprimentos e conversações. Se essa frequência não existe, ainda assim ele pode ser tomado como personagem em conversas com outros clientes ou entre os próprios balconistas.
Temos, nesse sentido, um aspecto importante que distancia o balconista do cenário ilustrado por Halbwachs (1972) segundo o qual o operário se apartaria da sociedade em função de sua relação orientada estritamente à matéria. Afinal, a função mais explícita do balconista, servir o cliente no balcão, produz um tipo de relação e associação entre a troca comercial, o consumo e a sociabilidade que não se vê do caso de uma produção mais marcadamente “fabril”, na qual haveria uma separação estrita entre o produtor e o consumidor. Pelo contrário, o cotidiano em que se insere o balconista se baseia em uma série de trocas fugazes, porém rotineiras, que constroem certo vínculo entre ele e cliente, atuando na consolidação de uma clientela mais assídua.
A fala é, portanto, um instrumento de trabalho do balconista. E se a conversa é parte integrante do processo de produção, consumo e distribuição de mercadorias no balcão, conversar (este tipo de conversa, em particular) se conforma como algo que pode ser entendido como sua “propriedade” por excelência. É essa habilidade de atrair em torno de si uma clientela e de trabalhar as conversas de modo a conciliá-las com o restante do serviço que incentiva a permanência de certos balconistas em seus postos em meio a um fluxo de chegadas e saídas, tanto de clientes quanto de funcionários.
As possibilidades de conversar, afinal, são distribuídas de forma desigual entre os balconistas. Os novatos, nota-se, parecem perdidos em meio a muitas demandas simultâneas e sucessivas. Preocupam-se em atender os pedidos, obedecer aos gerentes, seguir o que lhes dizem os funcionários mais antigos. Se são mais ousados e buscam impor sua presença para “brilhar no balcão”, expressão utilizada por Marcos, os mais estabelecidos os tomam como alvo de maneira contundente, explicitando todo o teor depreciativo da categoria novato até que ele se enquadre em seu devido lugar.12 Eles não dominam, enfim, as possibilidades da fala e, com isso, reduzem suas capacidades de atuação nas relações do balcão, seja para conceber-se discursivamente de forma mais nobre na rede de relações internas, seja para desenvolver uma clientela “pessoal”, isto é, construir aquele hábito de freqüência e conversas em torno de si. Limitam-se à empatia, a olhares, sorrisos ou expressões faciais variadas, mais que ao uso de uma conversa mais articulada.
Marcos, por outro lado, domina essa habilidade. Desenvolveu um saber a respeito de quando, o que e como conversar, e com isso atrai individualmente uma clientela o procura, inclusive, para retomar algum assunto ou inteirar-se das novidades. Que o escuta e legitima, enfim, sua posição de chefia, compartilhando suas anedotas e suas elaborações com pessoas que a acompanham. Não se pode subestimar, tampouco, o lugar dessa construção de si no que se refere aos seus superiores, isto é, àqueles que decidem os destinos dos empregados da padaria. A conversa no balcão e o tempo de permanência em um cargo marcado por uma chamativa rotatividade se alimentam mutuamente, com todas as implicações já mencionadas a respeito da concepção de uma elite, nos termos nativos, ou de um grupo “estabelecido”, segundo a conceptualização sociológica.
É difícil precisar como essa arte da conversa se manifestaria concretamente e se atualizaria na prática dos balconistas. Ela está presente ao longo das conversas trazidas neste artigo, e sua importância é camuflada pela aparente banalidade de sua construção. Frases soltas, sem qualquer relevância aparente, comentários um tanto aleatórios entre os próprios balconistas que acabam envolvendo um ou mais clientes que, por acaso, ali estão naquele momento - trata-se de uma dificuldade que se reflete inclusive na esquematização dos dados e na escrita etnográfica, que requer certa coesão e coerência.
No entanto, como vemos em Goffman (1981), a comunicação nunca é um fenômeno isolado; ela propõe uma interação, e, mesmo no nível mais “instintivo” e “natural”, engendra um processo de arranjo da realidade em função do qual se define a configuração social da situação. Longe de ser algo dado e simplesmente “possuível”, um status ou uma posição social, também conforme autores como Becker, são antes o resultado de complexos processos de interação nos quais se constroem como relevantes determinadas características tidas como inatas às pessoas a que se referem ou dotadas de alguma significação intrínseca (Becker, 2008; Goffman, 1959).
Do ponto de vista interno aos balconistas, não se tratam de enunciações feitas em abstrato ou em uma outra situação (como uma entrevista formal a um pesquisador, por exemplo), e sim parte de todo um jogo ritual de conversas, provocações e fofocas nas quais sair-se bem, com humor se possível, é um aspecto importante. Essas pequenas situações e interações podem ser uma das principais fontes pelas quais que um pesquisador pode apreender seus dados e compreender aquelas relações de trabalho, mas é também ali que os próprios balconistas constroem essas relações para si. Ao invés de relegar esse tipo de conversa a meras anedotas sem importância, portanto, é preciso levar a sério a inclinação a se colocar em uma determinada relação com um cliente, um gerente ou com um outro balconista, pois assim se constrói um estado de coisas, uma configuração das posições e hierarquias entre os funcionários que tem conseqüências sobre aquela “realidade” na qual se inspira.
Por fim, cabe ressaltar, a distribuição desigual das possibilidades da fala não é sem conseqüências para a própria pesquisa etnográfica. Não é à toa que Marcão se tornou meu principal interlocutor: se aqueles que foram demitidos não possuem voz, senão como personagens na fala dos que ficam, e se os novatos dificilmente se expressam com tanta desenvoltura, não poderia ser outra minha fonte principal de dados. Resta ao pesquisador não apenas tentar obter os outros lados, mas sobretudo refletir sobre as condições de produção de sua pesquisa e buscar compreender, em cada contexto específico, como se dá essa distribuição e quais as suas implicações.
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Doutor em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional / Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisador do Núcleo de Antropologia do Trabalho, estudos biográficos e de trajetórias (NuAT). ancarrico@yahoo.com.br
Todos os nomes, sejam de pessoas ou de empresas, são fictícios.
A pesquisa à qual este artigo se refere foi orientada pelo Prof. José Sergio Leite Lopes no âmbito do curso de doutorado em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ. A tese resultante foi defendida em fevereiro de 2016 com o título Chapa quente: perspectivas etnográficas sobre o trabalho em padarias.
A dissertação foi defendida em fevereiro de 2011 com o título Segredos de profissão: notas etnográficas de um aprendiz de padeiro. Reflexões mais aprofundadas sobre o contexto em que foi desenvolvida a pesquisa e a importância da minha posição específica como pesquisador e aluno podem ser encontradas em Carriço, 2012, 2013a, 2013b e 2016c.
Ver, por exemplo, as reflexões que fazem a este respeito Mintz (1981) e Foote Whyte (2005).
Por outro lado, não se pode ser ingênuo a ponto de ignorar todo um trabalho envolvido na manutenção de uma freguesia, como veremos mais adiante, construída através de pequenas conversas e da consolidação de uma rotina dessas pequenas interações.
É importante reforçar que utilizo o termo “ilusões” sem qualquer conotação pejorativa, subvertendo de certa forma o sentido que lhe foi originalmente talhado por Bourdieu. O objetivo é levar a sério a fala de meus interlocutores, e as “ilusões”, aqui, se referem não a uma mentira ou algo enganoso, mas justamente às elaborações e sutilezas que a compõem, que acredito serem da maior relevância.
Outras padarias imprimem um controle muito mais rígido quanto a este tema.
Os valores citados nas conversas não podem ser tomados de forma literal. Tampouco há indícios de uma clivagem muito grande entre os salários dos balconistas, sejam mais antigos ou mais novos. Em outros momentos, esse valor foi colocado como R$ 1.400,00 e mesmo R$ 700,00, piso aproximado da categoria. Mais importante que averiguar o número “real” é observar sua variação conforme o efeito desejado no enredo construído em cada ocasião.
Destaco por exemplo, os muitos escritos de Michael Pollak sobre as narrativas de sobreviventes de campos de concentração, nos quais o autor discute as condições e possibilidades sociais da fala e da escuta (1989, 1990 e 1992, dentre outros).
Consegui finalmente uma experiência de trabalho como padeiro na Padaria Serrana, no início de 2015, muito por influência do próprio Marcão. Sobre essa experiência, ver Carriço, 2016a.
O quadro resumido aqui é mais complexo, na realidade. Um aprofundamento maior das condições de apropriação da lógica elite e novatos pelos próprios “novatos” foi esboçada em um texto apresentado no XI Congreso Argentino de Antropología Social e publicado na revista Theomai. (Carriço, 2016b)