Vol. 5 Núm. 9: Etnografías de lo digital: reflexiones y experiencias de campo multisituadas y (des) situadas

Castelos de pixels: prazer e erotismo no Second Life

Por RaIra Bohrer dos Santos 1

Bohrer dos Santos, Raira (2019). “Castelos de pixels: prazer e erotismo no Second Life”, Etnografías Contemporáneas, año 5, N° 9, pp. 137-158.

Resumen

Resultado de uma pesquisa etnográfica realizada no mundo virtual digital 3D Second Life entre os anos de 2012 e 2016, esse artigo perpassa questões metodológicas de etnografias em ambientes digitais e eróticos, aspectos sexuais e eróticos propiciados por esse universo online, práticas de bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo e as decorrentes relações hierárquicas entre dominadores e submissos, bem como as negociações que acontecem entre práticas sexuais e moralidades nas comunidades destinadas a essas sexualidades no universo online. Analisei diferentes sociabilidades BDSM e, como resultado, identifiquei cinco categorias, entre elas “Comunidades e estilos de vida”, “Sociabilidades pedagógicas”, “Clubes e mercado erótico”, “Ambientes liberais” e “Praticantes independentes”.

Palavras-chave: Etnografia digital, internet, Second Life, sexualidade, BDSM

Castillos de pixels: placer y erotismo en Second Life

Resultado de una investigación etnográfica realizada en el mundo virtual digital 3D Second Life entre los años de 2012 y 2016, este artículo atraviesa cuestiones metodológicas de etnografías en ambientes digitales y eróticos, aspectos sexuales y eróticos propiciados por ese universo online, prácticas de bondage, disciplina, dominación, sumisión, así como las negociaciones que se dan entre prácticas sexuales y moralidades, en las comunidades destinadas a esas sexualidades en el universo online. Analicé diferentes sociabilidades BDSM y, como resultado, indentifiqué cinco categorías, entre ellas “Comunidades y estilos de vida”, “Sociabilidades pedagógicas”, “Clubes y mercado erótico”, “Ambientes liberales” y “Practicantes independientes”.

Palabras clave: Etnografía digital, Internet, Second Life, Sexualidad, BDSM.


Castles of pixels: pleasure and erotism in Second Life

Abstract

This article is the result of ethnographic research carried out in virtual digital 3D world Second Life between the years 2012 and 2016. The focus is on methodological ethnographic questions in digital and erotic environments, and on sexual and erotic aspects in the context of online milieu, bondage practices, discipline, dominance, submission, sadism and masochism and the hierarchical relations between dominants and submissives. Furthermore, I focus on the the negotiations that happen in between sexual practices and moralities in the communities that engage in these practices online. I have analyzed different BDSM sociabilities, as a result, five established categories were identified, among them “Community and Lifestyles”, ‘Pedagogical Sociabilities”, “Erotic Clubs and Market”, “Liberal Environments” and “Independent Practitioners”.

Keywords: Digital Ethnography, Internet, Second Life, Sexuality, BDSM

 

Recibido: 1 de febrero 2019

Aceptado: 9 de abril 2019

 

Apesar de ter conhecido o fetichismo por meio de literatura e festas temáticas, meu primeiro contato com o acrônimo BDSM – a saber, Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo –, aconteceu ainda na graduação, quando dei início a uma pesquisa etnográfica no Mundo Digital Virtual 3D (MDV3D) Second Life. Nesse universo online interagi com grupos de usuários, que no ambiente, são adeptos de práticas englobadas pelo BDSM. Ao longo do trabalho de campo – de 2012 a 2016 –, percebi um discurso muito rígido sobre a necessidade do BDSM ser uma prática bastante controlada e racionalizada, posto que as práticas devem ser regidas por contratos e regras muito claras e consensuais, evitando interações que escapem deste controle.

Ao notar transbordamentos afetivos em relacionamentos sadomasoquistas dentre sujeitos dessa pesquisa, percebi a necessidade da compreensão de relações que se formam entre a rigidez e o controle exigidos pelo meio BDSM e o envolvimento emocional crescente, consequente da criação de laços com os parceiros. Essa perspectiva originou a dissertação Castelos de Pixels: Relacionamentos BDSM no mundo digital virtual 3D Second Life2.

O Mundo Virtual Digital 3D (MDV3D) Second Life é um dos mais populares mundos virtuais, com cerca de um milhão de contas ativas e inúmeras possibilidades de criação, dado que praticamente tudo que há neste universo é criado livremente pelo usuário. Dos fenômenos sociais intrigantes neste ambiente, se destacam sexualidades e afetividades, visto que grande parte dos residentes3 procura o mundo para buscar satisfação sexual e amorosa. Por sua característica de criação – seja do ambiente, objetos e personagens (avatares 3D) –, o ambiente expressa grande potencial de elaboração da imaginação e fantasia, possibilitando a criação de uma “segunda vida”, com o anonimato completo do usuário4. Distante da convergência identitária das redes sociais, o Second Life, em decorrência da divergência identitária (Ramos, 2015), possibilita ambiente propício para experimentações de si (Leitão; Gomes, 2018). Nesse sentido, o universo digital que compõe o ambiente de pesquisa, é capaz de comportar subjetividades, construções identitárias, corporalidades, sociabilidades, eroticidades que expandem as possibilidades da vida offline. Suscita, portanto, diversas aprendizagens sociotécnicas e elaborações de si.

Nesse artigo procuro desenvolver a questão metodológica acerca de contextos digitais e eróticos, bem como os desdobramentos das comunidades BDSMers5, que produziram diferentes cenários de sociabilidades divididos em grupos e locais de práticas, aprendizagens, comércios, e vivência do estilo de vida, além da produção de novas sociabilidades fetichistas em decorrência das especificidades deste ambiente digital, deixando pouco espaço para os marcadores da diferença6, tendo em vista que os sujeitos acessados durante o trabalho de campo, expressavam muito mais o prazer de experimentar no ambiente e menos as problemáticas do ser.

Tais questões se fazem imprescindíveis devido 1) à necessidade de desmistificar limitações, e reforçar possibilidades e estratégias para trabalho de campo nesses contextos, incluindo reflexão sobre a subjetividade do pesquisador em campo; 2) ao fato do meio BDSM ser baseado em uma série de normas que visam o controle e a racionalização das interações em contraste com o potencial criativo da plataforma Second Life (SL), pois mesmo com um código de conduta tão rígido, as práticas englobadas pelo BDSM no Second Life demonstram transcender àquelas tidas como legítimas nas comunidades estabelecidas de BDSM na Real Life7 (RL); 3) ao potencial de criação e experimentação do mundo virtual, para realizar fantasias e transformações subjetivas nos sujeitos.

Etnografando em contexto digital e erótico

Já é noite, clico no ícone do Viewer8 para me conectar ao Second Life, procuro por algum dos meus contatos online e, em todo caso, quero visitar os lugares nos quais provavelmente encontrarei ação. Há alguns dias, lendo as mensagens deixadas em grupos de BDSM, percebi como o uso que deles é feito poderia ser útil para minha busca por mais residentes interessados em conversar comigo e me levar para seus mundos. Os grupos, muitas vezes, são usados como murais, classificados em que residentes buscam ou oferecem “serviços” de dominação e submissão, entre outras atividades fetichistas. Interessada na dinâmica que o grupo permite, havia deixado uma mensagem sobre minha busca enquanto pesquisadora e posteriormente passei a acompanhar o perfil de alguns residentes que postavam no grupo, deixando mensagem para aqueles que eram mais ativos e autodeclarados praticantes de BDSM.

Decido revisitar um local dedicado ao BDSM e Femdom. Cheguei à land (local/ilha) da Dominion Femdom e encontrei um grupo de mulheres dominadoras conversando, enquanto um homem vestindo uma fantasia erótica de empregada doméstica usava uma máscara que mais parecia a cabeça de um porco, ele andava de quatro pernas/patas entre elas. Observei a situação, lembrando que já a tinha visto em outros momentos, o mesmo servo com cabeça de porco. Foi então que piscou uma janela de bate-papo. Era Bella, nosso primeiro contato.

Bella gosta de conversar, nosso diálogo se desenrolou até a madrugada. Estávamos nos conhecendo e aproximando, ela falava sobre suas escravas. Perguntei se estava com elas naquele momento, sua resposta foi em forma de convite para conhecê-las pessoalmente, me enviando um link de teletransporte (TP)9. Cheguei em Puerto Esclava em um barco ancorado e caminhei até um terreno arenoso, onde, por alguns minutos vi tudo sem forma. As imagens estavam carregando e eu não fazia ideia do que me esperava10. Não sabia se estava indo para um lugar privado, ou para um clube, praia, etc. Aos poucos os residentes foram tomando forma e pude perceber que o local era semelhante a uma praça na beirada de um porto. Bem em meio à praça estava uma jaula alta, algumas poltronas e lojas em volta, Miss Bella estava em pé, ajoelhadas aos seus pés duas escravas.

Puerto Esclava estava cheia de residentes, grande maioria praticantes de BDSM. Em certo momento fui abordada por Pablo, que procurava uma residente para se relacionar com ele. Me disse que queria ser “daddy”, engajar-se em cenas/jogos de ageplay e incesto, nos quais eu seria sua filha, babygirl. Sem aceitar ou negar, o indaguei sobre como seria e seguimos conversa por um tempo.

Seguindo a lógica do Second Life, eu conversava com Bella no chat privado, observava o chat local onde todos trocavam mensagens entre si, respondia outros residentes pelo chat privado, presentes ou não na ilha. Já se passava das quatro horas da manhã, disse a Bella que precisava dormir, estava muito cansada. Ela prontamente respondeu que eu perderia toda a ação, e continuou “susy e vylan adoram ser humilhadas, apanhar em publico, dentre vários outros tipos de humilhação, basicamente o que vc vai ver agora é uma das maneiras que uso para chamar a atenção das pessoas para elas, para elas se sentirem envergonhadas”.

Nesse momento o Chat Local havia chamado minha atenção. Miss Bella estava humilhando publicamente suas escravas. Logo outros(as) dominadores(as) começaram a participar incentivando Bella e reforçando as palavras de ordem e humilhações, enquanto a Miss usava seu chicote nas submissas. As humilhações se concentravam em críticas ao corpo e incapacidade das escravas de serem disciplinadas. A cena se desenrolou até Bella exigir que uma delas lhe fizesse sexo oral. Bella, apesar de seu corpo muito feminino, desnudou um grande pênis. Quando lhe perguntei se ela se dizia transexual, ela confirmou e logo completou “shemale”, mas reiterou que isso era o menos importante e que o “pênis servia melhor às suas escravas do que qualquer mordaça”. O diálogo se desenrolava em inglês, apesar de haver muitos brasileiros na ilha. Bella havia me falado mais cedo sobre não se relacionar com brasileiros, porque segundo ela, esses procuravam apenas sexo enquanto performance dos avatares e não tinham qualidade criativa na escrita e narrativas. Uma boa cena de BDSM deveria, em sua concepção, “ir além das animações dos avatares, criar uma atmosfera, narrar, excitar com as palavras”. Fazer com que aquelas performances entre os avatares realmente produzissem prazer aos presentes.

Além de observar a cena, fiquei atenta à recepção por parte dos outros residentes, tudo parecia tão sereno quanto antes, possivelmente muitas conversas se desenrolavam no privado. No chat local, mensagens de todos aqueles que participavam da cena, entre algumas conversas entrecruzadas. (Diário de campo, Junho, 2015)

Em meados de 2012 fiz a conta no site do Second Life e fui direcionada a escolher um avatar entre doze disponíveis11, uma representação digital pronta e vestida. Fiz download do programa sugerido – Viewer - no site12, instalei, abri e loguei, senti que já fazia parte de um aprendizado sociotécnico que abrangia o uso das ferramentas da plataforma e suas funcionalidades. Desde a edição do corpo do avatar, como a possibilidade da busca de locais, grupos e outros usuários, até o uso das ferramentas de bate-papo, voz e transporte entre os locais.

O fazer etnográfico em um mundo digital virtual tridimensional impõe desafios bastante específicos, desde a reflexão sobre ir a campo, o “estar lá” (Leitão e Gomes, 2011), discussões sobre o ambiente, a produção de presença e as estratégias etnográficas que devem ser desenvolvidas no contexto estudado. Boellstorff (2012) defendeu a construção de uma Antropologia Digital, se baseando na antropologia, como uma técnica para investigar o online, que permite abordar o objeto de estudo em seus próprios termos, e não como um derivado do offline. Considerando que o Second Life é uma plataforma virtual 3D de interações com base na representação visual corporificada tridimensional – o avatar –, (Guimarães Jr., 2004), a presença corporificada nesta comunidade online,é preceito básico para existir e interagir no ambiente.

Ao acessar o mundo, era apenas eu e meu alterego pesquisadora – representada pela imagem 3D da avatar Rita – e meus “nativos” em suas ilhas (locais e grupos). Eu poderia deslogar a qualquer momento, assim como os outros residentes. No ano 2000, Hine já alertava que a presença em campo não poderia ser descartada por se tratar de pesquisa em ambiente online, ao contrário, a presença do pesquisador é fundamental, assim como o profundo compromisso com a vida cotidiana dos habitantes desse campo. Criar um avatar vai além de escolher uma representação semelhante de si entre os avatares predispostos no site como um instrumento de pesquisa. É, para além, a construção de uma identidade e biografia, assim como a construção de sua aparência, aspectos que serão modelados de acordo com a convivência no ambiente, com outros residentes e em diferentes locais, especialmente em ambientes destinados às práticas fetichistas.

A elaboração e singularização do avatar, bem como a rotina de pesquisa foi de suma importância para que se tornasse possível entrar em contato com residentes. A cada contato era direcionada a diferentes espaços ou levada a refletir sobre meu lugar no ambiente. Em uma das minhas visitas a locais adultos, mais precisamente em um local denominado “Clube do Sexo”, fiz os primeiros contatos que tiveram grande relevância para a reflexão sobre o papel central do avatar nesse universo. Alguns residentes disponibilizaram ajuda para encontrar praticantes de BDSM, mas alertaram que eu deveria repensar minha aparência, pois não lhes parecia atraente. Ao questionar em que aspecto deveria melhorar a aparência de Rita, obtive como retorno não só dicas estéticas, mas também de como a avatar deveria ser uma parte de mim, como um alterego, provido de personalidade. Rita parecia comigo, usando óculos de grau, calça jeans, sapatilha, cardigan petit poá. Segui boa parte das sugestões e, por fim, Rita estava mais magra, usando roupas de látex e cabelos lisos compridos. Os óculos permaneceram e se tornaram um acessório essencial para debates sobre minha personagem pesquisadora.

Elaborei um perfil com uma foto de Rita, no qual explicava o interesse como pesquisadora em um pequeno parágrafo: “Interessada na “first” e “second life”, amizades e antropologia. Pesquisadora na área de cibercultura, sexualidade e emoções. Principalmente relacionamentos BDSM. Quer me ajudar? :)”. A descrição teve grande repercussão por possuir uma versão em inglês, mencionar relacionamentos e ainda por fazer uso de um pedido de ajuda que produziu certo impacto nos residentes, que imediatamente iniciavam diálogos por meio de frases como: “como posso te ajudar?”, “de que tipo de ajuda precisa?”, entre outras abordagens. Ainda que meu interesse por suas “first lifes” não tenha surtido efeito, questão que me fez refletir sobre o Second Life como um ambiente de divergência identitária, anonimato e experimentação.

A convivência com outros residentes que conhecia em grupos ou locais que visitava contribuiu definitivamente para a imersão no ambiente, pois era por meio dessas conversas informais que eu me sentia – e me tornava – parte do mundo. Vivendo em uma lógica espacial e temporal diferente, por vezes esquecia que estava em frente a uma tela, e me sentia na “pele” de Rita. Tornar-se residente enquanto pesquisadora, não com a finalidade de tornar-se nativa, mas de fazer parte dessa vizinhança a ponto de reconhecer seus rituais e costumes, significa estar, assim como eles, envolvida em diferentes esferas que constituem o ambiente de sociabilidade virtual (Guimarães Jr, 1999), isto é, não apenas frequentar o Second Life, mas também as redes sociais, blogs, fóruns e sites que fazem parte da rotina do grupo estudado.

O contexto estudado, de práticas sexuais dissidentes, exige muita reflexão sobre como estar situada (Geertz, 2008), e até que ponto fazer parte dessas interações enquanto observadora participante. Isso porque afetar-se em campo é tema bastante debatido na antropologia e requer uma análise bastante específica do grupo estudado. Segata (2008) ao pesquisar salas de bate-papo destinadas a temática sexual, escolheu um apelido com o qual apenas observaria. O apelido “Apenas Olhando”, em cor cinza, poderia ter sido uma forma de não ser inserido nas práticas sexuais do bate-papo, já que em outro momento a escolha da cor vermelha fez com que fosse considerado “com fogo” pelos participantes. Porém, ao imaginar estar camuflado, estava na verdade, na visão dos interlocutores, participando como vouyeur. Braz e Moraes da Silveira (2013) também problematizaram a participação sexual do antropólogo em campo. Ao relativizar a noção de sexualidade do “nativo”, os autores demonstram que, mesmo em nossa intenção de não participar das práticas, podemos ser englobados pelos interlocutores em suas próprias categorias de práticas sexuais. Barreto (2017) em pesquisa sobre festas de orgia para homens, também enfrenta o dilema, ao perceber que o pesquisador se torna também um personagem, afinal a “pesquisa exigiu que o principal recurso utilizado fosse o próprio corpo do pesquisador”, tornando a etnografia mais proveitosa ao evitar postura de “neutralidade científica”.

Suas experiências impulsionaram a reflexão sobre meu papel de pesquisadora em campo. Como meus interlocutores me viam? Ao revisitar os diários de campo notei que algumas vezes fui tratada como pesquisadora vouyeur, fazia parte da cena, me tornei personagem. Ao permanecer observando os ambientes de prática de BDSM fui provocada e também recebi investidas para participar das cenas, e por fim, meus interlocutores brincavam com o fato de eu preferir apenas observar e conversar sobre suas sexualidades, enquanto eles sentiam-se instigados sexualmente por nossas conversas.

Minha imersão em campo realmente começou quando Master Z, um dos interlocutores mais próximos, considerou que eu deveria passar por uma experiência de dominação e submissão (D/S), uma cena elaborada por ele. A primeira reação foi negativa, pois temia que a experiência pudesse prejudicar a interpretação dos fatos, sentia-me em um dilema. Estava iniciando o campo e acreditei ser um processo que não me afetaria, pois as punições seriam no corpo de Rita. Aceitei, após negociações, que durante quinze minutos participaria da relação D/S, em que eu seria a submissa, com a finalidade de compreender melhor as afetividades envolvidas. A intensidade desses minutos marcou o início do entrelaçamento do meu corpo biológico com o corpo digital. A afetação nesse contexto envolveu não só o enlace entre Rita e eu-pesquisadora-usuária, mas também o impacto psicológico das relações d/s e sadomasoquistas, gerando certa preocupação sobre até que ponto eu poderia permitir envolvimento.

A experiência afetou minha compreensão do campo como etnógrafa, pois temos nossas próprias representações (Favret-Saada, 2005), tornando Rita parte de mim, me tornando parte dela, processo que me fez perceber a intensidade de afetos vividos nesse universo digital. Foi nessa condição de estar afetada que pude construir minha observação do campo, como reforça Goldman:

Basta que os etnógrafos se deixem afetar pelas mesmas forças que afetam os demais para que um certo tipo de relação possa se estabelecer, relação que envolve uma comunicação muito mais complexa que a simples troca verbal a que alguns imaginam poder reduzir a prática etnográfica. (2005:150)

Minhas estratégias para enfrentar essas questões, a fim de não deixar o projeto de conhecimento se perder, foram manter um perfil explícito sobre meu papel enquanto pesquisadora e sempre me apresentar detalhadamente ao iniciar diálogo com um novo interlocutor. Por fim, tomei como inspiração o jogo de cintura (Meinerz, 2007) em campo, tratando os jogos de sedução como estratégia para apreender e explorar o modo como as parcerias se constituíam.

Aspectos eróticos e fetichistas

Para compreender as relações sexuais, amorosas e fetichistas nesse universo online, é preciso compreender aspectos sociotécnicos específicos, sem os quais não faria sentido apresentar os resultados de pesquisa. Para Waskul (2003), a internet é um contexto desprovido de materialidade corpórea, mas como o sexo requer um corpo, os participantes evocam um. São fragmentos reunidos para servir de conteúdo a este corpo digital na busca por relações amorosas e sexuais através da construção de corporalidades que ampliam o corpo orgânico. Texto, imagem, vídeos, construção e transformação de avatares. As interações entre os usuários no universo online Second Life são visuais e narrativas, combinação enfatizada nas interações sexuais, portanto de grande relevância enquanto mediadores eróticos das relações.

Alguns interlocutores fazem uso, inclusive, de diferentes avatares para que possam incorporar diferentes afecções. O uso de avatares alternativos é comum para práticas sexuais, e a escolha dos corpos transita entre sexos, gêneros, papéis d/s. As ferramentas de criação disponibilizadas para o usuário são vitais para a compreensão da aparência do avatar, pois no momento de criação no site, além de opções restritas, os avatares disponíveis seguem certos padrões que não diferem muito da RL. Peles, corpos, roupas, sapatos, cabelos, genitálias, entre outros, utensílios criados e vendidos pelos residentes dentro do mundo ou no marketplace13, geram grande influência visual para a escolha dos parceiros.

Sobre o aspecto narrativo, a principal ferramenta é a escrita no bate-papo em detrimento do uso da voz por meio da ferramenta Voice, relativamente nova no Viewer. Poucos residentes utilizam voz, que em certos locais é apenas mecanismo de verificação identitária, explicarei adiante. Outro aspecto relevante é a qualidade da escrita e envolvimento do usuário nessa tarefa, tendo em vista que as práticas sexuais online exigem dedicação e criatividade, como elementos propiciadores da imersão. Esta qualidade é bastante evidenciada pelos residentes e adeptos de práticas sexuais online, assim como a aparência e qualidade dos utensílios do avatar. Ambos aspectos são fundamentais para a performance do residente.

Para a interação sexual ser completa, os residentes fazem uso da narrativa e dos scripts de movimentos e posições sexuais entre avatares. Normalmente esses scripts são animações programadas em objetos como camas, cadeiras, animais14, mesas entre outros aparelhos destinados às práticas mais específicas de BDSM. Neste contexto de interação sexual, acessórios como genitálias, roupas fetichistas, coleiras, toys, chicotes, strap-ons, tem grande relevância. Os avatares disponibilizados pela Linden Lab15 são desprovidos de genitálias, tornando-se necessária a criação, compra e venda pelos próprios residentes, para anexar ao avatar e interagir sexualmente16, engendrando um mercado erótico.

Nas diferentes práticas englobadas pelo BDSM no Second Life, há uma diversidade de representações, dominação, submissão, dinâmicas de disciplina, imobilizações, castigos, ou então os que exigem também a penetração – seja com pênis, brinquedos, plugs, punho – vaginal, anal ou oral, como parte da performance, mantendo a centralidade do sexo genital17. Há também os que sentem necessidade de provocar ou se submeter a dor e violações, humilhações e violências físicas severas, podendo chegar à morte e canibalismo.

Existem formas variadas de excitações eróticas através de disciplina, punição, humilhação e dor. As mais recorrentes em minha pesquisa foram spanking, como me explicou Master Z “a arte de bater e/ou apanhar”, prática que também pode ser interpretada como castigo/punição por indisciplina. Bem como castigos utilizando instrumentos e utensílios de tortura, entre eles, chicotes, açoites, e máquinas que remetem às práticas medievais de tortura, com finalidade de causar dor e excitação para os participantes desses jogos eróticos. Dominação e imobilização através de cordas, algemas, braçadeiras, camas de látex são bastante recorrentes, assim como o uso de coleiras nos submissos. Disciplina e obediência em público, em clubes e através do chat aberto são práticas frequentes. Seguir ordens, mesmo as consideradas absurdas pelos servos, como ser obrigado a fazer sexo com animais, ou então assistir o Mestre ou a Dominatrix ter relações sexuais com outras pessoas e limpar os fluidos que permanecem em seus corpos, prática referida como cuckold e definida pelo interlocutor Cuckold Slave como o “prazer de ser corno”, entre outras. E há também a humilhação verbal, muito importante para os adeptos, principalmente através da qualidade da escrita como narrativa dos eventos sexuais. Assim como para um dominador o prazer está ligado a punir, humilhar, machucar, para o escravo o prazer está em ser humilhado, pisado, amarrado, disciplinado e obedecer incondicionalmente seus mestres.

O viewer que possibilita a entrada no mundo virtual apresenta uma ferramenta bastante utilizada no meio BDSM, denominada RLV (Restrained Life Viewer). É um mecanismo que possibilita que outros usuários/residentes possam controlar a experiência do avatar com qual interage, satisfazendo o prazer que o dominador sente em controlar o escravo, e do escravo em estar sob controle. Há dominadores que exigem a senha da conta no SL de seus escravos, a fim de fazer modificações na aparência dos avatares e também gerenciar os contatos.

Outro aspecto que se fez evidente em minha pesquisa é o compromisso que os praticantes de BDSM têm com a consensualidade e segurança também nesse universo online, o SSC (São, Seguro e Consensual) e uso de palavra de segurança, safeword, deixando claro que todo o jogo faz parte de representações combinadas previamente, que satisfaçam ambas as partes, pois há “um conjunto de normas que o potencial praticante deve seguir: identificar seus desejos e fantasias; encontrar o parceiro; negociar a cena; procurar o local adequado pra ela; escolher a posição e os personagens; cuidar da saúde e da segurança” (Gregori, 2016: 153). Facchini (2012) faz uso da noção de comunidades imaginadas, de Benedict Anderson, para dar conta da formulação ou construção das comunidades possibilitadas por sentimentos de fraternidade ou comunhão e lutas político-identitárias. Nesse mesmo sentido analisei o meio BDSM no Second Life e as comunidades que se estabelecem dentro do universo.

É necessário ter em vista que essas divisões não excluem a transição de sujeitos entre os diferentes grupos, mesmo porque a possibilidade de mudança identitária é bastante evidente, não só pela possibilidade de transformações no avatar de um usuário ou utilizações de outros avatares alternativos, mas também porque os residentes, por vezes, transitam entre gostos e práticas e, portanto, grupos, comunidades e ambientes.

Comunidades e Estilos de Vida

A Dominion Femdom se mostrou muito mais que uma ilha com atividades de dominação feminina, FemDom. Não apenas leilões de escravos, festas e humilhações públicas ocorrem no local, além de encontros e reuniões entre dominadoras para conversar e debater sobre o estilo de vida, suas possibilidades, regras, boa conduta entre os participantes, responsabilidades. Como fica explícito nas normas de boas-vindas entregues a todos os visitantes do local, existem regras de convivência que são elaboras e reelaboradas por seus membros e participantes assíduos. Normas de boa convivência, mas também pedagogias de como ser uma Mistress, Lady, Domme, e disciplinar seus escravos.

Encontros, aulas e palestras são recorrentes, tanto para ensinar a arte da dominação como a de submissão. As constantes reuniões e negociações das regras de conduta remetem à luta por legitimidade que desenvolveu durante décadas um estilo de vida elaborado e bastante controlado por normas, reflexo de comunidades que, ao logo de décadas, lutam contra a patologização de seus interesses eróticos e sexuais. A revolução sexual do século XX trouxe consigo uma noção de luta identitária de comunidades com agenciamentos sexuais específicos. Surgem desse contexto, além de movimentos feministas e LGBTQI, as comunidades BDSM. Durante as transformações sexuais ocorridas nos últimos séculos, bem como a sexualidade entendida como parte da construção do sujeito, o termo “sadomasoquista” foi positivado por uma comunidade autodeclarada enquanto praticantes de BDSM. Conforme Facchini e Machado (2013: 199), “tais contornos são delineados pela articulação entre práticas eróticas [...] e a adesão a um rígido conjunto de regras relacionadas à sanidade, à segurança e à consensualidade”. Os “grupos tem o cuidado de, em suas palestras e workshops, divulgar a necessidade de práticas SM se darem em meio a um contexto de segurança, devendo ser estruturado a partir da negociação e comunicação entre as pessoas envolvidas” , além disso “há o esforço de tornar o sadomasoquismo uma alternativa erótica aceitável, a partir de uma retórica que salienta o jogo consensual entre parceiros que brincam com conteúdos e exercícios, ligados às posições de dominação e de submissão” (Gregori, 2016: 151). A internet facilita o contato entre pessoas com interesses afins, no caso do BDSM, existem sites e blogs direcionados para a temática, seja através de contos, fotografias, e/ou manuais.

Um mapeamento na Internet demonstra que existem textos disponíveis sobre o BDSM em diversos formatos: artigos dissertativos com ou sem referências bibliográficas, notas e notícias jornalísticas, comentadas ou não, contos, poemas, histórias e outros. Contudo, há um formato mais específico que concentra o conteúdo da legitimação do BDSM e que pode ser considerado como um “manual”. (Zilli, 2010: 484)

Assim como defende Zilli, para Gregori (2016: 152) “o texto dos manuais tenta legitimar o SM, empregando o argumento de que o jogo de poder é central na imaginação erótica”. No mundo virtual, algumas comunidades criam seu próprio meio de divulgação e demonstração de normas e regras, dispondo de materiais semelhantes a manuais, discursos que buscam legitimação das práticas. Muitas das regras básicas que permeiam a comunidade BDSM são reestruturadas no Second Life a fim de se adaptar ao aparato sociotécnico do universo.

Percebi a divulgação de normas no momento em que entrei na Dominion e recebi mensagens com as regras de boa conduta para fazer parte dessa comunidade. Foi através desses notecards18 que tomei conhecimento de outra sigla utilizada no meio sadomasoquista online, RACK diz respeito à consciência do risco, ainda que as dominadoras que gerenciam a ilha também fazem uso do SSC em suas regras. Além de regras já conhecidas no BDSM, algumas normas acerca das práticas e dos usuários e avatares são elencadas, como por exemplo: é proibido que um usuário homem utilize uma avatar feminina na tentativa de frequentar a ilha como Mistress, Lady ou Dominatrix, nesse caso é feita verificação por voz, idade e gênero podem ser comprovados através dessa ferramenta, aproximando as identidades offline e online. Também proíbem a utilização de avatares que representam crianças. Outro aspecto relevante é a proibição de sexualidades tabu, como a pedofilia, incesto, o sexo genital público e explícito, a prostituição e a pornografia. Sexualidades que ameaçam a busca por legitimidade. Disponho aqui as principais regras oferecidas para os visitantes ao entrar na Dominion:

1. The Dominion is a real FEMDOM, owned and run by real life women. Women Rule. Male and female submissives are welcome.

2. The First Mistress has the final say in all matters.

3. No male domination. This includes RL males in female avatars. (Nota de campo, Março, 2014)

Nos itens 1 e 3 é esclarecido que a The Dominion Femdom é gerenciada não só por avatares femininos, mas por mulheres na Real Life, sendo as dominadoras exclusivamente mulheres. Portanto homens em avatares femininos não são aceitos como dominadores. Essa é uma regra fundamental do Femdom adaptada para o mundo virtual digital.

4. All males and female submissives must kneel. Do not sit on furniture, walls, ledges or other surfaces. (Nota de campo, Março, 2014)

Outra adaptação do BDSM/Femdom para o aparato sociotécnico está relacionada a como se portar enquanto escravo neste universo. A regra no item 4 de não sentar em objetos como móveis, paredes, não está somente relacionada com a necessidade de o escravo manter-se ajoelhado, mas também com a gestão do aprendizado técnico e social para existência enquanto residente. É, portanto, comum encontrar uma gama de regras comportamentais e técnicas ao adentrar em outros locais e ilhas que não são necessariamente destinados à sexualidade.

5. Males and female subs must address all dominant women with their preferred title (Lady, Miss, Domina, etc. Ladies please note owned subs may have certain titles reserved for their owner.). Ask permission to IM a Lady in public chat. (Nota de campo, Março, 2014)

O item 5 demonstra a dinâmica do uso do chat privado versus chat local, com a visível intenção de manter respeito à hierarquia e aos interesses das dominadoras, assim como a possibilidade ou impossibilidade de uma sociabilidade erótica pública.

6. Subs must not kneel at a Lady's feet without her permission. Do not repeatedly offer yourself or make a nuisance of yourself.

7. Subs must not be nude or engage in sexual acts in public unless instructed by a Mistress in his or her company. Ladies, if you wish to leave your sub nude on sim as part of a punishment, please notify a staff member.

8. No prostitution or financial domination. Please remove tags or titlers referring to such.

9. No child avatars. Whether or not an avatar appears to be adult is at the discretion of our staff. (Nota de campo, Março, 2014)

Itens 7, 8 e 9 demonstram algumas regras de comportamento em relação ao sexo. Evitar atividade sexual explícita, ainda que faça parte de uma punição, deve ser notificada e previamente autorizada, item 7. A não autorização de prostituição ou trocas sexuais com incentivos financeiros é evidenciada no item 8. E por último, no item 9, a proibição do uso de avatares infantis, isto é, da representação de crianças, mesmo que seja por adultos. Para as dinâmicas de ageplay, se escolhida uma idade menor de 18 anos para a cena, a representação deve se dar através de acessórios, roupas e encenação, mas o avatar deve ser de um adulto.

Ainda que a prostituição e dominação financiada sejam proibidas aos membros, bem como a explicitação desses serviços no perfil ou nickname, algumas formas de serviços em troca de dinheiro são institucionalizadas, como o leilão de escravos. A atividade que parece contraditória às regras da Dominion é um de seus cartões de visita. Os escravos são colocados em leilão por suas donas, estipulando valores e identificando qualidades que são expostas publicamente e pretendem justificar os valores financeiros a serem investidos. São as donas, portanto, que recebem o investimento financeiro de outras dominadoras.

O leilão de escravos é uma forma de valorizar os escravos de acordo com suas qualidades, mas serve também como um rito, uma humilhação coletiva. Enquanto um escravo é colocado para leilão em um pedestal, dominadoras sentadas em suas poltronas confortáveis, prazerosamente observam. O que destaco é o prazer obtido da possibilidade da compra de um escravo e dos desfrutes das praticas BDSM que essa aquisição possibilitaria, bem como o prazer evidente da humilhação coletiva dentro de uma relação que erotiza a vexação pública do submisso. O leilão é a cena principal da qual podem decorrer outras cenas e sessões D/S entre dominadoras e escravos adquiridos.

10. No weapons or meters, except those appropriate to Dominion role playing events. Traditional toys (crops, whips, canes, etc.) are not considered weapons.

11. Do not interrupt any scene without invitation or interfere with a Lady dealing with her own submissive.

12. Dommes please respect collars. Do not play with or punish owned submissives. Address any problems to his or her Mistress and to our staff if necessary.

13. All play must be consensual and a "NO" from any party is to be respected. The Dominion enforces the principles of both RACK (Risk Aware Consensual Kink) and SSC (Safe, Sane and Consensual).(Nota de campo, Março, 2014)

O item 12 remete à consideração aos compromissos entre dominadoras e escravos como regra de boa convivência, assim como respeito aos contratos entre dominadoras e servos. O item 13 faz referência aos cuidados com riscos, consensualidade e sanidade, como mencionado anteriormente, por meio do SSC e RACK. Pode-se notar como os “manuais” online de BDSM estão sendo adaptados e em formato de nota de boas-vindas informam aos residentes interessados em frequentar o ambiente como podem e/ou devem agir.

Poucos locais exigem a verificação por voz19. Nesse caso, servem como forma de controle para que crianças não tenham acesso ao conteúdo adulto, e para que em práticas de dominação feminina, um usuário homem não use avatar feminina para dominação. O uso do Voice é portanto fator que aproxima os residentes dos usuários em termos de convergência identitária, nessa comunidade. Também, diferente de outros locais BDSM dentro do universo online, se aproxima do ideal de controle, contenção de riscos, seguindo regras e protocolos, manuais, negociações, e toda racionalização das mais articuladas comunidades do meio BDSM.

Sociabilidades Pedagógicas

Escolas para submissos ou dominadores e clubes voltados a uma pedagogia sexual são facilmente encontrados no mecanismo de pesquisa do Viewer, oferecem o ensino do BDSM como conjunto de práticas, estéticas e normas e produzem ambientes de sociabilidade direcionados ao aprendizado, alguns dos locais conhecidos foram BDSM School of Submission, House of Young Domme e BDSM School for subs and Dominants. Essas escolas transmitem um discurso baseado na classificação do que é consensual e aceito enquanto prática legítima de BDSM. Tais discursos vão em direção à teoria foucaultiana de controle das agências sexuais através de uma pedagogia sexual, discursos pedagógicos, responsáveis pelo aprendizado sexual.

Bozon (2004) aponta para uma estruturação, a partir da noção de scripts sexuais, do imaginário sexual dos grupos, relacionamentos e indivíduos, na medida em que permitem identificar, interpretar e estabilizar os conhecimentos e práticas sexuais. Um exemplo bastante evidente da transformação do imaginário erótico dos grupos é a pornografia, que tem um papel fundamental na elaboração de scripts sexuais. O que precisa ser levado em consideração, é que as sociabilidades possibilitadas por esse mundo virtual, podem reelaborar os scripts sexuais a ponto de transformar as práticas de BDSM dentro do mundo em dramaturgias distintas do que conhecemos em termos de fetichismo e sadomasoquismo.

A sexualidade é aprendida, a hipótese de Foucault (2013) é que, a partir do século XVIII, ocorre uma proliferação de discursos sobre sexo, que redirecionam o curso das práticas sexuais. Esse apontamento pode ser pensado também como a formação de diferentes scripts sexuais. Destacam-se aqui pesquisas médicas e experiências voltadas à compreensão da sexualidade humana e, em decorrência de tais experimentos, aulas de educação sexual. Atualmente a pornografia pode ser apontada como mais uma forma de pedagogia sexual. Para Leite Jr. (2006: 15), “mais do que liberar a fruição dos prazeres, a pornografia legalizada explicita uma padronização dos desejos e uma domesticação dos corpos talvez nunca encontradas antes”. Se a ciência subdividiu o gozo sexual em doente e saudável, a pornografia proporcionou subdivisões dentro das próprias pro-duções, “conhecidas como bizarra, sadomasoquista ou fetichista, [...] ou o ‘gozo legítimo’” (Leite Jr., 2006: 16).

Destaco também os elementos pedagógicos desenvolvidos na Dominion Femdom. Suas atividades constantes de reflexão sobre regras e riscos por meio de reuniões ou mesmo palestras e debates podem ser considerados como sociabilidades pedagógicas. É possível acompanhar os eventos através do blog20. Os eventos são organizados com a ferramenta Agenda Google e tem programação diversificada, alguns eventos são fixos. Dentre festas e grupos de debates, há palestras e conversas reservadas apenas aos submissos ou dominadoras. De acordo com Deleuze (1999), o elemento pedagógico está presente nas obras e nos heróis de Masoch. Já Sade, através de suas palavras de ordem parece desenvolver faculdade demonstrativa, tomando as vítimas como confidentes, como que na tentativa de persuadir, convencer, ainda que esteja distante da intenção pedagógica.

O doutrinador sádico se opõe ao educador masoquista, já que em Masoch tudo consiste em persuasão e educação, elementos que ficam evidentes em seus romances. A essência educadora que demonstra pedagogicamente o papel de algoz que suas heroínas devem desenvolver, assim como a submissão dos heróis às mulheres, a necessidade de convencê-las a assinar um contrato, o risco do fracasso da pedagogia, são elementos constituintes das obras de Masoch. Talvez seja em decorrência dessa necessidade pedagógica que os principais colaboradores dessa pesquisa parecem mais identificáveis aos heróis de Masoch. Longas conversas com explicações detalhadas, apresentação de contratos, demonstrações controladas são elementos que se destacam. Assim como a expectativa de que sua atenção, conhecimento e informações sejam tão sedutoras a ponto de levar para seu mundo aqueles que com eles aprendem.

Clubes e mercado erótico

Dentre tantas possibilidades de relações que universo digital Second Life dispõe, algumas se destacam por laços de comunidades e estilos de vida, outras por sua liberdade de expressão e ação, outras ainda por sua relação de produção, consumo e prática desenvolvendo essa sociabilidade regida por um mercado erótico.

Para além daqueles que buscam nesse universo a realização de desejos anteriormente formulados – especificamente, praticantes de BDSM que já tinham percepção de si enquanto BDSMers ou fetichistas –, diversos interlocutores narraram suas descobertas sobre sexualidade e sadomasoquismo por meio de relações e locais que frequentavam dentro do mundo. Alguns a procura de relações sexuais sem envolvimento emocional, outros ao conhecer o BDSM através de relações com praticantes, e alguns casos são ainda mais intrigantes, como a iniciação de Master Alexandre:

Master Alexandre: Eu não sei te dizer como o BDSM surgiu no SL, mas eu posso te dizer como me interessei por ele dentro do SL... Bem... Num RPG (Role Play Game), há um tema, e dentro deste tema os jogadores criam personagens e interpretam tais personagens dentro de certas regras. Então existem RPGs de idade média, vampiros, piratas e etc. O que aconteceu em muitos RPGs, é que era difícil achar gente disposta a gastar em HUDs, armas e etc. E como vampiro, um cara sério, comecei por Bloodlines... E descobri que um tinha uma incrível e interessante facilidade em encontrar vítimas em lands de BDSM. E mesmo que eu não procurasse sexo... as mulheres vinham com propostas. (Entrevista, Junho, 2015)

Quando Master Alexandre contou sobre suas interpretações de regras do BDSM, percebi discursos divergentes sobre as normas que permeiam o meio BDSM SL. De um grupo que parecia já conhecer e mesmo praticar o BDSM na RL, pude notar maior controle, rigor com manuais, contratos e estabelecimentos prévios do aceitável ou não nas relações, baseados no SSC. Outro grupo, que descobriu o BDSM através do envolvimento imbricado em suas relações dentro do mundo, parece ter interpretações mais flexíveis das regras, sem necessariamente contratos preestabelecidos e com negociações constantes, cujo único guia seria a consensualidade.

O contato com Master Alexandre me fez perceber que os locais que ele menciona, as lands de BDSM, dizem respeito a um tipo de sociabilidade diferente das descritas até então. Locais que podem ser descritos enquanto lojas, mas também clubes. Proporcionam o comércio de instrumentos para a prática e são também locais de encontro para interessados. Os locais que proporcionam essa sociabilidade – imbricada em um mercado erótico – tem maior diversidade de residentes, interesses, corpos, relações e práticas. Parecem locais de iniciação, para quem está conhecendo o universo BDSM, ou então está à procura de principiantes para disciplinar. Locais de encontro, ou de “caça” como explica Alexandre.

Esses ambientes reunem iniciantes e experientes, prática e venda de acessórios para as cenas. Tudo que está disponibilizado para venda pode ser testado, usado ali mesmo. Se destaca como os efeitos de mercado, em termos de produção, comercialização e consumo de bens, se inscrevem na produção de categorias classificatórias em torno da sexualidade. Braz (2014) aponta para os efeitos do consumo na expressão das individualidades, assim como conformação de estilos, subjetividades e identidades sexuais, o autor enfatiza o surgimento de uma sociabilidade que se forma a partir desses processos e locais, que resultam na produção de um senso de comunidade ou pertencimento. Sweet Domination Palace, ambiente que proporciona local de encontro e diversão para os praticantes de BDSM, é também local de comércio. Englobada em um mercado erótico, envolve produção, consumo, lazer e prática, resultando em scripts sexuais específicos. Nesse sentido, podemos pensar os clubes de BDSM enquanto locais de encontro e de produção de identidades e pertencimento de comunidade. A relação entre o mercado erótico, sexualidade e produção das diferenças nesses ambientes são características que os distinguem das outras formas de sociabilidade e comunidades.

A produção discursiva de identidades sexuais – materializadas em atos, performatividade e corporalidades –, que se desenvolve nesses locais é resultado de processos de produção e repertórios que se constituem em relação a públicos distintos, sejam não praticantes de BDSM, ou membros de comunidades mais rígidas, ou ainda locais que fazem uso de temáticas sexuais mais à margem, como nos ambientes com maior flexibilidade que veremos em seguida.

Ambientes liberais

Busquei durante toda a pesquisa compreender a ampla difusão do BDSM dentro deste universo sem me limitar a compreensão do BDSM como um fenômeno único, com regras específicas e comunidades que buscam legitimação. Mesmo porque, alguns de meus interlocutores não expõem como prioridade as preocupações com a marginalização desses prazeres. Mas demonstram, antes de tudo, desejo em vivenciar todas as possibilidades que o Second Life oferece enquanto relações sexuais e amorosas, assim como práticas e técnicas sexuais, abrindo espaço para expressões do imaginário erótico. Prova disso é que na sociabilidade BDSM dentro do universo, pode-se encontrar muito mais práticas do que aquelas autodeclaradas pelo meio BDSM. Canibalismo21, sexo com animais, bem como modificações corporais – principalmente genitálias –, mudanças de sexo, gênero, papéis D/S, servem à construção de uma sociabilidade bastante específica. Portanto é preciso refletir sobre esse possível mundo de exceções que é construído pelos residentes e que comporta representações do domínio das violações22 que talvez não fossem possíveis fora dele.

Puerto Esclava apresenta dinâmicas diferentes de outros ambientes de BDSM. O convite de teletransporte enviado por Bella continha uma fotografia de negras escravizadas e a chegada à ilha é em um barco, o que pode ser interpretado como um navio negreiro. Puerto Esclava mantém uma temática tabu, a escravização social e sexual dos negros. O local, além da temática, comporta sexualidades mais à margem: pedofilia, incesto, sexo explícito, pornografia, prostituição, ainda que o respeito a toda e qualquer diferença seja abordado na mensagem de boas-vindas. Contratos e regras não parecem essenciais, como se pode notar na humilhação pública de uma das submissas de Bella, em que outros residentes interviram sem negociação prévia. As narrativas públicas são costume muito comum em todos ambientes e relações entre adeptos que presenciei, porém nesses casos é exigido uma negociação prévia, aspecto que não presenciei em Puerto Esclava.

Além dessas práticas, uma gama de outras possibilidades tem maior liberdade nesse ambiente, visto que não há regras severas quanto ao comportamento de seus visitantes. Oferecer sexo em troca de dinheiro, assim como a produção de vídeos sexuais parece bastante comum e aceito nesses ambientes. A prática de daddy, que pode remeter ao incesto, e por vezes à pedofilia com uso de avatares infantis, também não parece ser rechaçada. Outras lands com diferentes temáticas englobadas por práticas de BDSM seguem essa estrutura mais flexível, Bestiality Doglounge, destinada a sexo com animais e Dolcett - Town of Stepford, com grandes banquetes canibais, entre outras nas quais não me detive.

Bestiality Doglounge se utiliza de diversos elementos cenográficos que representam animais, há residentes com avatares bestiais, mitológicos, antropomórficos e também representações mais fiéis de animalidade, cachorros, cavalos, porcos, etc. A ilha consta como local de prática de BDSM, e serve como ambiente para o qual Dommes e Doms levam seus escravos para serem humilhados publicamente e obrigados a manter relações sexuais com animais. A prática de petplay é levada ao extremo, visto que nessa ilha, não é apenas a representação de animais com acessórios, mas o avatar pode ser um animal, além dos animais-objetos que existem na ilha, compostos por animações sexuais, com os quais os residentes interagem eroticamente.

A morte e o canibalismo entram em um contexto erótico em Dolcett – Town of Stepford23, servindo de temática para um ambiente de sociabilidade BDSM um tanto liberal, produzindo scripts sexuais mais influenciados pelo imaginário e fantasias.

Independentes

Além dos castelos, masmorras, festas, as relações BDSM dentro do Second Life parecem transbordar para outros ambientes. Muitos encontros acontecem nas casas dos residentes ou clubes particulares. Desenvolve-se nesse universo uma diferente sociabilidade, dando ensejo para negociações e relacionamentos que, de certa forma, pareciam banidos da comunidade BDSM.

A noção de sujeitos singulares é bastante reclamada aos residentes desse universo, desde suas constituições enquanto avatares e residentes. A construção, edição e possibilidade de compra e venda de itens é característica definidora da ideologia de sujeito que permeia os residentes. Residentes que agem de forma independente, buscando satisfação de interesses e desejos individuais, em geral, transitam por grupos e locais com menor reforço de comunidade, ou seja, maior liberdade de interação e expressão dos desejos sexuais, performances e atos corporais e se relacionam com residentes que também buscam adaptação.

É nesse sentido que esses sujeitos desgarrados das comunidades são encarados como uma ameaça para a moralidade BDSM e mesmo para outros praticantes, que levam muito a sério o debate constante das práticas e regras. O argumento é de que, por vezes, compreensões particularistas das práticas englobadas pelo acrônimo podem acarretar problemas e dificuldades para toda a comunidade, tendo em vista a busca constante por legitimidade política e social que os adeptos empreendem.

Nessas sociabilidades mais individualistas, nota-se maior improvisação e negociação das práticas sexuais e relacionamentos. Isto é, as relações entre os adeptos, tanto em termos de agências sexuais quanto alianças e sentimentos estão em constante negociação, já que as normas de comunidade têm menor apelo. Relacionamentos amorosos e/ou passionais ou, ainda, que desrespeitem a hierarquia necessária de dominador/submisso são dramas constantes nessa forma de sociabilidade. São esses transbordamentos que possibilitam pensar o amor e a liberdade de ação, bem como as noções de compromisso e lealdade, características predominantes em relacionamentos duradouros.

Assim como a literatura de Sade, o MVD3D Second Life pode ser considerado um ambiente de exercício de fantasias sexuais, de desejos reprimidos ou ainda, anseios do domínio da imaginação e não necessariamente da realidade. Haja vista que a imaginação por vezes possibilita prazeres que a prática não possibilitaria, como afirma Bella:

Miss Bella: a unica maneira que tenho de me sentir mais livre de tudo isso, é com o bdsm

Miss Bella: aqui eu explorei as piores formas de bdsm, coisas que jamais faria na rl

Miss Bella: para experimentar, para conhecer a mente das pessoas

Miss Bella: gosto de ir a fundo na minha ideia de saber como funciona a cabeça do outro

Miss Bella: então eu vou fundo nas relações com meus submissos, para descobrir ate onde eles podem ir. (Entrevista, Junho, 2015)

Essa compreensão de relações negociadas aparece no discurso de Bella para além da relação com a namorada – também dominadora –, nas relações BDSM que tem com suas escravas. O esforço que Miss Bella faz para abandonar a rigidez das cartilhas e manter diálogos, conhecer a fundo suas parceiras, e dar a elas o que lhes garante maior prazer, bem como se satisfazer de diferentes formas com a peculiaridade de cada relação, demonstra um caráter de negociação de regras. O controle de si, para Bella, não exige um afastamento de sentimentos, mas a domesticação deles. O sentimento amoroso entre dominadores e submissos não lhe parece um problema, pelo contrário, em sua concepção é o cerne de toda relação. Para Bella, somente ao aceitar certa vulnerabilidade que o amor proporciona, é que se conquista acesso a uma verdadeira relação D/S.

Considerações finais

O Second Life é, em minha análise, um ambiente que possibilita reorganização social, tendo em vista que segmenta grupos não mais por fronteiras e linguagens, mas por interesses e afinidades. E é essa nova organização que possibilita o encontro de interesses, sexualidades dissidentes e a criação de comunidades elaboradas com essas temáticas. A possibilidade de construir, corporificar, no meio digital, fantasias que dizem respeito ao mais íntimo da imaginação humana, ocasiona não somente o surgimento de uma segmentação das comunidades BDSM dentro do universo, mas diversas narrativas sobre transformações subjetivas e objetivas do desejo, prazer e desenvoltura desses sujeitos, após as vivências e afecções no ambiente, dando respaldo a compreensão do Second Life como um laboratório (Leitão, Gomes, 2018), mas também, como um espaço de apreensões e realizações, que constituem lateralidades do ser (Rose, 2011).

As primeiras análises que fiz a partir das pesquisas empíricas apontavam para a constituição de uma comunidade que se elaborava e reelaborava dicotomicamente, ou seja, confrontando as possibilidades criativas do mundo virtual com a moral BDSM RL encontrada em manuais, sites, blogs ou mesmo na experiência de praticantes RL. A compreensão desses grupos englobados por temáticas BDSM ficou extremamente complexa. A única forma de mostrar suas sociabilidades seria estudando suas fronteiras, diferenças, identidades.

Essa questão se fez importante devido ao fato da comunidade BDSM, em sua busca por legitimação política e social, ter criado uma série de normas que visam o controle e a racionalização das interações. Mesmo com um código de conduta tão rígido, as práticas englobadas por BDSM no SL demonstraram transcender as práticas tidas como legítimas na Real Life. Os desdobramentos das comunidades BDSM nesse ambiente digital produziram diferentes cenários de sociabilidades, divididos em grupos e locais de práticas, aprendizagens, comércios, e vivência do estilo de vida. Bem como diferentes arranjos de relacionamentos.

As distintas formas de sociabilidades analisadas foram de extrema importância para um estudo mais aprofundado da constituição dos grupos, assim como da abdicação do ideal de grupo dos praticantes independentes, geralmente transitando entre grupos e locais sem necessariamente desenvolver pertencimento. De um extremo, locais que prezam por um código moral historicamente elaborado do BDSM, permeado por discursos de racionalidade, controle, legitimidade e pedagogia, inclusive aproximando as identidades RL e SL, e de outro, locais mais liberais que dariam espaço para práticas vetadas no meio BDSM. Se por um lado há laços fortes de comunidade e membros envolvidos pela moral BDSM legítima, por outro há uma contínua busca por liberdade, individualidade e autonomia nas práticas, bem como a criação de espaços para desenvolvimento de fantasias sexuais que poderiam transgredir a prática transgressiva que tem sido o BDSM no imaginário social.

Por fim, mesmo que em esforço inicial, tento demonstrar como o mundo digital virtual 3D Second Life, enquanto ambiente online, tem grande complexidade em termos de fantasia, imaginação, organização social, sociabilidades, sexualidades e relacionamentos amorosos, com potencialidade para comportar e elaborar transformações dos/nos sujeitos, para além das fronteiras online e offline.

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1. Mestra em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria, doutoranda em Antropologia na Universidade Federal Fluminense

2. Defendida em 2016 no programa de pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), sob orientação da Profª Drª Débora K. Leitão.

3. “Residentes” é como se denominam os usuários enquanto avatares vivendo no mundo virtual digital 3D Second Life.

4. É necessário enfatizar que não era do interesse dos interlocutores dessa pesquisa informar sobre gênero, orientação sexual, desejos e práticas, que não faziam parte do contexto do residente, enquanto suas escolhas identitárias no Second Life, salvo exceções.

5. Categoria êmica, faz referência aos adeptos de BDSM que fazem parte da comunidade.

6. Sobre marcadores da diferença, algumas discussões foram abordadas no artigo SANTOS, R. B.; SILVEIRA, G. R. Corpos desviantes no ciberespaço: uma etnografia sobre avatares negros no Second Life. Revista Primeiros Estudos, São Paulo, n. 4, p. 69-78, 2013.

7. Categoria êmica, utilizada em contraposição à “Second Life”.

8. Plataforma utilizada para acesso ao mundo virtual 3D Second Life.

9. O transporte entre locais dentro do mundo pode se dar a pé, voando, ou por teletransporte, dada a grande extensão “territorial” entre continentes e ilhas.

10. O ambiente costuma ser bastante pesado para carregar todos seus elementos, exigindo uma boa conexão de internet, e uma máquina de acesso com placa de vídeo e memória RAM adequadas. Todo o universo fica armazenado nos servidores da desenvolvedora Linden Lab, disponíveis por meio do programa de acesso instalado no computador do usuário (ver nota de rodapé de número 6).

11. Atualmente, o Second Life disponibiliza um número bem maior de avatares, com diferentes temáticas a escolher.

12. <<https://secondlife.com/>>. Última visualização em 20/01/2019

13. <<https://marketplace.secondlife.com/>>. Última visualização em 21/01/2019

14. Os animais podem ser objetos ou avatares. Se objetos, podem possuir scripts de animação.

15. Linden Lab é a empresa norte-americana desenvolvedora do Second Life.

16. O consumo de genitálias é bastante relevante para o mercado erótico do Second Life, tendo em vista a gama de variedades disponíveis para venda e os diferentes valores, assunto abordado em Leitão (2012).

17. O universo BDSMer não tem o sexo genital como prática central, sendo apenas um dos aspetos possíveis englobados nas práticas fetichistas.

18. Notecards são como e-mails ou cartas, que ficam salvas no inventário de cada residente. Aparecem como pop-ups na tela do Viewer, assim que recebidos, e podem ser acessados sempre que o usuário tiver interesse.

19. Devido à resistência de grande parte dos residentes em relação a divulgação de aspectos da identidade civil, o Second Life foi palco de diversos protestos contra a ferramenta de voz implementada pela Linden Lab na plataforma.

20. <<http://www.dominionfemdom.com/events.html>>. Última visualização em 28/01/2019.

21. Os residentes não morrem realmente, mas encenam a morte, a amputação dos membros, o cozimento da carne, o banquete final. Uma grande cena, na qual cada momento tem reconhecido poder de transgressão e erotismo

22. A possessão e fascínio pela morte estão presentes nas obras de Sade. Diferentemente de Masoch, ele não está realmente preocupado com uma pedagogia, com contratos e alianças. A possessão por meio de violações como estupro, tortura, assassinato é parte genuína do erotismo sádico (Deleuze, 2011).

23. Dolcett é o pseudônimo do desenhista que criou, nas décadas de 1970 e 1980, uma coleção de imagens eróticas em que mulheres se ofereciam espontaneamente para serem torturadas, empaladas ou executadas – asfixia, enforcamento, decapitação, canibalismo, entre outros –.