MULHERES ARTISTAS: NOS SALÕES E EM TODA PARTE

Galeria Arte132, São Paulo, Brasil

4 de junho a 30 de julho de 2022

Curadoria de Ana Paula Cavalcanti Simioni

Natália Cristina de Aquino Gomes

Programa de Pós-Graduação em História da Arte, UNIFESP

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo n° 2021/05450-0

natalia.gomes@unifesp.br

A exposição Mulheres artistas: nos salões e em toda parte esteve em cartaz na Galeria Arte132,1 localizada na Av. Juriti, em Moema, São Paulo, sob curadoria de Ana Paula Cavalcanti Simioni, professora do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo e membro do Institut d’Études Avancées, de Nantes. A mostra reuniu 28 obras de 14 artistas, sendo elas: Anita Malfatti (1889-1964) com duas obras, Aurélia Rubião (1901-1987) com um óleo sobre madeira, Bellá Paes Leme (1910-?) com um óleo sobre tela, Dorothy Bastos (1933-2018) com seis xilogravuras, Georgina de Albuquerque (1885-1962) com uma aquarela e guache, Haydéa Lopes Santiago (1896-1980) com quatro obras, Helena Pereira da Silva Ohashi (1895-1966) com três obras, Laurinda Pacheco de Carvalho Ribeiro (1906-1995) com um óleo sobre tela, Lúcilia Fraga (1895-1979) com três obras, Lucy Citti Ferreira (1911-2008) com um óleo sobre tela, Miriam Chiaverini (1940-2005) com uma xilogravura, Regina Liberalli (?1914-2007) com um óleo sobre tela, Salma Mogames (1925-2015) com uma obra, Sinhá d’Amora (1906-2002) com um óleo sobre tela e Yvone D’Angelo Visconti (1901-1965) com uma obra.

Os trabalhos expostos, apesar de uma parcela deles não estar datada,2 foram produzidos nas décadas de 1920, 1930, 1940, 1950 e um deles em 1967. O conjunto em questão trouxe alguns nomes conhecidos pela historiografia da arte brasileira, notavelmente o de Anita Malfatti, que desponta como um dos mais aclamados. No entanto, Ana Paula Simioni nos ofereceu um núcleo significativo de pintoras ainda pouco conhecidas que produziram, expuseram nos salões e participaram ativamente do campo artístico brasileiro nas primeiras décadas do século XX. Estas artistas permaneceram “esquecidas” nos anos que se passaram, conforme aponta Simioni:

Esse “esquecimento” sobre tais artistas deriva de diversas causas. Ele é fruto de um tipo de história da arte que estima fases e momentos históricos considerados mais do que outros. Priorizam-se, também, certos artistas vistos como únicos e singulares, em detrimento de um olhar cuidadoso sobre os meios artísticos em que atuaram (Simioni, 2022a, p. 6).

Ao longo de sua consolidada e respeitada carreira de pesquisadora, Simioni dedica-se à temática das mulheres artistas e os resultados destas investigações estão disponíveis em publicações fundamentais, tais como o livro Profissão Artista: Pintoras e Escultoras Acadêmicas Brasileiras (Simioni, 2008), derivado de seu doutorado e publicado em 2008, e a recente publicação de sua livre-docência, Mulheres modernistas: estratégias de consagração na arte brasileira (Simioni, 2022b) , pesquisa que retomaremos no desenrolar deste texto. Cabe destacar também uma série de artigos escritos por Simioni, que se encontra em livre acesso aos interessados sobre o tema e, igualmente, ressaltar que no campo das exposições, essa não foi a sua primeira incursão. Entre as mostras, mencionamos a exposição de 2015 intitulada Mulheres artistas: As pioneiras (1880-1930),3 com curadoria compartilhada com a Profa. Dra. Elaine Dias e acompanhamento da Profa. Dra. Fernanda Pitta, na Pinacoteca do Estado de São Paulo (Brasil), que resultou também na produção de um catálogo (Simioni e Dias, 2015). E, ainda, a mostra Transbordar: transgressões do bordado na arte (Simioni, 2020), realizada no Sesc Pinheiros (Brasil) entre 26 de novembro de 2020 e 8 de maio de 2021, outra notável contribuição da atuação de Simioni no campo da pesquisa científica e na difusão do conhecimento por meio das exposições.

É nesse cenário baseado em investigações de fôlego, que a exposição Mulheres artistas: nos salões e em toda parte foi gerada. Procuraremos comentá-la cotejando o seu catálogo (2022a), assim como faremos um paralelo com o novo livro de Simioni, o já mencionado Mulheres modernistas: estratégias de consagração na arte brasileira. Ambas as publicações estavam acessíveis para a consulta dos visitantes logo na entrada da Galeria Arte132, ao lado do livro de visitas.

O catálogo desta exposição, além de oferecer um texto introdutório e reflexivo sobre a temática das mulheres artistas, é acompanhado de verbetes sobre cada uma delas. As informações recuperadas pela curadora foram coletadas em diferentes fontes, uma vez que, para algumas delas, havia pouco conhecimento disponível. Nesse sentido, Simioni buscou contornar essa ausência empreendendo a busca em arquivos, nos periódicos de época, assim como nos catálogos das exposições coletivas que as artistas participaram, entre estas, os Salões Nacionais de Belas Artes, os Salões Paulistas de Belas Artes, os Salões de Belas Artes do Rio Grande do Sul e algumas edições da Bienal de Arte de São Paulo.

Levando em consideração o espaço da Galeria Arte132,4 a mostra foi organizada em duas salas e estendeu-se em um recinto contínuo ligado pela escada que nos leva ao andar superior. Apesar de não haver percurso fixo, as obras estão organizadas de acordo com seus gêneros compositivos, sendo estes nus e desenhos de academias, gravuras, naturezas-mortas, pintura de gênero e paisagens com representações campestres e urbanas. Estas últimas privilegiam o espaço inabitado ou com suas mazelas, mostrando também a calmaria da cidade à beira-mar.

O módulo inicial foi dedicado aos estudos de academia e nos levou a retomar as questões acerca do modelo vivo, e ao impedimento imposto às mulheres para frequentar esta classe. As instituições acadêmicas barraram por um longo tempo o ingresso das mulheres ao ensino artístico oficial em razão da moral e pudor da época, proibindo o estudo baseado na observação do modelo vivo masculino. O entrave em questão claramente dificultou para as artistas a realização de obras do gênero mais valorizado – a pintura histórica–, reservando para elas nichos entendidos como mais “femininos”, como as naturezas-mortas, paisagens, cenas de gênero e retratos. Desta forma, conforme destaca Simioni, “para as mulheres artistas, historicamente, o acesso ao modelo vivo é, em si, uma conquista” (2022a, p. 10) e esteve atrelado também a estratégias de consagração. A autora observa que “uma temática em voga nas vanguardas – o nu feminino – parece então ter se constituído como estratégia empregada por diversas artistas para se inserir no campo como modernas” (Simioni, 2022b, p. 74). Neste seguimento, a exposição inicia com dois desenhos5 de Anita Malfatti, Nu masculino e Nu feminino, datados de 1925, acompanhados de quatro obras de Haydéa Lopes Santiago, sendo estas dois desenhos de Nu feminino, um desenho Sem título de figura feminina com dedicatória “Ao Marques dos Santos” e um óleo sobre tela intitulado Nu feminino, de 1947. Esse núcleo é encerrado pelo Nu feminino (1936) de Helena Pereira da Silva Ohashi, sendo este um óleo sobre tela representando uma mulher oriental, algo pouco visto no Brasil, como destacou Simioni.6

No mesmo ambiente, à esquerda, estão reunidas as seis xilogravuras de Doroty Bastos realizadas na década de 1950 e, ao subirmos as escadas e voltarmo-nos nosso olhar para trás, vemos a xilogravura de Miriam Chiaverini de grandes proporções (87 x 144 cm.), sendo este o único exemplar posterior à década de 1960, produzido no ano de 1967.

No andar superior, um núcleo de naturezas-mortas foi organizado através das obras de Lucy Citti Ferreira, Helena Pereira da Silva Ohashi, Georgina de Albuquerque, Aurélia Rubião, Lucília Fraga e Sinhá d’Amora. Com exceção das duas pinturas de Lucília Fraga, cada artista é representada com uma obra nesta seção.

Na parede oposta, no último eixo da exposição, temos as paisagens com representações campestres de Laurinda Pacheco de Carvalho Ribeiro e Regina Liberalli; a paisagem que privilegia a cidade inabitada de Lucília Fraga com destaque para as construções em detrimento da figura humana. Na obra de Bellá Paes Leme, há o registro do cotidiano da mulher trabalhadora –lavadeira– que atravessa a cidade na companhia de seu filho. Em Arranha-céus, de Salma Mogames, obra que ilustra a capa do catálogo da exposição, vemos as mazelas da cidade em desenvolvimento. Nesta, há a dicotomia da cidade com seus edifícios que isolam uma parte da população da modernidade, através de uma cerca de madeira que as impede de acessá-la. Na sequência, avistamos a calmaria da cidade à beira-mar de Yvonne Visconti e, por fim, vemos um pequeno quadro intitulado Interior com cadeiras, de Helena Pereira da Silva Ohashi.

Nesse amplo conjunto de mulheres artistas, notamos, conforme aponta o título da exposição, suas participações nos salões e que elas estiveram em toda parte. No entanto, poucas foram aquelas reconhecidas e uma série de questões paira nesse anonimato, entre elas as categorias de gênero e o patriarcado, que contribuíram para que suas produções fossem julgadas como amadoras e menos profissionais que as dos homens. Em Mulheres artistas: nos salões e em toda parte, observamos essas questões refletidas também nos “rótulos” atribuídos a estas artistas. Simioni salienta que esse caráter de “esposa, a filha, a aluna – terminaram por fixá-las em condições de seguidoras, vítimas da ‘influência’ e de seus ‘mestres’, isto é, seus maridos, pais, professores – não por acaso, sempre figuras masculinas” (2022a, p. 14).

Os “rótulos”, isto é, a maneira como a qual as artistas e suas obras foram julgadas, também está no cerne da análise de Ana Paula Simioni em Mulheres modernistas: estratégias de consagração na arte brasileira. Em seu livro, fruto de uma dedicada investigação desenvolvida por anos, entre o Brasil e a França, as trajetórias de três artistas são investigadas, a fim de compreender como duas delas, Anita Malfatti e Tarsila do Amaral (1886-1973), alcançaram sucesso, e Regina Gomide Graz (1897-1973) permaneceu menos reconhecida. Para Simioni:

A valorização de cada uma, contudo, respondeu a posições discursivas muito distintas. Tarsila foi louvada como musa, Anita como mártir e Regina como esposa-colaboradora. Esses lugares estão associados ao modo suas obras e trajetórias foram percebidas, o que não está imune à lógica do gênero, pelo contrário (2022b, p. 316).

As investigações da professora Ana Paula Simioni são, certamente, um meio fundamental e urgente para gerar o interesse de outros pesquisadores. Esperamos que, em breve, as artistas presentes em Mulheres artistas: nos salões e em toda parte possam, de fato, ocupar “toda parte”, principalmente a historiografia da arte brasileira que aos poucos vem se abrindo para além dos cânones. Elas, definitivamente, foram mulheres modernas, profissionais e estiveram imersas no meio artístico mediante suas produções, trocas, articulações, sociabilidades e, portanto, merecem obter reconhecimento por seus feitos e trajetórias. A exposição de Simioni na Galeria Arte132 traz essa contribuição e aponta caminhos para futuras mostras, tendo em vista que é preciso olhar para as obras destas e de muitas outras artistas, pois só conhecendo-as poderemos questionar os motivos e problemáticas que culminaram nestas “exclusões”.

Referências bibliográficas

Simioni, A. P. Cavalcanti (2022a). Mulheres artistas: nos salões e em toda parte. Arte132. Disponível em: <https://arte132.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Arte132_Mulheres_Eng.pdf> (acesso 27/10/2022).

–––. (2022b). Mulheres modernistas: estratégias de consagração na arte brasileira. Edusp/Fapesp.

–––. (2020) Transbordar: transgressões do bordado na arte. Sesc. Disponível em: <https://sesc.digital/conteudo/artes-visuais/exposicao-transbordar/catalogo-transbordar> (acesso 07/07/2022).

–––. (2008) Profissão artista: pintoras e escultoras acadêmicas brasileiras. Edusp.

–––. e E. Dias (orgs.) (2015) Mulheres artistas: As pioneiras (1880-1930). Pinacoteca do Estado de São Paulo.


1 No mesmo período, 4 de junho a 30 de julho de 2022, a Galeria Arte132 promoveu a exposição Jewels by Brazil’s Burle Marx brothers. Ver: <https://arte132.com.br/exposicao/jewels-by-brazils-burle-marx-brothers/> (acesso 27/10/2022).

2 12 obras não foram datadas. Essas datações – quando não inscritas pela autora – baseiam-se no período de atuação das artistas.

3 A mostra ficou em cartaz no edifício Luz entre 13 junho a 25 de outubro de 2015. Ver: <https://pinacoteca.org.br/programacao/exposicoes/mulheres-artistas-as-pioneiras-1880-1930/> (acesso 07/07/2022).

4 Para uma visualização do espaço e da exposição, ver: <https://arte132.com.br/exposicao/mulheres-artistas-nos-saloes-e-em-toda-parte/> (acesso 08/07/2022).

5 As únicas obras oriundas de coleção particular e que não estavam disponíveis para a compra.

6 Nesta menção, Simioni faz referência a exposição Helena E Riokai: entre Brasil e Japão, Paris, que também esteve em cartaz na Galeria Arte132, entre 8 de novembro 2021 a 08 de janeiro de 2022. O catálogo da mostra está disponível em: <https://arte132.com.br/wp-content/uploads/2021/10/Arte132_Helena_Riokai.pdf> (acesso 12/07/2022).