Estudo das práticas de restaurações de bens móveis e integrados nas igrejas tombadas em São João del Rei, Minas Gerais, Brasil

Adriana Sanajotti Nakamuta1
Elis Marina Mota2

Introdução

As igrejas São Francisco de Assis, Nossa Senhora do Carmo e Nossa Senhora do Pilar, escolhidas para esse estudo, fazem parte dos bens protegidos pelo órgão de preservação brasileiro, selecionados ainda na fase inicial de atuação,3 para comporem o patrimônio histórico e artístico nacional. Os bens em questão apresentam inscrições individuais e em conjunto nos livros de tombo.4 A inscrição em conjunto refere-se ao fato de estarem localizados em uma cidade que apresenta tombamento de parte do seu conjunto arquitetônico e urbanístico, e que foi inscrita no livro de Tombo de Belas Artes, ainda em 1938. Já os tombamentos isolados, como é o caso dessas três igrejas, referem-se a uma proteção específica desses bens, assim como conjunta, já que estão inseridas no núcleo urbano também protegido pelo tombamento. De forma genérica e sucinta podemos dizer que se trata de um “destaque” da excepcionalidade dos valores históricos e artísticos dessas edificações religiosas, dentro do conjunto arquitetônico e urbanístico da cidade de São João del Rei.

O recorte temporal delimitado para a pesquisa –de 1947 até 1976– foi estabelecido por contemplar o período de consolidação das práticas de preservação realizadas pelo IPHAN, pela atuação do restaurador Edson Motta na instituição juntamente com a sistematização de um setor destinado a restauração de bens móveis e integrados,5 e pela existência de frentes de trabalhos importantes de restauração realizados nessas três igrejas. Posto isso, a justificativa pela necessidade de construir uma narrativa sobre essas práticas de restaurações realizadas nas igrejas em São João del Rei ocorreu a partir da constatação de que o histórico das intervenções ocorridas nesses bens não estava sendo acessado durante a elaboração de projetos de restaurações atuais.6

 Fig. 1. Igreja de São Francisco de Assis. Fonte: ACI, Série Inventário data: década de 1950.
Fig. 1. Igreja de São Francisco de Assis. Fonte: ACI, Série Inventário data: década de 1950.

Interessou-nos, portanto, para fins dessa pesquisa, identificar as restaurações que foram realizadas pelo próprio IPHAN no período estudado, como forma de compor parte das ações de preservação que a instituição desenvolve ao patrimônio que foi tombado. Estas restaurações foram concretizadas pelas ações diretas da Divisão de Conservação e Restauração e do setor de “recuperação de obras de arte”,7 posteriormente denominado “Centro de restauração de bens culturais”.

 Fig. 2. Igreja São Francisco de Assis – Restauração em 1962. Fonte: ACI, Série Centro de Restauração de Bens Culturais.
Fig. 2. Igreja São Francisco de Assis – Restauração em 1962. Fonte: ACI, Série Centro de Restauração de Bens Culturais.

Logo a pesquisa no ACI/ RJ contribuiu para identificarmos as ações de restauração nas igrejas de São João del Rei, e refletirmos sobre os critérios teóricos, estéticos e históricos aplicados às ações de restauro estudadas, bem como, podermos entender os métodos e materiais utilizados, e como se deu no Brasil a adaptação das técnicas de restauração aprendidas por Edson Motta, disponível à época a partir dos estudos realizados por ele no Fogg Museum na Universidade de Harvard em 1946.

Apesar dos bens aqui estudados estarem localizados dentro de um estado brasileiro que desde o Decreto-lei n° 8534, de 2 de janeiro de 1946, já apresentava representação regional, com o 3º Distrito,8 com sede na cidade de Belo Horizonte (capital do estado), compreendendo o Estado de Minas Gerais, os arquivos de interesse para a essa pesquisa encontram-se essencialmente na cidade do Rio de Janeiro, local onde à época da criação do IPHAN era a capital do país e a sede nacional da instituição. Assim, a forma de guarda e organização da documentação produzida e coletada pelos técnicos da instituição, durante o período estudado, era centralizada no ACI/RJ, tornando essa massa documental o primeiro e importante ponto nodal da pesquisa em andamento.

A pesquisa no arquivo central do IPHAN

O ACI/RJ foi criado em 1940, com o arquivista-mor D. Clemente da Silva Nigra na organização, sendo substituído pela gestão de Carlos Drummond de Andrade, em 1946, com duração até 1962. Drummond estruturou a organização do arquivo em dossiês a pedido do então presidente da instituição, Rodrigo Melo Franco de Andrade, distribuindo-as em séries documentais, as quais buscamos identificar as fontes relevantes para nossa investigação.9

 Fig. 3. Igreja de Nossa Senhora do Pilar. Fonte: ACI, Série Inventário / Data: década de 1940.
Fig. 3. Igreja de Nossa Senhora do Pilar. Fonte: ACI, Série Inventário / Data: década de 1940.

Procuramos inicialmente as principais séries documentais sobre os bens em questão, começando pela Série Processo de Tombamento – relativa ao conjunto arquitetônico e urbanístico de São João del Rei e das igrejas isoladamente. Nesta série identificamos a documentação pertinente a inscrição desses bens no livro de Tombo e, por esse motivo, demos início a pesquisa por essa série buscando compreender o valor atribuído e a justificativa pela proteção enquanto patrimônio histórico e artístico nacional. Em seguida, identificamos a Série Inventários – que compila dados de identificação e catalogação das informações dos bens –, a Série Obras – que apresenta o registro de todas as intervenções relativas ao bem cultural –, e as Série Representantes e Série Personalidades – que foram acessadas posteriormente para identificarmos os principais técnicos/restauradores envolvidos nas restaurações, como Edson Motta e Jair Afonso Inácio. Após esse primeiro mapeamento sobre as motivações do tombamento, as informações relativas aos bens, inclusive os primeiros registros de intervenções, e os técnicos envolvidos, buscou-se identificar as ações de restaurações em relatórios de atividades na Série Arquivo Técnico Administrativo, que nos levou a depararmos com nossa principal fonte de consulta, a Série Restauração de Bens Móveis e Integrados.

 Fig. 4. Forro da Nave da Igreja de Nossa Senhora do Pilar durante restauração em 1957-1958. Fonte: ACI, Série Centro de Restauração de Bens Culturais.
Fig. 4. Forro da Nave da Igreja de Nossa Senhora do Pilar durante restauração em 1957-1958. Fonte: ACI, Série Centro de Restauração de Bens Culturais.

No que tange aos tipos documentais integrantes a essas séries documentais, verificamos que são diversos, sendo, sobretudo, textuais e iconográficos. Percorremos desde documentos oficiais como relatórios técnicos, ofícios, memorandos, até documentos enviados por terceiros (membros das irmandades, párocos, empresas contratadas) por meio de recibos, orçamentos, cartas. Encontramos também, coletâneas de recortes de jornais sobre os bens, além de fotografias, plantas e croquis, utilizados para ilustrar e especificar os detalhes descritos.

 Fig. 5. Tabua de forro da Igreja de Nossa senhora do Pilar – tábua com abaulamento, restauração de 1969-71. Fonte: ACI, Série Centro de Restauração de Bens Culturais.
Fig. 5. Tabua de forro da Igreja de Nossa senhora do Pilar – tábua com abaulamento, restauração de 1969-71. Fonte: ACI, Série Centro de Restauração de Bens Culturais.

A Série Inventários foi pouco explorada, ainda que, compreenda muitas informações da construção e identificação do bem, pois este não era nosso foco, sendo, contudo analisada à medida que surgiam dúvidas sobre a identificação dos bens culturais e que, por ventura, não fossem esclarecidas pelas informações contidas nas demais séries estudadas, ou quando se suspeitava que a informação tivesse sido realocada nessa série.

Apesar da existência de uma série documental destinada a todas às obras realizadas em cada bem tombado, esta série não foi tão prestativa nas informações a respeito dos bens móveis e integrados, objeto de nossa investigação, pois a

Série Obras reúne documentação referente a quaisquer intervenções que o bem tombado possa ter recebido; pode comportar, inclusive, intervenções anteriores à própria inscrição nos Livros do Tombo. São plantas arquitetônicas, mapas, relatórios de técnicos encarregados das intervenções e também dos encarregados das vistorias, fotografias, slides, listagens de materiais empregados, dos profissionais envolvidos, recortes de jornais, projetos etc.10

Constatamos ainda que nos bens estudados, o conteúdo da Série Obras referente a eles abarca essencialmente reformas e restaurações estruturais, arquitetônicas, como trocas de telhado e recuperações de adros. Poucos foram os dados referentes às intervenções nos bens móveis e integrados.

 Fig. 6. Teste de remoção de repintura, descoberta de pintura subjacente após remoção de 4 camadas de tinta a óleo durante restauração em 1970 – painéis parietais da capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Pilar. Fonte: ACI, Série Centro de Restauração de Bens Culturais.
Fig. 6. Teste de remoção de repintura, descoberta de pintura subjacente após remoção de 4 camadas de tinta a óleo durante restauração em 1970 – painéis parietais da capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Pilar. Fonte: ACI, Série Centro de Restauração de Bens Culturais.

Nesse sentido, após a “frustração” da pesquisa na série obras, optamos por procurar diretamente na série dedicada aos bens móveis e integrados. A partir da verificação da documentação intitulada Centro de Restauração de Bens Culturais e na série Restauração de Bens Móveis e Integrados, além das subséries Setor de Restauração de pintura I e Restauração pintura geral, localizadas no âmbito da série Arquivo Técnico e Administrativo, pudemos acessar relatórios e fotos que identificassem as ações de restauração nos elementos artísticos realizados no objeto que procurávamos. Percorremos diversas séries documentais em busca de informações sobre as restaurações dos bens móveis e integrados das igrejas em questão, conforme mostramos acima, e em muitos casos essas informações não foram suficientes para responder às inúmeras questões que levantamos para a presente pesquisa. Contudo, essa experiência de pesquisa em arquivo buscando compreender a história da restauração dos bens móveis e integrados no IPHAN, bem como os registros das obras nessas igrejas, nos surpreendeu com a quantidade de documentação encontrada, contendo, tanto a tramitação das negociações entre IPHAN e os representantes das igrejas, a fim de oficializar as ações de preservação nos bens culturais estudados, por meio de relatórios, cartas, ofícios, orçamentos, como documentações específicas das intervenções realizadas pelo setor destinado às obras de restauração nos bens móveis e integrados, inclusive com muitas fotografias e relatórios dos procedimentos.

 Fig. 7. Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Fonte: ACI, Série Inventário, década de 1940.

Fig. 7. Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Fonte: ACI, Série Inventário, década de 1940.

As fotografias localizadas dentro dos dossiês, muitas vezes foram encontradas em envelopes contendo apenas fotografias, sem apresentar relatórios das ações, ou seja, apresentavam os documentos iconográficos e pequenas anotações no verso destes, como única forma de registro da intervenção realizada no bem. Isto nos levou a refletir sobre a importância da fotografia para registro e descrição das ações. A fotografia à época já era trabalhada como um instrumento de auxílio completo na preservação do patrimônio cultural e funcionava também como um “documento visual” para que os técnicos pudessem identificar os atributos estéticos e de identificação dos bens, para auxiliar a fiscalização de conservação e restauração e para completar os dados descritos nos relatórios de restaurações, de modo a comprovar as intervenções realizadas nos bens. Fonseca e Cerqueira ao mapear os fotógrafos que trabalharam para o IPHAN, constataram que a função da fotografia sempre foi explorada como “instrumentos de consulta e pesquisa por parte dos técnicos do SPHAN e pesquisadores da área de patrimônio”,11 conforme elas expõem:

Já em 1937, Rodrigo M. F. de Andrade instruía os responsáveis pelas áreas regionais do SPHAN a elaborar levantamentos que contemplassem o histórico do bem, a descrição técnica, o estado de conservação, possíveis alterações, referências bibliográficas e documentação fotográfica.12
 Fig. 8. Restauração da Igreja de Nossa Senhora do Carmo em 1961. Fonte: ACI, Série Centro de Restauração de Bens Culturais.

Fig. 8. Restauração da Igreja de Nossa Senhora do Carmo em 1961. Fonte: ACI, Série Centro de Restauração de Bens Culturais.

Essas práticas relacionadas ao registro fotográfico nos auxiliaram na compreensão da constatação da inexistência de documentos textuais e descritivos que justificassem as práticas de restaurações ocorridas nas igrejas de São João del Rei, cujos primeiros resultados desse estudo compartilhamos a seguir.

Resultados

Considerando que um dos objetivos dessa investigação seja o de identificar as restaurações nos bens citados, buscamos até o presente momento da análise dos documentos de arquivo identificar e compreender as práticas de restaurações que foram realizadas, quais os critérios foram estabelecidos para a tomada de decisão em relação aos modos de intervenção, quais os materiais e procedimentos foram utilizados, e, principalmente, de que maneira esse conjunto de ações nos auxiliam no entendimento da “escola Edson Motta” na prática da restauração de bens integrados à arquitetura no Brasil.

 Fig. 9. Degradação de elemento do retábulo da nave da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Fonte: ACI, Série Centro de Restauração de Bens Culturais.

Fig. 9. Degradação de elemento do retábulo da nave da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Fonte: ACI, Série Centro de Restauração de Bens Culturais.

No período que estamos tratando, foram identificadas duas frentes de trabalho de intervenções restaurativas, realizadas por equipes do IPHAN, na arquitetura interior da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, sendo a primeira que compreende os anos de 1957 a 1958 e outra entre 1969 e 1971; uma frente de trabalho na Igreja de Nossa Senhora do Carmo em 1961; e uma frente de trabalho na Igreja de São Francisco de Assis em 1962.

A restauração de 1957-1958 da Igreja de Nossa Senhora do Pilar foi intitulada de “restauração geral” pelo restaurador Edson Motta, por contemplar praticamente todos os elementos artísticos integrados da referida Igreja, sendo eles: elementos da capela-mor (forro, retábulo mor, painéis laterais, pinturas em tela sobre óleo acopladas aos painéis laterais) arco cruzeiro, forro da nave, retábulos da nave e forros de cômodos laterais (sacristias e salas de irmandades).

Já os elementos restaurados na igreja de Nossa Senhora do Carmo foram os altares da nave em 1961. Sobre esta ação encontramos poucos documentos que descrevessem as intervenções realizadas, o que dificultou a identificação de aspectos abordados na restauração. No entanto, no ano seguinte, a Igreja de são Francisco de Assis teve o forro da capela mor e os retábulos laterais da nave e púlpitos restaurados, sendo que essa intervenção também conta com pouca documentação disponível, contudo, sobretudo, a restauração realizada nos retábulos e púlpitos foi emblemática, caracterizando uma ação importante para a análise dos critérios e modos de intervir realizados pela “escola Edson Motta”.

Os principais danos incidentes nos elementos artísticos constatados foram, em relação ao suporte, a fragilidade deles por ataque de insetos xilófagos, já que em sua grande maioria são confeccionados em madeira; em relação a camada pictórica o principal dano era a existência de várias camadas de repintura sobrepondo a pintura tida como original, assim como camadas de pintura branca e até mesmo purpurina encobrindo douramentos com folhas de ouro.

As principais ações de restauro empreendidas para os tipos de dano encontrados, conforme foi possível identificar nos documentos pesquisados, foram:

 Nas tábulas dos forros completamente fragilizadas (apodrecimento ou ataque de térmitas) foi realizada a transposição de suporte, procedimento no qual a superfície de pintura era protegida por papel ou tecido fixados por cola de amido, as partes da madeira do verso em péssimo estado eram removidas, para a película de pintura ser colada, com composto de cera de abelha virgem, parafina e resina de Dammar com 2% de pentaclorofenol, em ripas de madeira (cedro), com a mesma espessura da anterior, contudo, em várias tiras de 2 cm. Conforme Edson Motta descreve no relatório desta obra, a opção por tiras de madeira no lugar de tábuas inteiras era para evitar empenamentos.13

As galerias de insetos xilófagos eram tratadas pelo preenchimento com composto de cera, que “solidificava” o suporte com a imersão da peça em solução de cera e parafina, e posteriormente o excesso de cera era removido com solventes, calor ou desbaste com instrumentos para esculpir.As tábuas abauladas passavam por aplainamento do verso e uma espécie de nivelamento realizado por meio da fatura de canaletas no verso das tábuas e preenchimento por cera.Com relação aos danos e ao tratamento presentes na camada pictórica:Nas diversas camadas de tinta encobrindo a pintura original eram realizados testes de remoção de repintura para verificar a existência de pinturas subjacentes e verificar a possibilidade de remover as diversas camadas sobrepostas; e então a pintura era “recuperada” e/ou “retocada”, O descolamento da pintura era tratado com a fixação da camada pictórica com composto de cera quente.

O tratamento feito por Edson Motta tanto ao suporte quanto a camada pictórica dos elementos artísticos acima descritos, foi intitulado restauro honesto – cera/resina.14 A técnica foi aprendida por Motta pela utilização de cera e resina no Fogg Museum. Esta era utilizada para a fixação da camada pictórica, para conferir maior estabilidade hidroscópica a estrutura das telas em reentelamentos, além de ser aplicada no tratamento estrutural de suportes de pinturas sobre madeira e nos chassis.15

A técnica de transposição de suporte que consistia em transladar a pintura para um suporte composto por ripas de madeira, foi aprendida com Richard Buck16 também no Fogg Museum. Contudo, podemos dizer que as técnicas aprendidas no museu eram para tratar pinturas de cavalete, ou seja, objetos prioritariamente bidimensionais e de formatos relativamente pequenos, todavia foram usadas por Motta para tratar grandes superfícies e em muitas vezes tridimensionais, como os elementos escultóricos de retábulos e as tábulas dos forros de igrejas do Brasil, caracterizando uma inovação na técnica realizada por ele.17

A utilização em larga escala de variedades de ceras como a de abelha nos elementos artísticos de igrejas no país teve como justificativa por Motta que o “material era aparentemente impecável. Os compostos de cera\resina são muito penetrantes, bons adesivos, fundem em temperaturas relativamente baixas e eram percebidos como sendo reversíveis”18. Além de ser a opção que existia disponível no país, já que não havia a possibilidade de se obter a cera microcristalina no mercado brasileiro, material recomendado pelo Fogg Museum.19

Conclusão

Ao realizarmos essa primeira análise dos documentos sob a tutela do IPHAN, percebemos que essa documentação encontrada sobre as ações nos bens culturais de São João del Rei, bem como os diversos registros fotográficos, foram fruto de orientações, práticas e rotinas institucionais comuns realizadas pelo próprio diretor e pelos técnicos do IPHAN, e que estava em consonância com os pensamentos já difundidos à época sobre a importância da documentação, da fotografia e da guarda de documentos referentes a bens culturais em arquivos de acesso público.

A partir dessa documentação pudemos analisar as semelhanças dos casos encontrados, com relação as técnicas, materiais e até mesmo constatar que a própria instituição brasileira financiou tais obras, pois as executou com verba do próprio Setor de recuperação de obras de arte, deixando os serviços a cargo da orientação do restaurador Edson Motta e de seus colaboradores. Solidificando a preocupação do IPHAN em estar ciente de todas as modificações e intervenções propostas nas igrejas e de estabelecer seus critérios de restauração nos elementos artísticos.

Nos anos de consolidação das práticas de preservação do IPHAN, havia escassez de recursos financeiros, mão-de-obra e materiais para restauração disponíveis no mercado. Além do fato do país em seu extenso território possuir um montante grande de elementos artísticos de igrejas em precário estado de conservação, sobretudo, as Igrejas de Minas Gerais, necessitando de restaurações emergenciais. Fatos que não foram inibidores da vontade institucional de primar por realizar restaurações com o que era possível e também ser executado da melhor forma possível. Edson Motta, diante disso, teve que adaptar procedimentos técnicos de trabalho a realidade brasileira de equipamentos, materiais, recursos, no pouco tempo disponível, assim como teve que formar profissionais para atuarem como seus colaboradores, por meio dos estágios que ele mesmo ofereceu no ateliê central localizado na sede da instituição, no Rio de Janeiro. Essa formação promovida pelo restaurador é, sem duvida, um dos pontos justificáveis diante do que estamos nomeando de “escola Edson Motta” de restauração de bens móveis e integrados, cuja investigação no âmbito do Mestrado Profissional do IPHAN se encontra em andamento, com perspectiva de conclusão até o final do ano corrente.

1.

IPHAN, Brasil

2.

IPHAN, Brasil

3.

Ao longo de mais de 70 anos, essa instituição já passou pelas seguintes denominações: Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), de 1937 a 1946; Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN), de 1946 a 1970; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (PHAN), de 1970 a 1979; Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), de 1979 a 1990; Instituto Brasileiro de Patrimônio Cultural (IBPC), de 1990 a 1994; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), desde 1994.

4.

No Brasil, especificamente no âmbito da atuação do IPHAN, são utilizados quatro tipos de livros de Tombo, a saber: Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; Histórico; das Belas Artes e das Artes Aplicadas, e se destinam ao registro (inscrição) dos bens materiais que serão protegidos em esfera nacional, conforme atribuição do IPHAN e em acordo com as determinações previstas no Decreto-lei N° 25, de 30 de novembro de 1937, que “organiza a proteção do patrimônio, histórico e artístico nacional”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0025.htm.

5.

A partir da década de 1980 no Brasil, obras de arte móveis e elementos artísticos integrados à arquitetura, passaram a compor a categoria intitulada pelo IPHAN de “bens móveis e integrados”, denominados assim pela historiadora da arte e museóloga Lygia Martins Costa. Sobre esse assunto ver: Lygia Martins Costa. “A defesa do patrimônio cultural móvel”, Revista do IPHAN 22, 1987, p. 145-153.

6.

O código de ética do conservador-restaurador prevê que em qualquer trabalho de conservação e restauração seja realizada apurada pesquisa do histórico de intervenções e do estado de conservação dos bens. Assim como é importante realizar documentação de todas as etapas de trabalho acompanhadas de fotografias do antes, durante e após as intervenções. Ver: Código de ética do conservador-restaurador. São Paulo, 16. Nov. 2005. Disponível em: <http://www.aber.org.br/pdfs/Codigo_de_etica_v2.pdf>. Acesso em março de 2017.

7.

Este setor foi criado em 1947, foi formalizado em 1964, sendo subordinado à Divisão de Conservação e Restauração - DCR, regulamentado pela Portaria Ministerial de 20/02/1964. Ele teve as seguintes denominações: “Setor de Recuperação de Talha e Pintura Antiga”, “Setor de Recuperação de Pintura, Escultura e Manuscritos”, “Centro de Restauração de Bens Culturais”. Ver Aloísio Arnaldo Nunes de Castro. A trajetória histórica da conservação-restauração de acervos em papel no Brasil. Dissertação (Mestrado no Programa de Pós-Graduação em História) – Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora, 2008; Orlando Ramos. “Restauração de bens móveis e integrados: 40 anos”, Revista do IPHAN 22, 1987, pp. 154-157; e María Sabina Uribarren. Contatos e intercâmbios americanos no IPHAN: O Setor de Recuperação de Obras de Arte (1947-1976). Tese de Doutorado. USP. São Paulo, 2015.

8.

Sobre a organização estrutural do IPHAN ver Analucia Thompson. “Campo cultural e contexto histórico: nomes do IPHAN”, en Lia Motta (org.): Um panorama do campo da Preservação do Patrimônio Cultural. Caderno de Estudos do PEP/MP Nº 9. Rio de Janeiro, Copedoc/DAF/IPHAN, 2015.

9.

Nayara Cavalini de Souza. Documentos fotográficos no Arquivo: preservação, conservação, dissociação e acesso no Arquivo do Patrimônio (IPHAN/RJ). Dissertação de mestrado. IPHAN, Rio de Janeiro, 2014, p. 37.

10.

Ibidem, p. 30.

11.

Brenda Coelho Fonseca y Telma Soares Cerqueira. “Mapeamento preliminar das atividades dos fotógrafos no IPHAN (1937-1987)”, en Bettina Zellner Grieco (org.): Entrevista com Erich Joachim Hess. Memórias do Patrimônio, 3. Rio de Janeiro, IPHAN/ DAF/Copedoc, 2013, p. 21.

12.

Ibidem, p. 18.

13.

Edson Motta. Relatório ao Diretor da D.C.R, maio de 1958. Série Arquivo Técnico Administrativo do IPHAN / Subsérie: Restauração Pintura – Igreja Pilar (Matriz).

14.

May Christina Cunha de Paiva y Edson Motta Jr. “A conservação artística no Brasil entre 1948 e 1976: o restauro honesto e a cera/resina”, TAREA, 3(3), 2016, p. 63.

15.

Ibidem, p. 62.

16.

Richard Buck foi um dos tutores de Edson Motta em seu estágio no Fogg Museum. Ele fazia parte da Equipe do FM, e dedicava-se principalmente aos estudos da restauração de madeiras.

17.

 María Sabina Uribarren. Contatos e intercâmbios americanos no IPHAN: O Setor de Recuperação de Obras de Arte (1947-1976). Tese de Doutorado. USP. São Paulo, 2015, p.124

18.

May Christina Cunha de Paiva y Edson Motta Jr. “A conservação...”, op. cit., p. 61.

19.

María Sabina Uribarren. Contatos e intercâmbios..., op. cit., p. 128.