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A fundição artística no Rio de Janeiro do segundo reinado (1840-1889)

por Alberto Martín Chillón11. Departamento d (…)

A fundição artística no Rio de Janeiro do Segundo Reinado (1840-1889) foi tradicionalmente entendida como um campo quase inexistente, um período improdutivo entre a obra de Valentim da Fonseca e Silva, o mestre Valentim (1745-1813), que fundiria algumas peças em bronze e diferentes ligas metálicas no final do século xviii e começo do século xix, o auge da fundição durante a República e especialmente o surgimento das grandes fundições no começo do século xx, como a Fundição Indígena, a Fundição Cavina e a Fundição Zani, responsáveis pela fundição de grandes conjuntos monumentais.

A fundição artística é um tema de estudo que ainda tem muito a contribuir ao conhecimento da escultura e da arte oitocentista. Um dos poucos estudos dedicados ao tema foi redigido por Nicolau Abrantes, em 1979, História da fundição artística do Brasil.22. N. Abrantes. H (…) Esta obra, referente para o conhecimento do tema, destaca a ausência de fundição artística até as obras de Bernardelli, ainda que enumere os estabelecimentos de fundição de metais existentes, dedicados à fundição de maquinaria e diferentes objetos, principalmente em ferro e bronze. Este trabalho referencial é recolhido por Mauro Lino do Nascimento em Arte e técnica: escultura brasileira no século xix, quem também destaca a ausência de fundição artística. Partindo assim da assunção da historiografia de uma inexistência do fenômeno, tratamos de verificar o estado deste tipo de fundição no Segundo Reinado e de saber se realmente foi um campo tão estéril como tradicionalmente foi entendido.

Diante da falta de qualquer tipo de informações sobre a fundição artística, o presente artigo se propõe a apresentar uma primeira aproximação ao assunto, trazendo a fundição artística para o conhecimento e o debate acadêmico, pensando nas mudanças no entendimento da arte oitocentista e apresentando algumas questões que aparecem ligadas a ela, como o desejo de progresso e civilização e a valorização do nacional diante do estrangeiro. Deixando de lado a Casa da Moeda e a fundição de medalhas e moedas, apresentaremos, nesta primeira aproximação ao assunto, as figuras dos irmãos Marc e Zéphyrin Ferrez, Justino de Alcântara, Miguel Couto dos Santos, Adam Urbach e Henry Hargreaves, e lugares como a Fundição Ponta de Areia ou a Fundição da Estrada de Ferro Dom Pedro ii.

Assim, o presente artigo, primeira aproximação ao assunto, revela um fenômeno tradicionalmente esquecido e que resulta importante nos estudos oitocentistas, apresentando uma série de fundidores e obras, a modo de subsídios para futuras pesquisas e, principalmente, para reivindicar a fundição e a complexidade da escultura oitocentista brasileira.

1. As primeiras tentativas de fundição artística nacional

Na primeira metade do século xix, destacam-se, especialmente no Rio de Janeiro, as figuras dos escultores Marc e Zéphyrin Ferrez, artistas chegados com a conhecida “Missão Artística Francesa”, e a de um fundidor menos conhecido, Justino de Araújo. Juntos eles serão os responsáveis por tentar continuar as experiências de fundição do Mestre Valentim.

Como aponta Monteiro de Carvalho, a obra de Valentim “participou do processo de civilidade e esclarecimento da sociedade carioca setecentista”,33. A. M. F. M. de (…) cuja cidade tinha a nova condição de capital do vice-reino. Especialmente durante a gestão do vice-rei dom Luís de Vasconcellos (1779-1790), de ideias iluministas, como nota Carvalho, a cidade sofreu um grande surto de racionalização urbana, destacando o saneamento, o abastecimento de água e o embelezamento da cidade. Desta reforma surgiram as várias fontes para as quais Valentim realizou obras em bronze e várias ligas metálicas, fundidas na Casa do Trem. Dentre elas, destaca-se especialmente o Chafariz das Marrecas, com as figuras de Echo e Narciso, além da Fonte dos Amores no Passeio Público, o Chafariz do Lagarto e o Chafariz dos Saracuras.

Em uma situação análoga, os artistas conhecidos como “Missão Artística Francesa” também tiveram que responder às necessidades da cidade como sede da nova Corte e depois como capital do novo Império. Especialmente após a coroação de Dom Pedro ii, como aponta Elaine Dias,44. E. Dias. “Féli (…) e depois do período convulso da regência, “há a necessidade natural de se formar um programa nacionalista que corresponda, efetivamente, à instalação de um novo governo”.55. E. Dias. “Féli (…)

O Segundo Reinado precisava da construção histórica e imagética e, neste ponto, o monumento público será um elemento fundamental.66. E. Dias. Félix (…) Como apontará Manuel de Araújo Porto-Alegre,77. M. de A. Porto (…) o monumento público não só será o fim mais nobre e desejado para a estatuária, senão que será elemento civilizador e reflexo do desenvolvimento da sociedade, seguindo as ideias de Taunay.88. E. Dias. “Féli (…)

1.1. Marc e Zhépyrin Ferrez

Neste sentido, e visando realizar monumentos de forma autônoma no Brasil, Zéphyrin Ferrez propôs no seu projeto de construção de um monumento a Dom Pedro I e outro a José Bonifácio em 1839, assinado junto com Grandjean de Montigny, a construção de umas instalações adequadas para a fundição local do monumento. Para isso, o orçamento apresentado para a realização dos monumentos, com um total de 68.118.000 réis, destinava 9.040.000 à construção de um forno de fundição, com os seguintes itens: o alicerce do forno, 1.460.000 réis; a fossa revestida de cantaria, 2.000.000 réis; 30 milheiros de tijolos refratários, 900.000 réis; 60 milheiros de tijolos de alvenaria, 1.080.000 réis; porta de ferro à romana para o d.º, 400.000 réis; e jornais de obreiros e serventes, 1.600.00 réis.99. Descrição das (…)

O segundo grande projeto que incluía fundição em bronze, assinado por Marc e Zéphyrin Ferrez, foi o projeto do chafariz da Carioca em 1840. Nele, propõem de novo a realização de várias figuras e ornamentos em bronze: armas de 20 palmos, duas mulheres índias de 18 polegadas, duas meninas índias, quatro golfinhos, dois cavalos-marinhos, uma cabeça de Netuno e a inscrição Carioca.1010. Correio Oficia (…)

Gilberto Ferrez, bisneto de Zéphyrin Ferrez, aponta as tentativas do escultor de estabelecer uma fundição que chegaria a fundir os canos de chumbo da fonte da Carioca e uma pequena figura do imperador de três palmos,1111. Império do Bra (…) modelo para a realização da estátua em mármore de Dom Pedro i, obra de Francesco Benaglia,1212. Ferrez, G. “Os (…) e conservado no Museu Nacional de Belas Artes. O Correio Oficial, em 1841, indica três fundidores de ferro e cobre, propriedade dos Srs. Ferrez, Paris e Parot.1313. Correio Oficia (…) Já em 1833, Le Mesager du Brésil1414. Le Messager du (…) destaca o trabalho de fundição de Marc Ferrez, que trabalharia ferro, bronze, cobre e estanho.

Parece que Marc Ferrez também fundiria os capitéis da fachada da Academia de Belas Artes, pois, em 18 de dezembro de 1846, a instituição decidiu que o professor seria o responsável por modelá-los1515. Atas do direto (…) e, em 20 de dezembro de 1847, as atas mostram como já havia recebido o bronze do Arsenal de Guerra, momento em que também lhe são encomendadas as estátuas de Apolo e Minerva para a mesma fachada.1616. Atas do direto (…)

Em relação à produção dos irmãos Marc e Zéphyrin Ferrez, sua atuação no mercado privado e suas iniciativas empresariais têm passado mais despercebidas do que sua produção escultórica. Os escultores criaram indústrias. O primeiro, abrindo em 1836 uma loja e uma oficina de escultura na própria Academia de Belas Artes, onde além de bustos de gesso e barro, o que seria sua principal produção escultórica, encarregava-se da realização de “vazos para jardins, proprios para repuchos, bem como diversas obras de talha, taes como pernas de commoda, encostos de cadeiras &c. &c., tudo pelo mais commodo preço”.1717. Diário do Rio (…) Por sua vez, Zéphyrin Ferrez aparece, em 1824, oferecendo a realização de “botões para qualquer corporação militar, chapas, armas e laços para barretinas”,1818. Diário do Rio (…) e formando sociedade com o ourives francês José Hartmann, para depois fundar, em 1841, uma fábrica de papel no Andaraí, após a tentativa de estabelecer uma fundição.1919. G. Ferrez. “Os (…)

Parmi un grand nombre d´etablissmens recommendables nous citerons la fonderie de M. Ferrez, dans la Cidade Nova, ou le fer, le bronze, le euivre et lé étain prennent toutes les formes que la consomation exige. Cette intéressante usine mérite toute espèce d´encouragement.2020. Império do Bra (…)

1.2. Justino de Araújo

Na década de 1840, outro artista estava realizando fundições em pequeno formato, Justino de Araújo. Este personagem pouco conhecido trabalha de novo, como já o fez o mestre Valentim, principalmente em chafarizes da cidade. Em 1837, foi-lhe encomendado o menino em metal da fonte do Passeio Público,2121. Diário Oficial (…) sem constância de sua conclusão. Os trabalhos que chegou a entregar foram os dois golfinhos de bronze que ornavam a fonte do Cais do Valongo, já fundidos em 19 de fevereiro de 1841,2222. Jornal do Comé (…) pelos quais recebeu 745.200 réis.2323. Diário do Rio (…) A câmara municipal encomendou-lhe de novo, em 1845, outros golfinhos para o chafariz da Praça do Mercado,2424. Diário do Rio (…) chafariz inaugurado em 2 de dezembro de 1840.2525. Jornal do Come (…) Justino de Araújo, fundidor por conta própria, resulta uma figura um tanto intrigante, pois viu-se envolvido em um escândalo não muito claro na Casa da Moeda, onde era diretor de corte de cobre, fundição e máquinas de laminar,2626. Astréa, 11 de (…) e seria acusado de impostor ao fazer-se passar por maquinista, sendo ele um simples serralheiro. Devido a este assunto, em 1846, aparece como fugido da Corte, sem deixar mais notícias.2727. Diário do Rio (…)

2. Civilização e progresso

O que ficou conhecido como projeto civilizatório do Império percorre a historiografia do século xix brasileiro. Este desejo de civilização e progresso, de equiparar-se às nações mais desenvolvidas, aparece em múltiplas ocasiões e diferentes discursos ao longo do século, desde os discursos de Taunay e Lebreton, passando por Araújo Porto-Alegre, quem propôs uma série de medidas para desenvolver as artes nacionais.2828. M. de A. Porto (…) Uma das ferramentas fundamentais deste projeto nas artes foi a Academia Imperial de Belas Artes,2929. A. M. dos Sant (…) fundada por Dom João vi, levando em consideração que as artes eram indispensáveis à civilização dos povos e instrução pública, contribuindo à perfeição dos objetos da Indústria, Física e História Natural.3030. Colleção das L (…) Assim, na fundação da Sociedade Propagadora das Belas Artes e do Liceu de Artes e Ofícios se destaca como as Belas Artes eram “o influxo de todas as indústrias, as bases de toda a perfeição manufatureira”,3131. O Brasil Artís (…) e elas seriam as geradoras da indústria e, por sua vez, geradoras do comércio. A fundação da Sociedade Propagadora e do Liceu, com o intuito de promover as artes, o ensino técnico-profissional e a formação de mão de obra qualificada3232. Ibid. (…) coincide com a Reforma Pedreira da Academia Imperial, destacando as figuras dos artistas-artífices, aplicados às artes industriais.3333. L. C. A. Squef (…) Esta reforma acontece no grande surto industrial do país na década de 1850, quando foram criadas ou se consolidaram algumas das instituições referenciais na fundição artística, como a Fundição Ponta de Areia ou a Estrada de Ferro, ainda que existissem grandes fundições anteriores, como a Real Fábrica de Ferro São João de Ipanema.

Como exemplo deste desejo de progresso e civilização e também do desenvolvimento industrial da década de 1850, assistimos à criação das Exposições Nacionais, celebradas pela primeira vez em 1861 e organizadas como meio de concorrer à Exposição Internacional de Londres de 1862, denominada como “justa do progresso e da civilização”.3434. Lilia Moritz S (…) Sem dúvida, a i Exposição Nacional, em 1861, será um marco privilegiado para a fundição artística e uma amostra do progresso do império nas diferentes indústrias e artes. Nesta ocasião, podemos contabilizar no catálogo vários fundidores com diversos trabalhos artísticos em maior ou menor grau. A obra mais importante e que abria o catálogo seria a efígie pedestre de Dom Pedro II, fundida em bronze na Fundição Ponta de Areia (imagem 1).

Esta obra teve pouca repercussão na imprensa e na historiografia e, no catálogo, não se especifica o autor, dando mais importância à fundição do que à própria criação artística. A obra resulta quase similar à estátua em mármore que Ferdinand Pettrich realizaria em mármore para a Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, apresentando pequenas modificações, como a barba do imperador. Segundo O Diário do Rio de Janeiro de 1873,3535. Diário do Rio (…) seria obra de Francisco Manuel Chaves Pinheiro, professor de estatuária da Academia Imperial de Belas Artes, sendo pouco elogiada no mesmo jornal:

foi pessimamente moldada, os ornamentos estão sem detalhes, na mursa do manto imperial sobresahem os defeitos de um modo notavel, pos do lado esquerdo as pennas estão com todo o relevo; no entanto que do lado direito mal se distinguem: nos pes em alguns pontos o metal penetro a massa do molde e as costas ficaram cheias de pequenas fendas.3636. Diário do Rio (…)

Neste ponto, cabe destacar que não apenas essa estátua responderia a uma crítica à encomenda de obras a artistas estrangeiros, mas também à clara dominação de obras fundidas em ferro, principalmente francesas, como as da Barbezat e da Fonderia Val D’Osne que, por seu menor preço, foram colocadas em escolas, prédios oficiais, jardins e praças, encomendando fontes, estátuas ou luminárias.3737. E. Junqueira e (…)

A fundição Ponta de Areia3838. B. P. Momesso. (…) foi comprada em 1846 ao inglês Charles Colmann por Irineu Evangelista de Sousa, o barão de Mauá. Nela realizavam-se diversas obras de fundição, não figurando mais fundições escultóricas nas suas instalações. Originalmente de ferro, foi criada em 1844, com depósito e agência na rua de São Pedro, 75, recebendo:

encommendas de toda a obra de ferro fundido, como sejão: moendas de engenho de assucar, de tachos, canos para aqueductos, molinetes e escovens, e guindastes; caldeiras para fabricas de sabão e de sebo, portões e gradarias para chacaras, fogões, peças de machinas de vapor, e em geral de toda a obra de ferro fundido.3939. Jornal do Comé (…)

Dentre os fundidores concorrentes na Exposição de 1861, destacam-se Adam Urbach, Henry Hargreaves e Miguel Couto dos Santos, cujas personalidades, até agora ignoradas, tentaremos esclarecer aqui.

2.1. Adam Urbach

Adam Urbach, de origem belga, entrou no porto do Rio de Janeiro em 9 de agosto de 18494040. Jornal do Comé (…) e trabalhava como fundidor no Arsenal da Marinha em 1851,4141. O Correio da T (…) para depois abrir uma fundição própria em 1856, na rua da Guarda Velha, 16, fundindo peças para máquinas de vapor e de engenho, ornamentos para grades, camas e figuras.4242. Correio Mercan (…)

 Imagem 1. Francisco Manuel Chaves Pinheiro. Dom Pedro II, 1862, bronze. Fonte: Recordações da Exposição Nacional de 1861. Rio de Janeiro, Typ. de L. Winter 1862.

Imagem 1. Francisco Manuel Chaves Pinheiro. Dom Pedro II, 1862, bronze. Fonte: Recordações da Exposição Nacional de 1861. Rio de Janeiro, Typ. de L. Winter 1862.

Na Exposição Nacional de 1861, apresentou várias obras que lhe renderam uma menção honrosa na seção indústria metalúrgica, artes e produtos químicos,4343. Correio Mercan (…) sendo um arado de sistema americano,4444. F. M. dos Sant (…) vários ornatos para camas (imagem 2), dois medalhões de ferro fundido - um com o retrato do imperador e o outro com as armas imperiais -4545. Ibid. (…) e a que foi sua peça mais destacada, uma escada de caracol definida como de elegante desenho e boa fatura.4646. Jornal do Comé (…) Esta obra introduz a questão dos escultores por trás de estabelecimentos como as marmorarias e as fundições, pois não seria o próprio Urbach quem modelaria as peças, senão que haveria escultores de ornatos ou artesãos para o desenho e modelagem das mesmas, que poderiam ser escravos, como sucede frequentemente nestes estabelecimentos e que, no caso da escada, sabemos que foi desenhada pelo moldador Monteiro.4747. Ibid. (…) Depois da Exposição, segue anunciando-se, na rua da Saúde, 178, como artífice de peças de máquina a vapor tanto de mar como de terra, e para engenhos e ornamentos.4848. Correio Mercan (…)

 Imagem 2. Adam Urbach. Ornatos para camas, ferro fundido. Exposição Nacional, 1861. Fonte: Recordações da Exposição Nacional de 1861. Rio de Janeiro, Typ. de L. Winter 1862.

Imagem 2. Adam Urbach. Ornatos para camas, ferro fundido. Exposição Nacional, 1861. Fonte: Recordações da Exposição Nacional de 1861. Rio de Janeiro, Typ. de L. Winter 1862.

2.2. Henry Hargreaves

Por sua vez, o inglês Henry Hargreaves chegou ao porto do Rio de Janeiro no dia 8 de novembro de 1860,4949. Correio da Tar (…) instalando-se na rua do Livramento, 149, e rua da Gamboa, 34,5050. Indicador Alph (…) labor continuado por sua viúva e filhos, Carlos Fleming Hargreaves e Henrique Eduardo Hargreaves.5151. Novo e Complet (…)

O fundidor recebeu uma menção honrosa5252. Correio Mercan (…) pelo seu relevo fundido em ferro com as efígies dos imperadores para a máquina de cunhar da Casa da Moeda (imagem 3), cujo modelo poderia ser o retrato em medalhão em gesso de Suas Majestades Imperiais que Christian Lüster apresentou na Exposição Geral de 1860.

 Imagem 3. Máquina para cunha moeda. Exposição Nacional, 1861. Fonte: Recordações da Exposição Nacional de 1861. Rio de Janeiro, Typ. de L. Winter 1862.

Imagem 3. Máquina para cunha moeda. Exposição Nacional, 1861. Fonte: Recordações da Exposição Nacional de 1861. Rio de Janeiro, Typ. de L. Winter 1862.

2.3. Christian Luster

Christian Luster, artista dinamarquês residente no Rio de Janeiro, atuou principalmente na Casa da Moeda:

A S. Ex. o Sr. ministro da fazenda Consta-nos que o Illm. Sr. provedor da casa da moeda protege cegamente o Sr. Christiano Luster, dinamarquez, allegando ser elle o artista de confiança, o primeiro gravador e o unico habilitado para ocupar o logar de chefe de secçao da officina de gravura de medalhas.
Esse mesmo gravador não tendo o menor conhecimento das formas exteriores do corpo humano, não sabendo differençar o estylo de medalhas do estylo de moedas, e occupando-se exclusivamente em pollir aço, estará nas condições exigidas pelo regulamento para bem desempenhar esse logar? Quaes forão os seus principios artísticos na Dinamarca? Que trabalhos apresentou elle chegando ao Rio de Janeiro, como gravador de medalhas, e quaes as suas provas de habilitações na casa da moeda, logo que foi contratado pelo governo imperial?
Ainda hoje, apezar da proteção que tem encontrado para perceber o ordenado de 103 diarios, os seus trabalhos, apresentados como chefes - d’obra, poderão ser analysados conscienciosamente pelos entendidos da materia.5353. O Brasil Artís (…)

Este artista terá uma grande produção, principalmente de medalhas e moedas, alcançando uma posição destacada no âmbito artístico. Assim, após a morte do professor José da Silva Santos no dia 8 de dezembro de 1869,5454. Avulso n. 5391 (…) a Cadeira de Gravura de medalhas da Academia Imperial de Belas Artes permaneceria vaga até 1882, quando substitui-se pela Cadeira de Xilogravura, de vida curta. Houve várias tentativas de prover professores a esta cadeira. Em 1 de janeiro de 1871, baseado no artigo 15 do Decreto n.º 2424, de 25 de maio de 1859, que permitia prover sem concurso as cadeiras vagas depois da data de publicação do decreto, o diretor da Academia propõe como professor a Christian Lüster, da Casa da Moeda, “vantajosamente conhecido na sua especialidade, e autor das melhores medalhas gravadas n´aquella casa n´estes ultimos annos, já condecorado com o officialato da Ordem da Rosa pelos seus trabalhos artísticos, premiado por esta Academia”.5555. Ibid. (…)

2.4. Miguel Couto dos Santos

O fundidor mais relevante do período por sua produção artística seria, sem dúvida, o português Miguel Couto dos Santos (imagem 4), quem apresentou na Exposição Nacional de 1861 vários ornatos de ferro fundido (imagem 5), oito painéis e um quadro representando o Brasil, pelos quais recebeu uma medalha de prata.5656. Almanak Admini (…)

 Imagem 4. Miguel Couto dos Santos. Fonte: Semana Illustrada, 2 de fevereiro de 1876, n. 634.

Imagem 4. Miguel Couto dos Santos. Fonte: Semana Illustrada, 2 de fevereiro de 1876, n. 634.

Miguel Couto dos Santos anunciou-se, desde 1848, como ferreiro e serralheiro,5757. Almanak Admini (…) sendo entre 1865 e 1874 mestre ferreiro e serralheiro da Casa Imperial e, segundo seus anúncios no Almanak Comercial, proprietário da Imperial Fundição de ferro e bronze (imagem 6), entre 18715858. Almanak Admini (…) e 1875,5959. Almanak Admini (…) e em 1876 e 1877,6060. Almanak Adminis (…) já como Couto dos Santos & Castro. No entanto, o título de Imperial Fábrica de Fundição de ferro (imagem 7) aparece nos seus anúncios desde 1863,6161. Jornal do Comé (…) sendo reconhecido em várias ocasiões pela imprensa com este título.6262. Jornal do Comé (…)

 Imagem 5. Miguel Couto dos Santos. Ornatos. Exposição Nacional, 1861. Fonte: Recordações da Exposição Nacional de 1861. Rio de Janeiro, Typ. de L. Winter 1862.

Imagem 5. Miguel Couto dos Santos. Ornatos. Exposição Nacional, 1861. Fonte: Recordações da Exposição Nacional de 1861. Rio de Janeiro, Typ. de L. Winter 1862.

Após a liquidação da firma comercial, será sucedido por Costa Ferreira & Dias com o mesmo tipo de produção diversificada, contemplando o que se considerava ornamental, mas focado maioritariamente na maquinaria e fundição industrial. Assim, Costa Ferreira & Dias, com sede na rua da Imperatriz, 118, 120 e 122, oferece em 1879:

Grande sortimento de ornatos de ferro fundido, batido e bronze, para construcções, como sejão: Grades para sacadas, janellas, terraços, cancellas; Chafarizes para praças publicas e particulares; Columnas de ferro fundido e batido, de todos os tamanhos, lizas ou ornadas; Escadas de ferro fundido, espiraes ou de qualquer feitio...6363. Almanak Admini (…)
 Imagem 6. Fatura de Miguel Couto dos Santos. Avulso n. 2.621. Arquivo do Museu dom João VI, EBA/UFRJ.
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Imagem 6. Fatura de Miguel Couto dos Santos. Avulso n. 2.621. Arquivo do Museu dom João VI, EBA/UFRJ.

O fundidor, natural da cidade do Porto, Portugal, estabeleceu-se na rua da Imperatriz, sendo destacado pela imprensa como um dos maiores representantes da indústria nacional, produzindo máquinas de boa qualidade6464. O Auxiliador d (…) e contando com mão de obra brasileira e portuguesa.6565. O Portuguez, 2 (…) Foi visitado em 18626666. Courrier du Br (…) e 18696767. Diário do Rio (…) tanto pelo imperador D. Pedro ii que, de acordo com O Português, tinha especial predileção pela fundição,6868. O Portuguez, 2 (…) assim como pelo Conde d´Eu, quem, em 1867, conheceu as oficinas e assistiu por duas horas à fundição de várias peças em ferro.6969. Correio Mercan (…)

Como assinalava O Português, em 1865, Couto não só se distinguia como artista, mas também tinha uma forte presença em associações beneficentes e civis, sendo conselheiro em 18697070. Almanak Admini (…) e 18717171. Diário do Rio (…) da Sociedade Propagadora das Belas Artes, comissário na Sociedade Reunião de Expositores,7272. Almanak Admini (…) conselheiro de inspeção de aulas no Liceu Literário Português,7373. Almanak Admini (…) membro da Sociedade Portuguesa de Beneficência,7474. Correio Mercan (…) conselheiro da Associação de socorros mútuos das classes laboriosas,7575. Correio Mercan (…) diretor da sociedade Madrepora,7676. A Atualidade, (…) membro da Caixa de Socorros de Pedro V7777. Almanak Admini (…) e definidor 7878. Almanak Admini (…) e ministro7979. Almanak Admini (…) da Confraria dos Martyres S. Gonçalo Garcia e S. Jorge. Foi membro da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, na qual fez parte de comissões para a seção de máquinas e aparelhos,8080. O Auxiliador d (…) e para a qual propôs como sócios a Evaristo Xavier da Veiga,8181. O Auxiliador d (…) Job Justino de Alcântara e José da Silva Santos, em 1862.8282. O Auxiliador d (…)

 Imagem 7. Imperial Fábrica de Fundição. Porta do palácio do barão de Nova Friburgo, Rio de Janeiro.

Imagem 7. Imperial Fábrica de Fundição. Porta do palácio do barão de Nova Friburgo, Rio de Janeiro.

Na sua trajetória, foi premiado em várias ocasiões. Recebeu a medalha de prata na Exposição Geral de 1860,8383. Diário do Rio (…) a medalha de prata na Exposição Nacional de 1861,8484. Diário do Rio (…) a medalha de ouro na Exposição Geral de 1862,8585. A Atualidade, (…) uma menção honrosa na Exposição de Londres de 1862,8686. A Atualidade, (…) a medalha de ouro na Exposição Geral de 1866,8787. Correio Mercan (…) a medalha de ouro na Exposição Nacional de 1867,8888. Diário do Rio (…) o título de cavaleiro da Ordem da Rosa por decreto de 29 de julho de 1864, o hábito da mesma em 18708989. The Anglo-Braz (…) e o hábito de Santiago de Portugal em 1876.9090. Diário do Rio (…)

A primeira grande obra de fundição artística encontrada é a porta em ferro fundido do Jardim Botânico, realizada em 1860 segundo os desenhos do diretor do Museu, Custódio Alves Servão.9191. L´Echo du Bres (…) A fundição de grades artísticas será um dos principais labores do fundidor, que realizou a grade da Casa da Moeda, aprovada em 1866 por 10 contos de réis, a grade e as portas do palácio do barão de Nova Friburgo, e a porta principal do Conservatório de Música, hoje Centro Hélio Oiticica, em 18719292. Brasil. Minist (…) (imagem 8), e ofereceu, como diretor da Sociedade Madrepora, uma grade para a sepultura de João Caetano dos Santos, feita de ferro fundido, no cemitério de São Francisco de Paula,9393. A Atualidade, (…) com:

 Imagem 8. Portão do Conservatório. Centro Hélio Oiticica, 1871. Ferro fundido. Rio de Janeiro.

Imagem 8. Portão do Conservatório. Centro Hélio Oiticica, 1871. Ferro fundido. Rio de Janeiro.
quatro fachos voltados symbolisando a extincção da luz da vida; nos extremos e nos planos lateraes cercam-a dezoito coróas de louro fechadas por uma saudade, recordando os fastos do artista e a dôr que deixou seu prematuro passamento. Sobre estes emblemas correm entrelaçadas folhas de cypreses e papoulas, rematando cada floreio em uma dormideira, expressão do eterno somno. A pintura da grade imita o bronze, sendo dourados alguns ornatos.9494. Ibid. (…)

Para o cemitério de São Francisco de Paula, realizou a grade da porta lateral, hoje perdida, usada no Brasil Artístico como símbolo das possibilidades da arte nacional, o que ocorrerá frequentemente na crítica sobre o fundidor, como um projeto destinado a chamar a atenção do público e como estímulo para realizar, na frente do cemitério, uma obra monumental e grandiosa, ao mesmo tempo em que para “provar que no paiz havia recursos proprios, sem ser necessario mendigar no estrangeiro”.9595. Brasil Históri (…) Job Justino de Alcântara, professor aposentado da Academia, realizou o desenho executado em granito nacional da pedreira de São Lourenço, lavrado pelo português José dos Santos Vilak, que constava de quatro pilastras de ordem toscana rematadas por vasos funerários.9696. Ibid. (…)

 Imagem 9. Miguel Couto dos Santos. Grade do monumento a Dom Pedro I, 1866, ferro. Rio de Janeiro.

Imagem 9. Miguel Couto dos Santos. Grade do monumento a Dom Pedro I, 1866, ferro. Rio de Janeiro.

O gradil que circunda o monumento a Dom Pedro i (imagens 9 e 10) seria sua obra mais importante, pela qual obteve medalha de ouro na Exposição Geral de 1866,9797. Correio Mercan (…) e que apresenta uma boa qualidade artística, com os dragões dos Bragança sustentando os oito faróis, e o escudo do Império, alternando com as iniciais P. I. no gradil. O próprio artista contribuiria com 2.000.000 réis, uma quantidade muito significativa para a construção do monumento, que foram amplamente recuperados com a encomenda do gradil, pelo qual recebeu 31.200.000 réis, contando a construção e assentamento de todos os elementos.9898. Boletim da Ilu (…)

 Imagens 10. Miguel Couto dos Santos. Grade do monumento a Dom Pedro I, 1866, ferro. Rio de Janeiro.

Imagens 10. Miguel Couto dos Santos. Grade do monumento a Dom Pedro I, 1866, ferro. Rio de Janeiro.

No que se refere à fundição de esculturas ou relevos, encontramos alguns exemplos na produção de Couto. Na Exposição Nacional, apresentou um quadro alegórico representando o Brasil, que também participou da exposição universal de Londres em 1862. No mesmo ano, concorreu à Exposição Geral com a fundição de um busto em bronze do diretor da Academia,9999. A Atualidade, (…) tirado do original em mármore de José da Silva Santos. Em 1865, ofereceu por meio de sua filha um alto relevo da Verônica, fundida para contribuir com o leilão da Sociedade Portuguesa de Beneficência.100100. Correio Mercan (…) Já em 1870, ofereceria um busto de Dom Pedro v,101101. Diário do Rio (…) fundido na sua oficina. Para a escultura do mesmo rei, inaugurada no Gabinete Português de leitura por iniciativa da Sociedade Portuguesa de Beneficência, a Sociedade Madrepora e o Grêmio Literário Português ofereceu a armação do dossel que a cobria.102102. Diário do Rio (…) Na Exposição Geral de 1870, apresentaria também uma coroa imperial fundida em ferro de uma só peça.103103. Diário do Rio (…)

Uma de suas produções mais especiais foi o portão de ferro fundido do Asilo de Dona Maria Pia em Lisboa (imagem 10), que saiu para a cidade portuguesa na galera Aurora em 1869,104104. Semana Illustr (…) no qual integrava a ferraria e a fundição de um grande relevo escultórico, obra de Francisco Manuel Chaves Pinheiro, representando a Maria Pia de Savoia exercendo a Caridade, com as personificações de Itália e Portugal nas laterais.

Miguel Couto dos Santos apresenta-se, assim, como um fundidor muito ativo, especialmente na década de 1860, e é considerado, diferentemente de outros fundidores do período, como um artista que, ainda que não se dedicasse especificamente à fundição artística, realizou grandes obras de ferraria e alguns bustos e relevos tanto em ferro quanto em bronze. Ainda que até o momento não possamos identificar obras de sua autoria, pois nas fundições escultóricas usa modelos de escultores como José da Silva Santos e Francisco Manuel Chaves Pinheiro, Couto transita no âmbito artístico concorrendo às Exposições Nacionais e Gerais, alcançando os maiores reconhecimentos.

 Imagem 11. Fachada do Asilo dona Maria Pia, Lisboa. Miguel Couto dos Santos, sobre modelo de Francisco Manuel Chaves Pinheiro. Relevo do portão do asilo de dona Maria Pia, 1869, ferro fundido, Lisboa.

Imagem 11. Fachada do Asilo dona Maria Pia, Lisboa. Miguel Couto dos Santos, sobre modelo de Francisco Manuel Chaves Pinheiro. Relevo do portão do asilo de dona Maria Pia, 1869, ferro fundido, Lisboa.

2.5. Fundições na Estrada de Ferro

Na década de 1880, assistimos a duas importantes fundições nas oficinas da Estrada de Ferro Dom Pedro II: a estátua do ministro Buarque de Macedo, de Chaves Pinheiro, fundida em ferro em 1884 (imagem 11), e a estátua do Progresso, de Almeida Reis, fundida em bronze em 1885 (imagem 12). A estátua de Buarque de Macedo, moldada em 1882,105105. Gazeta de noti (…) foi fundida em ferro em 1884, com um peso de 1.300 quilos, sob a direção do mestre Joaquim dos Santos Paranhos e moldada pelo fundidor oficial José Soares de Medeiros,106106. Revista de eng (…) para fazer parte de um monumento dedicado à figura de Manuel Buarque de Macedo, nascido em Recife em 1837 e morto em Minas Gerais em 1881. Engenheiro da Estrada de Ferro de Dom Pedro II, conselheiro do imperador e ministro de Agricultura, Comércio e Obras Públicas, foi representado em pé com a farda de 2ª gala, condecorado com a Ordem da Rosa, segurando, na mão direita, o decreto de abastecimento de água e, na esquerda, uma luva. Nos pés, aparecem uma esfera geográfica, regras e esquadras.

 Imagem 12. Buarque de Macedo, 1884, ferro fundido.

Imagem 12. Buarque de Macedo, 1884, ferro fundido.

Diferentemente desta obra, um ano depois, Almeida Reis realizaria os moldes e as correções da efigie do Progresso, 4,10 metros,107107. Gazeta da Tard (…) fundida sob a direção do chefe da locomoção,108108. Revista de eng (…) o que constitui um fato muito relevante ao que acudiria o próprio imperador em 14 de julho de 1885, narrado assim pela Revista de Engenharia:

O cobre, que era proveniente de antigas moedas de 40 e 20 rs., já inutilisadas pela Casa da Moeda foi introduzido em um forno onde se fundiu rapidamente. O estanho foi fundido em outros pequenos fornos ao lado do grande. Posto na mesma cuba de ferro o cobre e o estanho já fundidos, foi esta liga derramada nos moldes em primeiro logar no da cabeça, correndo perfeitamente a operação, e em seguida no do tronco.109109. Revista de eng (…)

A obra, encomendada pelo diretor da Estrada de Ferro, Ewbank de Camara, foi inaugurada no dia 2 de novembro de 1885 na Estação Central (imagem 13), valendo 1.500.000 réis, sendo considerada, no momento, a primeira escultura de bronze fundida no país;110110. Diário de Notí (…) porém, foi originalmente projetada em cimento111111. O mequetrefe, (…) para substituir o grupo anterior, também de cimento, obra do escultor Quirino Antônio Vieira.

 Imagem 13. Cândido Caetano de Almeida Reis. O Progresso, 1855, bronze, EBA/UFRJ.

Imagem 13. Cândido Caetano de Almeida Reis. O Progresso, 1855, bronze, EBA/UFRJ.

Também na década de 1880, nas mesmas oficinas da Estrada de Ferro, o escultor Benevenuto Berna fundiu em bronze uma de suas obras, o busto do poeta Fagundes Varela, no dia 1 de novembro de 1886. Este busto estava destinado ao sepulcro do poeta no cemitério de Maruí, em Niterói, projeto de seu irmão, o arquiteto Ludovico Berna, com 4 metros de altura e 60 palmos de extensão. O busto foi realizado na marmoraria familiar fundada pelo italiano Giuseppe Berna que, nesse momento, era dirigida pela sua viúva. A imprensa descreve assim o monumento:

A base em que repousa o mausoléo é de estylo egypcio e symbolisa o começo da arte propriamente dita na época dos bardos. Descança sobre este embazamento uma pyramide que é truncada para symbolizar a vida do poeta partida antes de alcançar o apice das aspirações. Na face principal da dita pyramide vê se o retrato de Varella em bronze, o qual foi modelado pelo Sr. Benevenuto Berna, alumno da academia das Bellas Artes, e fundido nas officinas da estrada de ferro D. Pedro II. Na mesma face está esculpido em relevo um ramo de palma, symbolo da paz eterna e com o qual entrou Christo em Jerusalem.
Sobre a pyramide levanta se um pedestal que indica estar estragada pelo tempo, e na face principal deste acha-se esculpido em relevo o symbolo da glorifiação dos poetas, a corôa de louros, e n´uma folha de papyro lê se a seguinte dedicatoria:
A Fagundes Varella, o povo nithereyense por iniciativa do C. L Guarany e C. D. Kean.
Sobre tres degráos, collocados em cima daquelle pedestal rustico ergue-se o symbolo do dogma da Christandade, a cruz com lamina de bronze polido, que indicam raios de luz, sobre a humanidade, e em relevo, no braço da dita cruz, lê-se a legenda: O Evangelho nas selvas.112112. O Paiz, 1º de (…)

Este seria um bom exemplo das encomendas particulares, funerárias ou não, que estavam acontecendo na Corte e que permanecem em grande parte desconhecidas.

Pequenas obras como o busto de Fagundes Varela, ornatos, grades, vasos, etc, estariam sendo produzidos no Brasil, o que, sem dúvida, precisa de uma maior atenção e estudo.

Conclusão

A modo de conclusão, vemos como o caso da fundição artística se mostra especialmente relevante, sendo um tema muito pouco tratado. Embora não possamos falar de uma indústria de fundição artística, nem de estabelecimentos dedicados exclusivamente a esta atividade, observa-se um desejo constante de estabelecer este tipo de fundições, desde os irmãos Marc e Zéphyrin Ferrez, que conseguiram fundir uma pequena estátua do imperador. Assim, depois deles, outros personagens, como Justino de Araújo, aparecem fundindo pequenos ornamentos para chafarizes e, especialmente na década de 1860, com a celebração da i Exposição Nacional em 1861, a festa da civilização e do progresso, como foi definida no próprio catálogo, aparecem diversos fundidores não especializados em fundição artística, que realizam relevos, ornamentos e, inclusive, uma grande estátua em bronze do imperador. De todos eles, o português Miguel Couto dos Santos constitui um exemplo único, pois fundirá grades artísticas, bustos e relevos de escultores do período, concorrendo a Exposições Nacionais e ganhando os maiores reconhecimentos artísticos e o reconhecimento como artista. Fechando já a época contemplada, em 1884 e 1885, a Estrada de Ferro de Dom Pedro ii aparece como capaz de fundir com bastante qualidade duas grandes obras: uma em ferro e outra em bronze.

Assim, é necessário reconsiderar a ideia da incapacidade técnica da fundição nacional, que talvez se visse mais condicionada pela ausência de mercado e apoio institucional, pois as produções de ferro de Val D’Osne tiveram um extraordinário sucesso, ornando edifícios, praças e jardins, deixando pouco espaço à indústria nacional, já que os grandes monumentos públicos eram fundidos na Europa diante da suposta incapacidade de realizar uma fundição nacional.

Este breve esboço, uma primeira aproximação ao assunto, recupera uma indústria pouco conhecida, mapeia e identifica as obras, protagonistas e lugares de fundição, supõe um primeiro passo para o conhecimento do tema e abre muitas perguntas que devem ser consideradas e que, sem dúvida, precisam de mais aprofundamento, especialmente neste campo que carece de documentação, diferentemente dos grandes projetos ou dos meios acadêmicos, precisando, assim, definir os ateliêrs do período, as redes de sociabilidade estabelecidas neles, os processos de venda e exposição da escultura, os materiais e coleções artísticas dos próprios escultores, a identificação dos escultores ou artesãos que trabalhavam nas fundições, a importância das produções locais e seus mercados ou a própria consideração dos fundidores no ambiente artístico.

1.

Departamento de História e Teoria da Arte. Escola de Belas Artes / Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-Brasil).

2.

N. Abrantes. História da fundição artística no Brasil. Rio de Janeiro, Vecchi, 1979.

3.

A. M. F. M. de Carvalho. Mestre Valentim. São Paulo, Cosac Naify, 1999, p. 7.

4.

E. Dias. “Félix-Émile Taunay e a importância do monumento público na Academia Imperial de Belas Artes”, In: A. M. T. Cavalcanti, C. Dazzi e A. Valle (orgs.): Oitocentos. Arte Brasileira do Império à Primeira República. 1º ed. Rio de Janeiro, EBA-UFRJ; DezenoveVinte, 2008. v. 1, pp. 199-206.

5.

E. Dias. “Félix-Émile Taunay e a importância...”, op. cit., p. 201.

6.

E. Dias. Félix Émile Taunay: cidade e natureza no Brasil. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Pós-Graduação em História, 2005.

7.

M. de A. Porto-Alegre. “O novo estatuário”, Illustração Brasileira, pp. 138-141, jul., 1854.

8.

E. Dias. “Félix-Émile Taunay e a importância...”, op. cit.

9.

Descrição das estátuas: equestre do Sr. D. Pedro I e pedestre do Conselheiro José Bonifácio, com orçamento assinado por Zeferino Ferrez e Augusto Henrique Vitório Grand Jean de Montigny, 1839. Manuscrito, Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. (Localização I-46,23,1A - Manuscritos).

10.

Correio Oficial, 9 de setembro de 1840, p. 220.

11.

Império do Brasil: Diário Fluminense, 1º de julho de 1826, p. 203.

12.

Ferrez, G. “Os irmãos Ferrez da Missão artística Francesa”, In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. 275, abril/junho 1967.

13.

Correio Oficial, 5 de março de 1841.

14.

Le Messager du Brésil, 19 de janeiro de 1833, p. 2.

15.

Atas do diretor, Sessão pública, 18 de dezembro de 1846. Arquivo do Museu Dom João VI, EBA/UFRJ.

16.

Atas do diretor, 20 de dezembro de 1847. Arquivo do Museu Dom João VI, EBA/UFRJ.

17.

Diário do Rio de Janeiro, 3 de outubro de 1836.

18.

Diário do Rio de Janeiro, 30 de janeiro de 1824.

19.

G. Ferrez. “Os irmãos Ferrez da Missão Artística Francesa”, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. 275, abril/junho, 1967, pp. 3-54.

20.

Império do Brasil: Diário Fluminense, 1º de julho de 1826, p. 203.

21.

Diário Oficial, 25 de setembro de 1837.

22.

Jornal do Comércio, 1º de março de 1841.

23.

Diário do Rio de Janeiro, 25 de agosto de 1843.

24.

Diário do Rio de Janeiro, 5 de março de 1845, p. 2.

25.

Jornal do Comercio, 30 de novembro de 1840, p. 3.

26.

Astréa, 11 de novembro de 1828, p. 1467

27.

Diário do Rio de Janeiro, 4 de julho de 1846, p. 4.

28.

M. de A. Porto-Alegre. “Apontamentos sobre os meios práticos de desenvolver o gosto e a necessidade das Belas Artes no Rio de Janeiro, feitos por ordem de Sua Magestade Imperial o senhor Dom Pedro II, imperador do Brasil”, In: Donato Mello Júnior: “Manuel de Araújo Porto-alegre e a Reforma da Academia Imperial das Belas Artes em 1855: a Reforma Pedreira”, Revista Crítica de Arte, nº 4, 1981, p. 33; M. de A. Porto-Alegre. “Algumas idéias sobre as Belas Artes e a Indústria no Império do Brasil”, Revista Guanabara, Rio de Janeiro, ano 1, nº.1, fev. 1850, p. 141.

29.

A. M. dos Santos. “A Acadêmia Imperial de Belas Artes e o projeto Civilizatório do Império”, In: S. G. Pereira (coord.): 180 anos de Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 1996, pp. 127-142.

30.

Colleção das Leis do Império do Brasil de 1831. B. D. de Almeida. “Portal da antiga Academia Imperial de Belas Artes: A entrada do Neoclassicismo no Brasil”. 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 1, jan. 2008. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/ad_portalaiba.htm> [Acesso em: 23 de setembro de 2016].

31.

O Brasil Artístico, pp. 17-18

32.

Ibid.

33.

L. C. A. Squeff. “Reforma Pedreira na Academia de Belas Artes (1854-1857) e a constituição do espaço social do artista”, Cadernos Cedes, ano 20, n. 51, pp. 103-118, nov. 2000.

34.

Lilia Moritz Schwarcz dedica às Exposições Universais o capítulo 15 da sua obra As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras. 1998.

35.

Diário do Rio de Janeiro, 21 de julho de 1873.

36.

Diário do Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 1862.

37.

E. Junqueira e P. O. Cruz. Arte francesa do ferro no Rio de Janeiro. Memória Brasil, 2005.

38.

B. P. Momesso. Indústria e trabalho no século XIX: O Estabelecimento de Fundição e Máquinas de Ponta d’Areia. Dissertação de mestrado, Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.

39.

Jornal do Comércio, 30 de agosto de 1844, p. 4.

40.

Jornal do Comércio, 10 de agosto de 1849, p. 4.

41.

O Correio da Tarde, 28 de agosto de 1851.

42.

Correio Mercantil, 24 de outubro de 1856. Correio Mercantil, 2 de janeiro de 1857.

43.

Correio Mercantil, 15 de março de 1862.

44.

F. M. dos Santos. “O progresso material no Segundo Reinado”, O cruzeiro, 28 de novembro de 1964.

45.

Ibid.

46.

Jornal do Comércio, 16 de fevereiro de 1862.

47.

Ibid.

48.

Correio Mercantil, 11 de maio de 1864.

49.

Correio da Tarde, 9 de novembro de 1860, p. 3.

50.

Indicador Alphabetico, 1875, p. 64.

51.

Novo e Completo Indice Chronologico da Historia do Brasil, 1873, p. 181.

52.

Correio Mercantil, 15 de março de 1862.

53.

O Brasil Artístico, pp. 149-150.

54.

Avulso n. 5391, 1º de Janeiro de 1871. Arquivo do Museu Dom João VI, EBA/UFRJ.

55.

Ibid.

56.

Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1863, Suplemento, p. 84.

57.

Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1848, p. 454.

58.

Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1871, p. 646.

59.

Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1875, p. 899.

60.

Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1877, p. 958, Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1876, p. 953,

61.

Jornal do Comércio, 27 de setembro de 1863.

62.

Jornal do Comércio, 7 de agosto de 1869.

63.

Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1879, p. 50.

64.

O Auxiliador da Indústria Nacional, 1867, p. 175.

65.

O Portuguez, 2 de março de 1865.

66.

Courrier du Brésil, 22 de junho de 1862, p. 5. Diário do Rio de Janeiro, 19 de junho de 1862.

67.

Diário do Rio de Janeiro, 11 de setembro de 1869.

68.

O Portuguez, 2 de março de 1865.

69.

Correio Mercantil, 19 de janeiro de 1867, p. 2.

70.

Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1869, p. 409.

71.

Diário do Rio de Janeiro, 3 de fevereiro de 1871, p. 3.

72.

Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1870, p. 411.

73.

Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1872, p. 18.

74.

Correio Mercantil, 3 de abril de 1865, p. 2.

75.

Correio Mercantil, 27 de julho de 1868.

76.

A Atualidade, 30 de outubro de 1863, p. 2.

77.

Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1865, p. 389. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1872, p. 404.

78.

Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1869, p. 386.

79.

Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1873, p. 422.

80.

O Auxiliador da Indústria Nacional, 1870, p. 103.

81.

O Auxiliador da Indústria Nacional, 1868, p. 426.

82.

O Auxiliador da Indústria Nacional, 1862, p. 43.

83.

Diário do Rio de Janeiro, 8 de julho de 1861.

84.

Diário do Rio de Janeiro, 13 de março de 1862.

85.

A Atualidade, 16 de março de 1863, p. 4.

86.

A Atualidade, 30 de outubro de 1863, p. 2.

87.

Correio Mercantil, 16 de julho de 1866, p. 2.

88.

Diário do Rio de Janeiro, 1 de fevereiro de 1867, p. 2.

89.

The Anglo-Brazilian Times, 7 de outubro de 1870, p. 2.

90.

Diário do Rio de Janeiro, 18 de setembro de 1876.

91.

L´Echo du Bresil, 10 de junho de 1860, p. 5.

92.

Brasil. Ministério do Império, 1871, Relatório do diretor do Conservatório de Música, p. 3.

93.

A Atualidade, 30 de outubro de 1863, p. 2.

94.

Ibid.

95.

Brasil Histórico, 1868, p. 56.

96.

Ibid.

97.

Correio Mercantil, 16 de julho de 1866, p. 2.

98.

Boletim da Ilustrissima Camara Municipal, 1866, p. 38.

99.

A Atualidade, 27 de fevereiro de 1863, p. 3.

100.

Correio Mercantil, 3 de abril de 1865, p. 2.

101.

Diário do Rio de Janeiro, 7 de agosto de 1870, p. 2.

102.

Diário do Rio de Janeiro, 1º de junho de 1863.

103.

Diário do Rio de Janeiro, 9 de março de 1870.

104.

Semana Illustrada, 19 de setembro de 1869, p. 3663.

105.

Gazeta de noticias, 25 de novembro de 1881.

106.

Revista de engenharia, 1883, p. 349.

107.

Gazeta da Tarde, 22 de janeiro de 1885.

108.

Revista de engenharia, 14 de novembro de 1885.

109.

Revista de engenharia, 14 de julho de 1885.

110.

Diário de Notícias, 1º de outubro de 1887.

111.

O mequetrefe, 30 de janeiro de 1885.

112.

O Paiz, 1º de novembro de 1886.